domingo, 22 de março de 2015

Divagações de uma mente sem lembranças

"Eles passarão... Eu passarinho!"
Hoje, dia 22 de março, faz 37 anos da morte de Peregrina Jacinta Villani, minha mãe. Atendia pela alcunha de Pele, mamá, tia, dependendo de quem lhe fizesse o chamado. Como eu tinha dez anos na época, tudo o que advém da tentativa de escrever a respeito dela, não passa de memórias ficcionais, lembranças inventadas, sensações. Em uma dessas recordações construídas vejo minha mãe brincando de telequete com seus três filhos; vejo a tampa do saleiro soltando da sua mão e salgando o macarrão no acampamento; vejo seu desespero ao abrigar dois dos seus filhos em um toró fenomenal; vejo roupas costuradas, pratos servidos, banhos dados, fardas passadas, carões e gargalhadas. No mesmo lampejo de ficção, vejo a semelhança entre minha mãe e Katia, quando a gargalhada se transforma em ataque de riso e, rindo sem parar, uma mistura de gaitadas, lágrimas e urina consegue contagiar o mais amargo dos seres.

Sou diretor de teatro, coisa que minha mãe jamais imaginaria. Se estivesse viva, não creio que meu caminho fosse esse, mas costumo idealizar que dela herdei a sensibilidade artística, tendo em vista que meu pai é um homem mais pragmático. Ela morreu muito cedo, com 36 anos, mais ou menos a idade que eu tinha quando fundamos a Pequena Companhia de Teatro. Penso no que ela sonhou e não realizou. É como se tudo o que eu vivi de lá para cá fosse o sonho de uma vida não vivida. Talvez por isso eu tenha vivido a vida até aqui com a maior intensidade possível, por suspeitar que somente este seja o principal mandamento da natureza humana. O que fazemos, o que sentimos, o que vivemos. A efemeridade do teatro é a efemeridade da vida, e a única maneira de marcar nossa passagem é vivendo, prazerosamente. O resto é desejo ególatra de transcendência. Pois, como tudo passa, passaremos.

5 comentários:

Anônimo disse...

O desejo e o egocentrismo estão sempre presentes na imanência e na transcendência. Ou seja, o desejo ególatra de transcendia é o mesmo desejo ególatra de vida. Beijo

Anônimo disse...

*transcendência. :]

Alessandra Teixeira disse...

O maior mandamento é ser feliz, então acredito que acertaste ao escolher o caminho. Ela aplaudiria...

Anônimo disse...

Desculpa a insensatez do primeiro comentário. Era eu sendo o idiota insensível que sou. Saudade não passa. Um dia o mundo sentirá saudade do mundo, saudade até da saudade. Um beijo, meu amigo. És quase como um pai para mim, no teatro, na cultura e na vida. Bjo

Marcelo Flecha disse...

E o que foi que aconteceu, André? Não termino de entender o primeiro comentário e você já o desfaz com um segundo? Assim você queima minha cabeça! Tenha piedade de mim! (Risos) saudades!