domingo, 26 de junho de 2016

Sem polêmicas, exclamações ou superlativos


Passei a semana refletindo sobre o quanto o teatro consegue se descolar do rolo compressor imprimido pela contemporaneidade, e no quanto ele contribui para a educação do cidadão, em tempos onde gritos, pipocas, atrasos e ruídos fazem parte do cotidiano das artes, seja no cinema, no show de música, na galeria de arte, no circo.
O teatro é templo de pontualidade. Tolerância compreende, no máximo, quinze minutos. O espectador chega pontualmente – a grande maioria – e entende que isso é necessário para a melhor fruição da obra que vai assistir. Essa conquista é do teatro, tendo em vista que esse mesmo espectador chega a um show de música com uma hora de atraso, sabendo que vai entrar, e que o show ainda está longe de começar.
Qualquer espectador minimamente acostumado com uma sala de teatro sabe que não entrará para ver um espetáculo comendo ou bebendo, jamais. Essa conquista é do teatro, pois, esse mesmo espectador vai ao cinema e se empanturra de pipoca e refrigerante, sem o menor constrangimento.
O mesmo espectador do parágrafo acima sabe que, após adentrar na sala onde acontecerá a apresentação teatral, seu silêncio é o primeiro indício manifesto do respeito que ele tem pelos artistas em cena. Outra conquista do teatro, pois sabemos que, o reiterado espectador, não só cochicha, como conversa e brada em qualquer sala de cinema ou casa de show.
Hoje, em pleno século vinte e um, qual é o único lugar onde se desliga o celular antes de entrar? Na peça de teatro. E caso aconteça o indesejado esquecimento, corre-se o risco de que o toque do celular gere a virada do pescoço e o olhar de toda a sala, identificando em você o extraterrestre mais distante no espaço, ou o troglodita mais distante no tempo.
São amenidades que tornam a vida em coletivo mais afável, mais amável, mais sociável. São coisinhas sem importância que transformam as pessoas e ajudam a construir o sentido de cordialidade, boa educação, respeito. Pontualidade, assiduidade, atenção, reconhecimento, são predicados importantes na constituição do cidadão, e o teatro, com a parcimônia que lhe é particular, contribui para robustecer esses sentidos no imaginário das pessoas.
Sim, de fato, é sobre essa grande bobagem que eu estendo minha reflexão hoje. Um assunto menor, anódino, entediante: educação. Algo fora dos holofotes, mas que fundamenta meu esforço recente em explicitar a importância do teatro na vida das pessoas.
Percebam que a peça nem começou ainda.  Tudo o que advém da cena quando a cortina se abre é reconhecidamente construtor de dizeres que formam, esclarecem, questionam, contestam. Minha defesa hoje é mais sutil. Apenas destaco aqui a ação efetiva de formação cidadã que o teatro oferece antes mesmo do espetáculo começar – lembrando que, no teatro, antes da cortina se abrir, temos o nada. O teatro tem esse poder. Só ele pode fazer do nada um espaço de ensinamentos para a vida toda. 

domingo, 19 de junho de 2016

Arte não é adorno, cara pálida!


No ano em que completa dez anos de ininterrupto fazer teatral, a Pequena Companhia de Teatro mantém sua vocação itinerante, e celebra circulando com seu repertório de espetáculos por duas regiões completas do nosso país – Pai & Filho, pela região Centro-Oeste, através do Programa Petrobrás Distribuidora de Cultura, e Velhos caem do céu como canivetes, pela região Norte, através do SESC Amazônia das Artes.
Mas, como quase nada é festa, depois desses dez anos de história, o principal desafio do grupo continua sendo o mesmo: produzir teatro e sobreviver dessa produção em uma das periferias mais miseráveis e agônicas do país, o Maranhão.
Nosso fazer atual, e durante toda a última década, vem se sustentando com a democratização dos recursos públicos federais disponibilizados nos últimos anos, e de parceiros específicos da iniciativa privada (leia-se SESC e SESI), fatores que nos possibilitam resistir à indiferença recebida dos poderes públicos municipal e estadual, que insistem em construir nossa invisibilidade.

Agora, é o governo federal que guina para a destra e o desastre é iminente. Nós artistas, que vimos encontrando na arte uma forma de construir um dizer comprometido com a efetiva consolidação do conceito de cidadania, sabemos que os sinais dados levam os rumos da cultura do país à fatídica condição de mero evento.

