quinta-feira, 30 de julho de 2015

Adeus, ano velho!



E se inicia o ano de 2015. Antes disso, o exílio voluntário (sic), a modorrice, a angústia improdutiva, o ócio em excesso, computadores quebrados, geladeira vazia, nada de teatro, nada de dinheiro, nada de nada: desgraça!

A reflexão não cabia, como não cabiam as incursões na dança ou na performance. O sexo tomou conta. Ejaculações intermináveis para preencher o abissal de dentro e o de fora. Pensei em Camus: ah, peste!

E o inevitável: morrer por inanição. Descrer em deuses tem suas inconveniências. Pensei na fragilidade do corpo, na solidão, no deslize. Cheio de ideias, cabeça oca, bolso furado. Papai não caiu no chão: jaz morto.

O tempo das alfaces murcham terminaram? Sei que ensaiei há alguns dias e que no próximo sábado iremos ocupar o Centro Cultural do BNB, em Sousa-PB, durante 15 dias, e em outubro participaremos de nosso primeiro festival internacional, também na Paraíba.

Meu computador voltou a funcionar, diminui a frequência do sexo, retomo as postagens no blog, app para controle financeiro no tablet. Não propalo ano novo, vida nova, pois desacredito em novidades. Reafirmo que não sou um homem de novidades. Nasci para o ofício cotidiano. Mesmo sendo ator, me aproximo de Sísifo quase em gênero, quase em número e quase em grau.

E depois de 46 anos, continuo a me surpreender. Queixume? Talvez desgaste das articulações. Vou me azeitar. Feliz 2015 para mim!

domingo, 26 de julho de 2015

Conversa sobre pequenos prazeres


Tem certas coisas que me dão um prazer singular. Meu pai confeccionou nossa mesa de jantar; meu permanente contato com ela, por motivos óbvios, promove um vaivém de prazeres que se manifestam, pela beleza estética do móvel, pela história contida na confecção, pela lembrança da afetividade truculenta do sujeito; prazeres. Subo para o teatro e me deito nas tábuas onde passeiam o pai, o filho, o ser humano, o ser alado; deitado, penso, me espreguiço, rabisco, rabujo, me levanto, martelo, torno a me deitar, me deixo; prazeres. Preparar o jantar para a Katia, um vinho um beijo um queijo. Prazeres ínfimos, íntimos, despretensiosos. Escrevo uma página do romance, leio uma do livro, fabulo a justificativa do projeto, olho para o nada e me abarroto de tudo. Prazeres. A saborosa atmosfera criada quando um ensaio é bom, a cumplicidade do olhar, a completude de encenar. O amigo que aparece, um licor, um cigarro, um soneto, um abraço, um afeto. Cuidar das plantas, dormir até meio-dia.  Amanhecer, mesmo que entardeça, e escolher na estante em qual das cuias vou preparar o mate – ato de lembranças, pessoas, momentos, encontros; prazeres. Olhar para o Ulysses na estante e desprezar suas mil páginas, sabendo que ele é obrigado a me esperar. Ser o anfitrião, soltar um palavrão. Ouvir o sussurrar do colibri que insiste em procurar a flor mais difícil, aquela que se encontra no nosso pátio, no baixo de doze metros de paredes; prazeres. Não fazer nada; não ir à praia, mais saber que ela está lá. A chegada inesperada do livro comprado pela internet. Ouvir algumas pessoas me chamar pelo redutivo do meu nome, Marce, e ressurgir, sem que fosse planejada, uma prática comum da minha primeira infância. Conversar. Ouvir tango. Escolher o formato de um novo diário de montagem, catalogar ideias. A companhia de Gatita; o carro na estrada; o silêncio da madrugada; sorver o vinagre que sobra da salada; prazeres. Como o de escrever em um blog o sentido de todas as coisas que não fazem o menor sentido... Não falo de arrebatamento, de euforia, de assalto. Falo de pequenos prazeres. Fosse assim o dia derradeiro, morreria feliz.   

domingo, 19 de julho de 2015

Réquiem para os possessos


Dia 29 de novembro de 2015 iniciaremos o processo de montagem do espetáculo comemorativo aos dez anos de existência da Pequena Companhia de Teatro. Nesse mesmo dia, em 2005, estreávamos o espetáculo O Acompanhamento, de Carlos Gorostiza, que deu origem à nossa companhia. A data de estreia da nova encenação será dia 11 de julho de 2016. Nesse mesmo dia, em 2006, a Pequena Companhia de Teatro recebia seu certificado de pessoa jurídica.

