domingo, 30 de julho de 2017

Afetos como antenas de comunicação


Desde ontem aportamos em Mossoró, após concluirmos a ocupação do Centro Cultural BNB de Fortaleza, durante as últimas duas semanas. A partir de agora cumpriremos uma jornada afetiva, que preambulei na postagem Antenas para os afetos e que agora desenvolvo. Estamos com a oficina sobre o  Quadro de Antagônicos, ontem e hoje; apresentaremos Velhos caem do céu como canivetes, na terça, 19h30, no Teatro Municipal Dix-Huit Rosado, e na quinta, 20h, nos apresentaremos em Natal, no barracão dos Clowns.
Como venho ressaltando em quase todas as últimas postagens deste blog, o futuro do teatro de grupo no país está fadado a retroceder trinta anos, capitaneado por um desmonte estrutural e um desmanche sistemático de tudo aquilo que o Ministério da Cultura se tornou na última década; obrigando os grupos a desenvolver estratégias outras para garantir a sua produção artística, fundamental para a sobrevivência do pensamento autônomo brasileiro.
Uma das apostas da Pequena Companhia de Teatro para confrontar essa perversa realidades são os afetos. Explico: nossa ocupação em Fortaleza foi patrocinada pelo BNB, por consequência, o maior custo de produção já está pago, que compreende o deslocamento da equipe e cenário, e na atual conjuntura, a possibilidade desse mesmo espetáculo se apresentar em Mossoró e Natal é mínima. Como temos uma enorme relação com essas cidades, e achamos fundamental que conheçam esse trabalho, resolvemos abrir mão de um cachê mínimo por apresentação e estender nossa jornada até as duas cidades, no peito e na raça, sabendo que, por logística de espaço e número de apresentações, não teremos nenhum tipo de retorno financeiro, a não ser para pagar os custos; vamos porque queremos que essas cidades vejam o espetáculo; faremos isso por afeto.
Da mesma maneira, e principalmente, quem nos recebe aporta com uma parcela incomensurável de afeto, concentrada na Cia. A Máscara de Teatro – com o apoio da prefeitura, e diversos outros parceiros –, em Mossoró, e nos Clowns de Shakespeare, Arlindo Bezerra e Chrystian Saboya, em Natal. Ou seja, uma soma de afetos provindos dos mais recônditos labirintos das nossas amizades possibilitará que as comunidades de Mossoró e Natal assistam a um espetáculo que não chegaria a elas se dependesse de políticas públicas para a circulação do pensamento dos grupos de teatro de pesquisa pelo país – instrumento basilar para a formação de cidadania e para a materialização identitária do ser brasileiro. 

São estratégias heterodoxas, táticas de guerrilha, maluquice de artista, nada ideal, nada leves, mas necessárias para confrontar uma realidade que busca aniquilar o nosso pensamento e as nossas ações. Enquanto um pensamento comum que contemple o teatro de grupo de todo o país não emergir, vamos executando pequena ações, trilhando novos caminhos, pensando em como marcar nossa realidade com a resistência que nos identifica; e o nosso primeiro e principal instrumento para isso é o afeto.
Ver o esforço descomunal da Cia. A Máscara de Teatro para que a empreitada seja possível faz valer cada gota de suor do nosso esforço e cada centavo perdido, pois é bom que se enfatize que tanto nós quanto cada um dos nossos parceiros nesta maluca campanha estão trabalhando praticamente de graça – e uso a Máscara como exemplo de todos os outros queridos amigos que tornaram viável a nossa ida. Fazemos porque acreditamos que o rastro deixado por nossas ações fertiliza o solo árido de hoje, preparando uma colheita digna para os que virão. 

