domingo, 21 de junho de 2015

Dialética patética


Faço um convite à reflexão. O Brasil se tornou um país de gritos, destemperos e boçalidades. Nós, cidadãos, perdemos a noção de civilidade e a função da cordialidade. Reflexão, argumentação, diálogo, são palavras extirpadas do dicionário cotidiano, e é o histerismo a única alternativa para nos livrar do anonimato. Como cidadão mediano, por vezes medíocre, preciso me alçar além da média, mesmo que seja através da brutalidade de uma pisada. Antes de ler, escrevo! Antes de ouvir, grito! Antes de pensar, ajo! Com esse comportamento revolu(rea)cionário busco a luz, mesmo que seja a de um trem vindo em minha direção. Meu canhestro propósito é aparecer, custe o que custar, e se me levar ao programa homônimo, tanto melhor. Se me render curtidas, aperto a ferida com mais força. Se não render, busco outro mote, outro pote, outro bote. A beleza está no olhar dos outros sobre mim, e não no olhar dos outros sobre o que vejo. Dialética patética é a que busca a síntese atropelando a tese e a antítese. Mediocrizado, vomito para todos os lados e atiro para os alvos e grito para todos os surdos, como eu. Homofobia, maioridade penal, Neymar, cota, cor e a PEC que o pariu, não importa, lá estou eu bufando, arfando, grunhindo, socando. Não discorro, atropelo. Não dialogo, duelo. Bruto, entorpecido, apostemado pela luxuriosa necessidade de aparecer, aponto o indicador como uma arma que defendo precisar para poder me defender. Pendo da direita para a esquerda qual metrônomo descompassado. Oscilo, vacilo, sem me importar em parecer Cirilo. Com Deus, sem Deus, com cruz, sem Crush, nem Fanta ou Jesus, vou atacando meu interlocutor qual gladiador enfurecido, ao som dos urros que incitam e dos olhos que contemplam a técnica da minha última punhalada. Quando eu vejo a coisa, não avalio a coisa. Não tento entender a coisa. Não analiso a coisa. Penso na coisa como minha inimiga, e o quão nefasta pode ser, se enfocada sobre o meu ponto de vista. Perdido o tempo, eu abandono a coisa, porque a coisa já não é tão coisa quanto eu preciso que seja, e, sedento, vou à busca de outra coisa que me possibilite rezingar. E assim passo as horas. Os dias. Os meses, os anos. Sentado em meus cristalizados conceitos, amarrado aos meus inseparáveis lamentos, alheio à construção do novo, porque o novo se faz andando, fazendo, e eu não me levanto para que não me surpreenda o desejo de caminhar. Não faço nada que esteja além do alcance da minha boca e dos meus dedos. Não doo sangue, não varro a calçada, não espero o sinal, não sou voluntário, nem atalho, nem galho, nem espantalho. Sou a falência da ação, a inércia por inteiro, outra voz do berreiro brasileiro.

5 comentários:

Eduarda Saraiva disse...

Sabe quando você tem um incômodo, uma afetação, uma coisa que vem lá do inconsciente chegando quase à consciência mas aí ele estanca..para...e lá fica..em cima do muro. Você a percebe, você já até parou, e pensou, pensou porquê percebeu, mas então você se depara com algo, um gesto, palavra, um texto, uma reflexão que é como o que te faltava pra arrastar aquele fiapo que ficou outrora preso e você pensa: era exatamente isso...eram essas as palavras! É tipo música que você escuta e questiona o universo como alguém pôde te escrever, escrever teus sentimentos e tuas histórias sem nem ao menos saber que você existe. Esse texto foi BEM isso, é a forma que consigo colocar neste momento, e me identificar, me ver estampada nestas frases, e o meu próprio desgosto por deparar-me com tudo isso mais do que eu gostaria, se é que um dia já gostei, é assumir que também me reconheço como surda no meio de outros os quais não estarão preocupados por me ouvir, mas para dar lugar ao brilho de suas fundamentalizações num espaço em que o máximo de outros surdos e cegos possam ou apoiar a mesma reza e dizer "amém" ou simplesmente começar uma nova batalha, todos lutam, ninguém vence, onde eu tento mostrar ao outro a invalidez de seus argumentos e ele preparado, munido, reaciona contra mim e eu a ele...não podemos nunca chegar um momento e dizer: vendo por este lado, talvez seja justo, acho que concordo..
Não..se me encontro emparedada, alimento minha ignorância, luto mesmo sem saber como tapar o vácuo da falta de argumento, e aumento algumas verdades, e fujo, desnorteio, e se identificada a minha falácia pelo outro, neste momento me força um parecer de verdade, e já tão perdida pela vaidade do sofisma, de verdade falta o alimento, não o tenho.
Não há vencedores, nem rainha, nem barão, e o rei, não mora na barriga, mora na mente, na boca e nos dedos de quem se esconde atrás de uma imagem genérica, não há nem licenciado na arte do argumentar, só há escravos, de seus próprios pontos de vista, só há o orgulho que grita, que não limpa o que vomita, corre atrás da próxima briga, limitado por ismos não se limita a silenciar. Já pensou ? Talvez só por deixar-se ouvir, ficar mudo, para não deixar-ser de novo ser surdo. Abrir-se, ceder a vez...
Mas quem conhece esse mundo?

Marcelo Flecha disse...

Obrigado por aceitar o convite à reflexão, Eduarda! Apareça mais!

Anônimo disse...

Tu e tua mania de ampliar meu vocabulário e tornar meu domingo reflexivo.

Marcelo Flecha disse...

Fofa! (Sou pré-fitness. Do tempo em que esse adjetivo era uma coisa carinhosa.)

Tita Virgílio disse...

Sei não, mas suspeito que contradição é a matéria da qual somos feitos... Só suspeito!