O que essa situação tenta esconder é a notória necessidade de combater o pensamento crítico, a reflexão política, o desenvolvimento cultural. O provincianismo imperante em nosso estado, e que agora se estende Brasil afora, continua sendo o de olhar a cultura e a arte como um enfeite de bolo, um entretenimento para as elites, uma disfarçada mercadoria para turista ver. Exemplos tácitos desse caminho são a frustrada tentativa de extinguir o Ministério da Cultura, por parte do governo federal, e o menoscabo da cultura ao fundi-la com o turismo, por parte do governo estadual. A ideia de política pública cultural é uma nebulosa fantasia, e nós, artistas, continuamos pautados pelo calendário festivo de Carnaval, São João, férias, Pátria, Natal e Réveillon.
Um grupo de teatro como o nosso – que tem como objetivo a pesquisa, o desenvolvimento de linguagem, a revisão histórica, a contestação da realidade atual, a reivindicação de uma sociedade mais justa e equilibrada – ao encontrar-se incrustado no cerne de um ambiente tão inóspito para o desenvolvimento sociopolítico-cultural, despedaça-se na tentativa de manter-se erguido, atuante e contundente na reivindicação dos direitos dos pequenos, dos menores, dos sem voz, como demostrado nos nossos dois últimos espetáculo, ao visitar temas como poder e miséria.
Enquanto os poderes municipal, estadual e federal constituídos não conseguem enxergar o nosso fazer como instrumento importante para a consolidação de uma sociedade mais empoderada, é a circulação do nosso pensamento pelo país nossa principal força motora, comprovada com a extensão do nosso circuito nesses dez anos de viagens, intercâmbios, aplausos, vivências, quilômetros, plateias e bagagens. Os projetos que celebram os dez anos da Pequena Companhia de Teatro são exemplos manifestos do aqui posto.

 

 

sábado, 11 de junho de 2016

Que lugar o teatro ocupa em sua vida?


A Pequena Companhia de Teatro abriu as portas da sua sede há mais de três anos. De lá para cá, foram ofertados, gratuitamente, diversos espetáculos, oficinas, palestras, seminários, encontros, reuniões, lançamentos, jantares. Por aqui passaram, aproximadamente, mil e quinhentas pessoas. Recebemos artistas dos mais diversos lugares do Brasil, primordialmente para visitas, e todos, sem exceção, ficaram encantados com as condições de trabalho, a beleza do espaço, a riqueza de detalhes que favorecem o fazer teatral, o conforto oferecido para cada espectador que aqui se aprochega.
Contudo, o curioso, é que há conhecidos íntimos – aqueles que cordialmente chamamos de amigos – que não conhecem nossa sede, nunca assistiram a uma das cinquenta apresentações de espetáculos teatrais que aqui aconteceram, e sequer conhecem o endereço. Minha bajulação incessante para conseguir a atenção de alguns beira a humilhação, portanto, nem o argumento da desinformação, nem a desconfiança qualitativa valem para justificar a ausência de interesse, a não ser que seja da turma do “não vi, não gosto”.

Não. O que faço aqui não é um reproche. Apenas indago: qual o lugar que o teatro ocupa na sua vida? Se o caríssimo leitor, que acusa o golpe semanal de ler esta postagem, puder se perguntar, avaliando as consequências da resposta para o fazer teatral maranhense, estará nos auxiliando no diagnóstico do nosso espectador assíduo e do nosso conhecido íntimo.
O país vive um momento obscuro, e todos nós, que fazemos teatro há mais de vinte anos, sabemos no que tudo isso vai dar. Nesse quadro, se a tragédia se confirmar, o único esteio que permanece é o elemento basilar do teatro: o espectador. Mas, como continuar erguendo a utópica torre de papéis se a sustentação é frágil a ponto de não atingir aquele que seria o primeiro a fundamentar nosso propósito?
Provocando a discussão, refletindo, indagando: qual o lugar que o teatro ocupa na sua vida? Sim, a pergunta é sobre o teatro, e não sobre a arte. A música você pode ouvir em casa, o livro, lê-lo no ônibus, o quadro pode estar na sua parede, mas, o teatro, precisa de você, ali, frente a frente, para poder existir.
Sou da opinião de que o público que se tornou cúmplice da nossa empreitada na última década é a coisa mais preciosa e inimaginável que um grupo de teatro pode conquistar; basta fazer um pequeno retrocesso no tempo, como escrevi outrora aqui. Entretanto, é necessário diagnosticar as condições em que se estabelece a relação entre teatro e espectador para que, passada outra década, nossa surpresa seja ainda maior.
Porém, e principalmente, é preciso estar em permanente estado de autocrítica. E é o que aqui também agora faço. Para nós, que fazemos um teatro mais reflexivo, com um diálogo menor com o mercado, a chave inicial que se apresenta é a de extrapolar os limites do conhecido íntimo, do artista, do apreciador de arte, do professor, do aluno.  Estender nosso alcance ao cidadão plural, aquele que está no ônibus, no consultório, na feira, no bairro, na padaria.
De que maneira fazer isso é que são elas, ele, tu, eu, vós, nós. Enquanto isso, se você não gosta tanto de teatro, venha pelo menos conhecer o jardim, e o jardineiro.