São essas lógicas excêntricas que precisam ser praticadas pelos grupos do país na busca de formatar estratégias fora da curva, que possibilitem a nossa caminhada até atravessar o tenebroso inverno que o país vive. Os longos papos com o Nelson, do Pavilhão da Magnólia – grupo querido que não mediu esforços e nos brindou com um caminhão de afetividade em Fortaleza, tornando nossa estada viva e pulsante – convergiram para esse pensamento: precisamos uns dos outros, muito além das estruturas mercadológicas que o sistema tenta impor para um setor tão efêmero e imaterial quanto o teatro. 
Afetos. Antenas para os afetos. Vale a pena carregar o peso dos cases, enlonar o reboque e dirigir por horas a fio se nos recebem os braços abertos dos nossos queridos amigos. Vale o esforço, vale o cansaço, vale o foco na desambição; vale a pena saber que estamos fazendo a nossa parte, contribuindo com um grãozinho de areia para que este país seja um pouco menos capital e um pouco mais humano.

domingo, 23 de julho de 2017

O indelével efeito da invisibilidade


Depois dos mil quilômetros de estrada, e da alegria singular com que o Grupo Pavilhão da Magnólia nos recebeu, já se passaram seis dias e chegamos à metade da nossa ocupação do Centro Cultural BNB de Fortaleza, concluindo a oficina de dramaturgia, três apresentações de Velhos caem do céu como canivetes e seus respectivos debates, a exposição do figurino que o Chico Coimbra fez para a performance Literatura Viva e o lançamento do meu livro.
Nosso projeto de ocupação dialoga diretamente com a atual conjuntura cultural brasileira, no que tange a dificuldades, desafios, superações, e a urgente necessidade de desenvolver estratégias de gestão e sustentabilidade. Prova disso foi o nosso deslocamento por via terrestre – de carro e reboque –; a assimilação progressiva da aridez do espaço de apresentação, pouco propício para espetáculos de teatro; o ajuste no orçamento, procurando realizar o maior número de atividades no menor espaço de tempo; e a extensão da jornada para outras paragens, tema da postagem de domingo que vem.
O momento é de observância, prontidão e diálogo. E é no diálogo que percebemos o escárnio com que os poderes públicos estadual e municipal tratam os grupos de teatro de pesquisa do Maranhão e de São Luís – não vou falar do poder público federal porque, além de não mais existir, venho reiterando esse desmonte constantemente nas postagens anteriores. Em diálogo com os queridos amigos do Pavilhão, fiquei estupefato com o número de instrumentos de políticas públicas estaduais e municipais que contemplam os grupos de teatro do estado: editais de ocupação de espaços, de manutenção de grupos, de pesquisa continuada; são tantos e tão variados que não conseguiria quantificar nem qualificar, pois me foi impossível reter em uma conversa a diversidade de opções e ofertas que protegem o pensamento teatral e sua difusão no estado do Ceará. O curioso é que a classe continua a reivindicar e exige uma atenção permanente, certos de que o que está posto ainda não é o suficiente para garantir uma política pública cultural de qualidade para o teatro de grupo.