Diferentemente de tudo o que fizemos até hoje, o ponto de partida para a pesquisa do novo espetáculo será a estrutura cenográfica de O Acompanhamento, que servirá, dez anos depois, de suporte investigativo, não para a remontagem do espetáculo, e sim para uma nova encenação, que ainda não possui elenco, nem texto, nem concepção, nem quase nada. Minto, depois de muita negociação de direito autoral, temos também o título do espetáculo: Réquiem para os possessos.

Claro que o título é provisório, tendo em vista que não sabemos nem do que tratará o espetáculo; tão provisório como muitos outros títulos de espetáculos que montamos e que, por afinidade, permaneceram, mesmo a contragosto da cena. O título era o de uma montagem que jamais veio à luz, dirigida por Gilberto Freire de Santana e que Cláudio Marconcine chegou a ensaiar. Nunca li o texto, nem vi ensaios, porém, como sempre achei o título magnífico, aproveito a ausência de tudo para poder usar um título do nada.

Será de onde partiremos: uma estrutura cenográfica e um título. Nossa matéria-prima humana para tal, conta, inicialmente, com dois atores (Cláudio e Jorge), uma não atriz (Katia) e um ex-ator (eu). Nossa matéria prima estética será uma estrutura que nunca saiu do Maranhão e, por falta de cnpjotismos da época, nunca participou de editais, virais, festivais, murais ou jornais fora do estado, mas que foi premiada como instalação no 2º Salão de Artes Visuais de São Luís.

A mudança de paradigma também afetará (imagino) nosso procedimento metodológico, e, apesar de mantermos a construção através do Quadro de Antagônicos, sabemos que essa metodologia também sofrerá transformações, e será uma oportunidade ímpar para problematizá-la.

Também não conhecemos nossos colaboradores. Diferentemente das encenações anteriores, como ainda não temos nem a temática, nossa discussão se dará na construção desses dizeres, e fatalmente, na necessidade de incorporar colaboradores-outros, que não os sempre-membros-da-pequena, ou não.

Tampouco temos recursos para a montagem, assim como não tínhamos quando da montagem de O Acompanhamento; fato que não nos gera maiores preocupações pelo avanço das tecnologias teatrais que fomos desenvolvendo no decorrer dessa década, fruto de importante pesquisa estética com significante otimização de custos.

Como de costume, o blog é o portador das nossas premissas e promessas, e aqui deposito o que sabemos, o que não sabemos, e os riscos que corremos. Tudo é embrião. A Pequena Companhia de Teatro comemora o seu nono aniversário com o espectro de uma programação para o decênio que se finda. Oxalá!

Post scriptum: Clique aqui para ver um ensaio fotográfico inédito da montagem do cenário, realizado por André Lucap, em 2005.

Por André Lucap, em 2005.

 

domingo, 12 de julho de 2015

Arte e sistema: uma difícil equação


Após um semestre burocrático, envolvidos em produção de planos, inscrição em festivais, aprovação de dois projetos no SALIC, catalogação de acervo, adequação de arquivo, e outros tantos males necessários para o desenvolvimento da Pequena Companhia de Teatro, eis que retomaremos nossas atividades artísticas a partir da ocupação do Centro Cultural Banco do Nordeste de Sousa/PB.

Sim, perdemos (ou ganhamos) um semestre cuidando de burocracia. Semestre atípico, mas necessário. A pluralidade e diversidade das nossas atividades impossibilitam que a Katia (nossa produtora) seja a única responsável por esses afazeres. Com isso, um tempo criativo valioso é despedido para que a máquina funcione. Por incrível que pareça, não me desagradam essas ocupações – fugindo do imaginário de que artistas são arredios a papeladas, mas não morro de amores por elas.

(Abro um parêntese para falar de um comentário sobre a minha postagem Lei Rouanet ou a diferente lógica de um artista, quando uma leitora carioca dizia não concordar que a gente fizesse de tudo, não aceitar que cada um dos membros da Pequena Companhia de Teatro tivesse várias funções, que isso não era bom porque desvalorizava o artista, que melhor seria se cada um de nós exercesse apenas uma função, que, que, que. Percebe-se que o sudeste não conhece o “resto” do Brasil, e arremato: ninguém conhece a realidade de uma companhia de teatro maranhense a não ser uma companhia de teatro maranhense. Fecho o parêntese pedindo o seu esforço para reatar o fio da meada.).

