O melhor amigo
do encenador é a cena, do ator a ação, do dramaturgo o drama, do figurinista a
figura, do cenógrafo a cênica, do sonoplasta o sonido, do iluminador a luz.
Quando esses se tornam um peso, há algum problema.
Há dias que um
grande amigo insistiu em que devo me divertir mais. Não sei muito bem qual é o
fundamento dessa opinião, mas devo admitir que a arte, para mim, nunca foi
prazerosa. Como tudo o que emerge através dela vem de uma profunda insatisfação
existencial com a forma como construímos o mundo e suas relações, é natural que
a prática artística pese em mim como pedra. Contudo, de que maneira entender o
crítico entorno, questioná-lo, e ainda assim extrair o prazer necessário para
que o exercício artístico não seja um martírio? É o que venho me perguntando
enquanto norteio os fundamentos do próximo espetáculo. Pretendo que entremos de
cabeça nele quando, definitivamente, eu tenha conseguido solucionar essa
equação.
Os caminhos
parecem simples, se imaginarmos que o teatro não passa de uma grande aventura
ilógica, jocosa e efêmera. O principal deles, que venho praticando desde a
criação da Pequena, é a despretensão, por absoluta consciência da inutilidade
da arte, e da certeza do pouco poder de transformação que dela emana. O
problema é que atualmente isso já não basta. Como já falei aqui, num momento
como o que vivemos é necessário imaginar, ou mesmo se iludir com a hipótese de
que alguma coisa dita através do teatro seja transformadora ao ponto de fazer
sentido. Mas, tudo isso é filosofia de botequim, e penso que o que meu amigo
tentou tocar vai muito aquém da existência, e se refere aos pequenos prazeres
da cena, do gesto, do movimento preciso, do vaivém dos objetos, das luzes, do
suspiro no fim do ensaio.
Nesse caso, o
problema consiste em não saber onde está o problema, ou se há um. A concepção e
confecção de um espetáculo me é cara, me é prazerosa, mas devo admitir que,
dirigida por mim, é sisuda. Sou demasiadamente sério para algo que no discurso
é carregado de despretensão. Porém, desconfio que haja um caminho, e minha
condição artística malfeita a me manter como permanente aprendiz, me
possibilitaria o sopro da suspeita, se eu decidisse que sempre há tempo para se
aventurar.
Precisaria
aprender a me desprender. Exercitar o desapego. Esforçar-me em perceber que
desenvolvi um sentido de posse sobre a obra artística na qual me envolvo que
afeta o pleno sentido da arte; o de pairar livremente pela vida transformando
aquele desprevenido que se defronta com sua força. O aprisionamento da obra
imposto por mim – perdoem o dramático exagero – sufoca a sua trajetória e me
confere a sisudez habitual à qual a abnegada leitora e o despegado leitor estão
acostumados. Desapego. Diversão. Despretensão. Conferir à obra uma das suas
principais funções: a de dançar com os seus criadores a fluida e divertida
dança da concepção e confecção.
Como a
transformação ocorrida em mim a partir de cada espetáculo criado é percebida
pelos meus pares a olho nu, espero que a experiência desta nova aventura que se
avizinha me devolva ao mundo leve e solto. Livre já seria um exagero.
7 comentários:
Amigo mais que caríssimo,
Divertido (acima de tudo), e certeiro (como sempre). Saudosas saudades.
Enfim consegui postar algo... tomara que na próxima consiga novamente. Um grande cheiro.
Eu bem acredito que você poderia gastar um pouco de humor,mesmo que gástrico, conosco. Montemos uma bela comédia bufonica e seremos outros.
O artista em busca da Arte, assim mesmo com A maiúsculo. Matizando entre a sua utilidade e sua desnecessidade, refletindo sobre o divórcio dos artistas com a sociedade.
Gilberto, meu querido amigo! Benzadeus! Vê se até a próxima postagem não desaprende como comentar! Você deixou um rastro de saudades!
Rodrigo, meu caro! Você é, como sempre, um interlocutor de saboroso raciocínio. Apareça sempre, virtual e pessoalmente!
Jeyzon, querido, a vida já é uma ópera bufa! Piorar para quê?
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