Fiquei assombrado. Levando em consideração que a Pequena Companhia de Teatro, nos seus 11 anos de trajetória, nunca recebeu do governo estadual ou municipal um único aceno, seja ele por qualquer instrumento de democratização de políticas culturais que não sejam as famigeradas leis de incentivo – que bem sabemos são um equívoco, e vêm sendo questionadas em todo o país há mais de duas décadas – me fez enxergar o óbvio: o quanto estamos distantes de um mínimo de dignidade. Lembrado que falo de dentro de um grupo que já circulou por 67 cidades de 25 estados, participou dos principais projetos de circulação do país, montou 4 espetáculos, ganhou 4 prêmios Myriam Muniz de Teatro e tem sede própria viável com os mais diversos projetos de formação e difusão; o que dirá um grupo jovem que pretende se firmar no seu fazer? Por essa década passaram prefeitos e governadores de todos os tipos e a receita sempre foi a mesma, ignorar, como já falei aqui.
É lamentável. Confesso a vocês que preferia não ter tido a conversa com o pessoal do Pavilhão. Preferia continuar achando que os outros estados estão tão lascados quanto nós, no que se refere a garantir um mínimo de dignidade para um setor que é responsável por auxiliar a manter viva a dignidade humana.
Isso reforça o nosso atual e árduo caminho: aguçar a visão estratégia, refletir sobre sustentabilidade, alargar o diálogo com o país, estabelecer parcerias, reivindicar o óbvio; pois sabemos, há mais de uma década, que no que se refere a políticas públicas municipais e estaduais, estamos sós.
Claro que não poderia deixar de fazer aqui o mea-culpa: se o estado do Ceará e Fortaleza têm esse olhar para o teatro de grupo foi por uma permanente vigilância da classe artística local, por lutas reivindicatórias constantes, por um poder de enfrentamento respeitável, por uma disposição para o confronto, por uma consciência de união entre os diferentes quando necessário, por uma classe que entende que se não for na bruta, o respeito para com a arte não acontece.
Nesse sentido, pouco fiz. Sempre acreditei que se estabelecêssemos um trabalho sério, honesto, comprometido, bastaria para que o poder público percebesse que a nossa invisibilidade corrobora significativamente para a formação de cidadania, e, por consequência, para o próprio governo, mesmo que a nossa intenção seja apenas contribuir para o desenvolvimento do nosso estado. Doce ilusão. A história prova que o caminho das conquistas são o confronto e a reivindicação.
A única vantagem é que nada muda. Como nunca tivemos políticas públicas culturais, tudo continua como sempre foi, e como era quando decidi que viveria de teatro, nem que fosse na marra, quase trinta anos atrás, independentemente do político da vez. Só faço teatro porque não entendo o mundo.