O que levanto aqui é a necessidade de projetar, a importância de programar, mas, principalmente, o fundamental que é desenvolver uma visão estratégica para além do horizonte cercano, como já falei aqui. Como artistas que somos, precisamos entender nosso entorno, para podermos projetar uma vida de arte em um mundo em que a arte não faz parte da vida.

Esse paradigma exige de nós um olhar menos romantizado (difícil para um romântico inveterado como eu) pelo menos por um quarto do ano produtivo. Afastar-se da cena, do poema, do cinema, do fonema, e ocupar-se do problema, do dilema, da Caema, do esquema; porque ninguém pode entender o que queremos com o nosso fazer artístico a não ser nós mesmos. Digo, não podemos repassar nosso futuro artístico para um tecnocrata, sob pena de encontrarmo-nos na jaula de um leão, com um banquinho e um açoite, sem ter feito a “oficina” de adestração.

Mas como dimensionar tempo artístico e tempo técnico? Como saber se não deixei de ser artista e nem percebi? Como escapar da ardilosa armadilha burocrática sem arranhões?

Penso (apesar de saber que, como diria João Grilo, todo penso é torto) que a arte não se esmaga. O artista não se rende. O sistema jamais conseguirá vergar um artista de verdade. Se a vida lhe tragou, você jamais foi artista. Se você teve que largar a arte para cuidar da produção, sua vida sempre foi produzir, e isso não é demérito, é reconhecimento. Mas, se você é artista e tem que ralar para conseguir fazer sua arte acontecer, não se aflija, você poderá penar, se lascar, se endividar, se rejuntar, mas o artista permanecerá intacto, pese ao esforço do sistema em aniquilar sua arte. Não vejo como possível o esvaziamento artístico em prol de um atarefamento burocrático. No momento exato o artista explode, retoma, inicia, professa.  Se você é artista e teme estar cambaleando pela roleta do sistema, insisto: não se aflija. O impulso artístico organiza isso para você. Do contrário, sinta-se livre, você nunca foi artista.

domingo, 5 de julho de 2015

O poder do repertório


O maior patrimônio de um grupo de teatro é o seu repertório. Ele multiplica, triplica, quadruplica o alcance das suas ações, dependendo do óbvio cálculo matemático, se um, dois, três, ou quatro espetáculos compõem o seu capital cênico.

Ano passado, enquanto estávamos na XVI Mostra SESC Cariri de Cultura, com “Pai & Filho”, o cenário de “Velhos caem do céu como canivetes” viajava para o 9º FENTEPIRA – Festival Nacional de Teatro de Piracicaba. A MITPB – Mostra Internacional de Teatro Paraíba em Cena exclui espetáculos que tenhas se apresentado no estado da Paraíba: impossibilidade para “Pai & Filho”, que ocupará o Centro Cultural BNB de Sousa/PB, em agosto, mas livre para “Velhos caem do céu como canivetes”, que participará da mostra em outubro. Et cætera.

Também, do seu repertório, surgem novas atividades formativas demandadas pelas necessidades apresentadas na construção de uma nova encenação, mesmo que a metodologia seja a mesma, pois, um novo espetáculo não se enquadra, não se enjaula, não se prende; algo novo sempre nos toma de assalto.

Palestras, oficinas, vivencias, workshops, são frutos de uma nova experiência cênica, e enlanguescem a emissão de conteúdo provindo da encenação em questão, despertando novos interesses, diferentes olhares e maior particularidade no aprofundamento de suas reflexões.

Essa pluralidade potencializa o retorno econômico, fundamental para a manutenção de uma pesquisa teatral continuada, sem a necessidade de dispersar tempo criativo com outras ocupações profissionais, tão comuns aos fazedores de teatro do Maranhão.

A gênese da solução para evitar essa equação adversa é investir no repertório. Claro que, para capitalizar esse retorno, a necessidade do grupo conter elenco estável é basilar. Também, a qualidade, versatilidade e pluralidade desse elenco. Sem um mínimo de dois desses atributos não vejo possibilidade de capitalização.

O difícil é manter o foco, não desviar a atenção, não se seduzir por resultados imediatos, não ceder a pressões externas, avaliar a empolgação, analisar se decisões intempestivas ou entusiasmadas tomadas hoje não comprometem o desenvolvimento do coletivo amanhã.

Foram as nossas decisões no decorrer dos últimos dez anos, focada nesse princípio básico, que possibilitaram a sobrevivência e subsistência dos membros da Pequena Companhia de Teatro até hoje. Não fosse assim, seria impossível ter resistido a anos de crise como o de 2009, com sua fatídica conjuntura político-financeira.