domingo, 16 de julho de 2017

Acordei de bom humor após sonhos intranquilos


Hoje faço um bate-e-volta para o Rio de Janeiro, participar de um debate sobre o SESC Dramaturgias, que será transmitido amanhã, às 14h30, por videoconferência para todo o país, pois na terça, bem cedinho, pego o volante da Pequena Móvel, e rumaremos para Fortaleza cumprir com a nossa agenda de ocupação do CCBNB destrinchada nesta postagem aqui.
Como vamos bater um papo sobre a experiência em participar do projeto a partir da oficina de escrita dramatúrgica que ministrei em Caxias/MA, Vitória/ES e Maceió/AL, antecipo o meu balanço para instrumentalizar os queridos leitores que por ventura vierem a acompanhar o debate em alguma das unidades regionais do SESC para onde a videoconferência será transmitida. 
Assentarei a provocação naquilo que motivou minha proposta para o SESC e que vem sendo discutida aqui no blog: o excesso de narrativização do teatro contemporâneo. Esse assunto pontuou permanentemente o diálogo com as pessoas que participaram das oficinas, e gerou uma inquietação quanto à necessidade de discutir o fato e entender o que esse sintoma da contemporaneidade tenta nos dizer. Como penso que será necessário me debruçar em outra postagem sobre o assunto após ruminar a colheita das réplicas e tréplicas que recebi, não aprofundarei esse mote hoje; todavia, o conteúdo da problematização está escondido na palavrinha que aparece em vermelho neste parágrafo, é só clicar para abrir a Caixa de Pandora.
Debruçar-me-ei sobre quatro pontos que considero cruciais na experiência vivida, dois negativos e dois positivos. Começarei pelos negativos, para dar tempo de diluir meu azedume, fazendo com que o ledor termine a leitura com uma imagem menos ranzinza deste ranheta contumaz que tanto reclama.
O primeiro ponto negativo é que meu Henrique é sem H... Era para ser uma piada; se você não riu, é a prova patente de que você é tão ranheta quanto eu. O segundo, e aqui ressalvo abordar o tema em termos gerais, não sendo generosos com as situações que fugiram à regra, percebi uma dificuldade do SESC em conseguir adequar a clientela da oficina para o recorte mais específico sugerido pela oferta, desnivelando a possibilidade de aproveitamento por parte das pessoas atendidas pela ação; fiquei com a sensação de que pessoas outras, que respondessem mais organicamente às especificidades, pudessem ter ficado de fora não por indiferença, por desaviso.
Já os pontos positivos foram apenas confirmados, pois haviam sido levantados como suspeitas em postagens anteriores que nem vou lincar, por saber que você não se dará o trabalho de clicar. O primeiro diz respeito ao cuidado do SESC em viabilizar uma carga horária significativa, 32h – tendo em vista que uma disciplina acadêmica gira entre 40 e 60 horas, disponibilizar uma atividade formativa com essa extensão comprova o compromisso do SESC com o aprofundamento do estudo das múltiplas dramaturgias postas hoje. Não é muito comum atividades formativas receberem essa atenção quanto ao tempo necessário para que uma facilitação seja realizada largamente, possibilitando ao participante um debruçar-se efetivo, contrapondo-se a certa superficialidade que permeia projetos que incluem formação, inclusive nossos.
A segunda, e que a edição deste ano traz como novidade, é a possibilidade de a oficina ser ministrada em dois momentos, com um intervalo de tempo importante entre os dois. Esse acertado formato possibilitou o confronto entre teoria e prática. Aquilo que fora postulado no primeiro encontro, recebera um outro momento para a verificação das postulações no tête-à-tête com o postulante, arremessando oficineiros e oficinados em um delicioso jogo dialético, repleto de comprovações, antíteses, problemas, réplicas, contradições, esclarecimentos, teses, tréplicas, abraçados pelo empenho na busca da síntese, tão esquecida nas tratativas dialéticas contemporâneas, principalmente virtuais.
No trinchinchim, minha experiência aponta para algo que vem sendo pontuado por onde passo, nas quase setenta cidades que visitei nos últimos anos com diversos projetos: o fato de o SESC ser um ocupador potente da lacuna que as políticas públicas culturais do país não conseguiram preencher, e que agora, na atual conjuntura política de desmonte e desmanche, será alargada até virar uma grande vala onde será sepultada a cultura brasileira.
São apenas umas pitadas de tempero que jogo por cima, para marinar o papo que acontecerá amanhã, e que você poderá acompanhar, se tiver disposição para dar um pulinho na unidade do SESC da cidade que você habita. Como frequentemente faço jejum, chegarei para o debate com fome, e espero que as questões levantadas por você, meu intrépido leitor fantasma, saciem este faminto prosador de inutilidades.  

domingo, 9 de julho de 2017

Antenas para os afetos


Terça-feira que vem, dia 11 de julho, às 19h, estreia o espetáculo teatral “Atenas: mutucas, boi e Body”, de Lauande Aires e Igor Nascimento, na sede da Pequena Companhia de Teatro, na Rua do Giz, 295, Praia Grande. A temporada de estreia vai de terça a sábado, e a entrada é gratuita. No elenco, Dênia Correia, Nuno Lisboa e o próprio Lauande. Serão 15 apresentações ao todo, sendo que as duas outras temporadas acontecerão de 15 a 19 e 22 a 26 de agosto. Isso é o de importante que tinha para escrever hoje. Tudo o que segue é mais uma das elucubrações irrelevantes às que submeto a querida leitora e o companheiro leitor por mera necessidade de encontrar companhia para o maior prazer da minha vida, perder tempo.
As relações da Pequena Companhia de Teatro são construídas, primordialmente, pelo afeto. A própria consolidação do nosso grupo se estabeleceu a partir dele e da amizade. Até a curadoria de ocupação da nossa sede, como já falei aqui, é orientada, inicialmente, pelo afeto.
Você pode achar que é uma maluquice, eu acho um privilégio. Um dos meus maiores temores durante a minha formação foi o de ser obrigado a ter que trabalhar com gente chata. Como sempre conheci o tamanho da minha chatice, achei oportuno me abrigar em ambientes agradáveis, onde a minha ranhetice ficasse diluída na cordialidade e leveza do todo. É o prazer que me move, e o teatro é uma fonte de prazer martirizante, onde o martírio do trabalho que faço (trabalho sempre será um martírio para qualquer ser humano que entenda o indelével prazer do ócio) encontra o prazer da lida com quem ou para quem trabalho, criando uma espécie de limbo límpido, sombra iluminada, palafita luxuosa, lodaçal de chocolate.
Com a ocupação da nossa sede pelo espetáculo Atenas não é diferente. Acompanhar o sobe e desce de escadas, bater um papo entre sacadas, ouvir as batidas dos martelos, servir no que for preciso, curiar as nuances, tomar um suquinho, descobrir que têm malucos como nós; tudo isso é abraçado por um afeto que me faz cruzar os dedos diariamente na torcida para que tudo dê certo, e na terça tenhamos a estreia de um espetáculo honesto, comprometido, transformador, pois nada pode fugir desse roteiro quando se tem um grupo tão dedicado, sério e inteligente como o que tenho visto transitar feito fantasma pelas escadarias da Pequena Companhia de Teatro nestes últimos dez dias.
Essa condição de existência privilegiada está diretamente relacionada ao entendimento da necessidade de perceber onde estão os nossos pares, para onde os caminhos convergem, onde se depositam os sonhos, onde se esconde a sutil coincidência – aquela que junta os menos prováveis e os transforma em iguais, por mais diferentes que sejam. Claro que para conseguir essa condição já engoli muito sapo, vendi diversas vezes minha alma para o diabo, aguentei muito caboco mais chato do que eu e até madruguei (!); tudo para conseguir essa minha pré-velhice tranquila, meu quase fim moroso, a lenta despedida da movimentada quietude que é a vida.
Escrevo esta glosa sobre o afeto porque Atenas é a mais longa jornada de um espetáculo externo na nossa sede, desde sua inauguração, em 2013, e não poderia estar envolvida outra pessoa que não o Lauande, um dos nossos amigos mais próximos, e responsável por comandar a trupe nesta jornada trágica que se avizinha. Como tudo o que me invade vira postagem, achei que as sensações da experiência que narrei poderiam encontrar eco no coração da leitora ou leitor, e ainda fantasio que, enquanto você lê, dá uma olhadela dissimulada para a pessoa que está ao seu lado e sorri, graciosamente, por sentir a felicidade de saber que ela é a pessoa que deveria estar nesse exato momento e lugar.

domingo, 2 de julho de 2017

Entre Pasárgada e Macondo


De 18 a 29 de julho a Pequena Companhia de Teatro ocupará o Centro Cultural Banco do Nordeste em Fortaleza/CE, com grande parte do seu repertório de atividades: 06 apresentações de Velhos caem do céu como canivetes e seus respectivos debates, 02 oficinas – O Quadro de Antagônicos como instrumento de treinamento para o ator e Do narrativo ao dramático: a transposição de gêneros como instrumento de confecção de dramaturgia –, o lançamento do livro Cinco Tempos em Cinco Textos, que reúne minha produção dramatúrgica entre 2003 e 2009, a exposição dos figurinos da performance Literatura Viva, do saudoso Chico Coimbra, e a palestra Desconstrução estética de Velhos caem do céu como canivetes, que pretende aproximar cenógrafos e iluminadores das tecnologias teatrais desenvolvidas por nós durante a última década.

O projeto Teatralidades: a Pequena Companhia de Teatro ocupa Fortaleza foi contemplado pelo edital de Seleção de Projetos Culturais BNB 2016/2018 e segue o nosso conceito de ocupação, que procura passar o maior tempo possível na cidade com grande parte das nossas atividades, para que a comunidade que nos recebe tenha uma dimensão ampla dos caminhos do nosso fazer. Por duas edições consecutivas (a de 2014/2015 contemplou a ocupação do CCBNB em Sousa/PB) a Pequena consegue sensibilizar os pareceristas com uma proposta que foge à regra do trânsito rápido, e tenta extrair uma intensidade maior da ideia de intercâmbio. As cidades de Campo Grande/MS, Primavera do Leste/MT e Goiânia/GO também foram tocadas com o conceito, através do Programa Petrobras Distribuidora de Cultura, em 2016, e muitas ramificações férteis surgiram a partir dessa interlocução mais intensa com os municípios visitados.

Quem nos receberá por lá será o Pavilhão da Magnólia, que fará nossa produção local e assessoria de imprensa, já disparando o diálogo com a cidade e suas idiossincrasias, motivo principal do nosso programa de circulação que procura conseguir o desnudamento dos prazeres e agruras do fazer teatral de cada universo. Para isso, separamos quatro dias da jornada sem atividades formais, para podermos acompanhar espetáculos locais, visitar grupos, sedes, projetos teatrais e toda sorte de atividades que nos possibilitem entender a dinâmica e a lógica da produção cênica de Fortaleza – cidade em que morei por dois anos, num tempo em que teatro ainda era um bicho de sete cabeças que eu almejava conseguir domar algum dia.

Exemplo expresso do que já falei aqui, Fortaleza é uma das capitais mais próximas de São Luís, e uma das mais distantes no que se refere ao intercâmbio de pensamento entre a Pequena e grupos de teatro do país. Estivemos por lá diversas vezes, quando da nossa circulação pelo Myriam Muniz, pelo Palco Giratório e no Festival BNB de Artes Cênicas, com Pai & Filho, mas pouco contato tivemos com a classe artística, ação fundamental para a oxigenação do pensamento, o espelhamento de práticas, o abrandamento de mazelas e a encubação de soluções para a subsistência de grupos de teatro neste trágico Brasil que hoje se apresenta. Capitais menos prováveis são aliadas contumazes na tessitura da teia de que falo no link que acabei de oferecer acima, e que você não teve a gentileza de visitar para que a contextualização seja possível.

Por quê? Por que uma capital mais próxima do que muitas outras se manteve tão distante da Pequena Companhia de Teatro? Por que Piracicaba, Campo Grande, Palmas, Belém, Cuiabá, Porto Velho, Guaramiranga, Teresina, Macapá conhecem nossos últimos dois espetáculos e Fortaleza só conhece um? A principal resposta está num problema que perpasso agora, mas que me debruçarei em uma próxima postagem: com o advento da política dos editais –  esboço de fomento cultural que contribuiu para a construção de cidadania, diferentemente do desmonte atual – deixamos de ser propositivos, e passamos a ser pautados por aqueles que determinam os eixos curatoriais dos editais em questão. Se a Pequena queria ir para Pasárgada e Macondo, não necessariamente o programa da vez queria o mesmo, e acabávamos indo apenas para Macondo. Nossa ida para Macondo, por mais sensacional que fosse, não saciava nosso desejo de ir para Pasárgada, contudo, pouco fizemos para chegar até lá, mesmo sabendo que seríamos amigos do rei.

Agora, para que o projeto de ocupação do CCBNB se tornasse viável, propusemos ir de Pequena Móvel – nome dado por Fernando Yamamoto à nossa forma de deslocamento quando vamos os quatro de carro com o reboque carregando o cenário –, dirigindo os mil quilômetros que separam São Luís de Fortaleza; pincelada de esforço que confirma o desejo de que a cidade conheça um pouco mais a fundo nossa produção. Então, o que nos impediu de arribar em Fortaleza em outro momento? A resposta na ponta da língua é o fator econômico, desculpa que nos acomodou em um calendário sugerido por nós, mas definido por outros. Desculpas, pois, a Pequena Móvel depende de uns litros de combustível para ser independente, e tenho absoluta certeza que não faltaria um colchão limpo e um espaço vazio esperando por nós em qualquer destino desejado.

As reflexões que aqui faço são os passos que dou rumo ao entendimento de outras diversas ações de sustentabilidade que precisamos desenvolver para que a nossa realidade continue sendo a de um grupo de teatro nordestino que apresenta um fazer teatral honesto, independente e constante. Uma dessas ações será o tema da postagem que escreverei no final deste mês, após confirmadas as tratativas. Só não digo do que se trata para não ter que usar a palavra “spoiler”.