domingo, 29 de março de 2015

Pequena Mostra de Teatro

 

Temos o desejo de criar um encontro teatral de caráter intimista, que selecione sete companhias brasileiras para uma vivência de uma semana, envolvendo apresentações de espetáculos, atividades formativas, debates após as apresentações, celebração, produção escrita de críticas e conteúdos teóricos, permuta de livros e materiais relacionados, e um fórum informal de discussão permanente.

O eixo curatorial da mostra seria o diálogo entre a experiência cênica selecionada e a particularidade do espaço cênico disponibilizado, a sede da Pequena Companhia de Teatro – um prédio de três pavimentos localizado no centro histórico de São Luís. A particularidade se daria pelo fato da sede oferecer, além de uma sala multiuso, com capacidade entre 50 e 100 espectadores (dependendo da configuração da encenação), diversos outros espaços: um pátio, um salão colonial, uma residência, um banheiro de 21m², um amplo camarim, uma varanda, onze sacadas, escadaria etc.

A ideia seria apresentar para a comunidade uma mostra orgânica, onde a espacialidade e o espetáculo estivessem em harmonia, dando ao espectador aquela sensação de que o espetáculo só poderia ser encenado ali; como se a mostra e o espaço respirassem juntos, tornando nossa sede um ponto de congruência de criatividade, reflexão, intercâmbio e prazer.

Outra particularidade da mostra seria a permanência das sete companhias durante todo o evento. Na busca de recuperar o diálogo e o intercâmbio que foram perdidos na maioria dos festivais e mostras de teatro da atualidade – afirmação sustentada nos mais de quarenta eventos que participamos nos últimos anos –, a proposta seria que os artistas permanecessem em constante contato, formatando um Fórum Informal de Discussão Permanente, sem horário ou tema fixo – principal atividade de produção de reflexão, promovida pelos provocadores, que poderiam ser os membros da Pequena Companhia de Teatro ou convidados.

Como eu disse, é só um desejo, uma ideia. Normalmente buscamos fazer que a ideia, mesmo embrionária, seja bem organizada, porque nunca se sabe o momento em que a vida vai nos demandar o próximo projeto. Nossa persistência caminha no ideário de extrair, do prazer do nosso fazer, o nosso sustento, e para isso, brincamos de imaginar o que gostaríamos de fazer. Esprememos nosso juízo buscando as opções que o teatro nos oferece, tentando estabelecer uma visão estratégica que garanta o nosso sonho. Às vezes nos falta o mecenas. Alguém se habilita?

domingo, 22 de março de 2015

Divagações de uma mente sem lembranças

"Eles passarão... Eu passarinho!"
Hoje, dia 22 de março, faz 37 anos da morte de Peregrina Jacinta Villani, minha mãe. Atendia pela alcunha de Pele, mamá, tia, dependendo de quem lhe fizesse o chamado. Como eu tinha dez anos na época, tudo o que advém da tentativa de escrever a respeito dela, não passa de memórias ficcionais, lembranças inventadas, sensações. Em uma dessas recordações construídas vejo minha mãe brincando de telequete com seus três filhos; vejo a tampa do saleiro soltando da sua mão e salgando o macarrão no acampamento; vejo seu desespero ao abrigar dois dos seus filhos em um toró fenomenal; vejo roupas costuradas, pratos servidos, banhos dados, fardas passadas, carões e gargalhadas. No mesmo lampejo de ficção, vejo a semelhança entre minha mãe e Katia, quando a gargalhada se transforma em ataque de riso e, rindo sem parar, uma mistura de gaitadas, lágrimas e urina consegue contagiar o mais amargo dos seres.

Sou diretor de teatro, coisa que minha mãe jamais imaginaria. Se estivesse viva, não creio que meu caminho fosse esse, mas costumo idealizar que dela herdei a sensibilidade artística, tendo em vista que meu pai é um homem mais pragmático. Ela morreu muito cedo, com 36 anos, mais ou menos a idade que eu tinha quando fundamos a Pequena Companhia de Teatro. Penso no que ela sonhou e não realizou. É como se tudo o que eu vivi de lá para cá fosse o sonho de uma vida não vivida. Talvez por isso eu tenha vivido a vida até aqui com a maior intensidade possível, por suspeitar que somente este seja o principal mandamento da natureza humana. O que fazemos, o que sentimos, o que vivemos. A efemeridade do teatro é a efemeridade da vida, e a única maneira de marcar nossa passagem é vivendo, prazerosamente. O resto é desejo ególatra de transcendência. Pois, como tudo passa, passaremos.

domingo, 15 de março de 2015

A inauguração da não postagem


Hoje eu queria escrever para os que têm fome. Os desprovidos. Os sem celular, sem internet, sem pizza de domingo, sem TV, cabo, parabólica, para-raios. Hoje queria escrever para os sem teatro, sem cinema, sem circo, sem som, sem poema. Os sem teto, sem casa, sem palhoça, sem barraca. Os sem fazenda, tenda, vivenda, vidraça. Hoje queria escrever para os sem voz. Os mudos que gritam para ouvidos moucos. Hoje queria escrever para os que não sabem ler, e ler, para cada um deles o que agora escrevo. Analfabetos, destituídos, despidos. Sem roupa, sem shampoo, sem shopping, sem chá de boldo, sem cartões de débito, sem crédito, crediário, balneário. Os sem carro sem carroça sem Carrefour. Hoje queria escrever para os sós, os solitários, os abandonados, os largados, os excluídos, os invisíveis. Os anoréxicos compulsórios, os jejuadores de nascença. Os sem berço, os sem bolso. Os sem estirpe, linhagem, origem. Os sem nome, sobrenome, codinome. Escrever para os que só têm algo quando sobra. Os sem bandeira, os sem panela, os sem domingo, os sem feriado, os sem férias, os sem feira. Os sem beijo de boa noite, os sem caminha limpinha e quente, os sem dentes. Os sem passado, sem presente, sem futuro. Os sem pão duro. Escrever para os pobres, os miseráveis, os indigentes. Os sem saúde, sem samba, sem túmulo. Os sem mundo. Hoje queria escrever para eles, mesmo sabendo que nenhum lerá esta postagem.

domingo, 1 de março de 2015

A velada virtude da insignificância


A sede da Pequena Companhia de Teatro é um bem privado de usufruto público. Como tal, apresenta ações concretas para a construção de uma política cultural pública que deveria ser responsabilidade do estado. Em 2014, por aqui passaram mais de mil pessoas, entre espectadores, visitantes e participantes de oficinas teatrais e literárias, debates, aula-espetáculo, seminário, reuniões, jantares; todas atividades de acesso gratuito. Para a manutenção dessas ações, que se estendeu durante todo o ano, o poder público investiu menos de três mil reais – valor oriundo da esfera federal. Sabemos que se o espaço fosse um bem público, o valor gasto para a manutenção das mesmas atividades seria estratosférico. O aporte previsto para manter as mesmas atividades em 2015 é de zero real, ainda assim, elas acontecerão, com maior ou menor frequência, dependendo do desejo do interlocutor – espectador atento ou discente ávido. A omissão do estado na construção de politicas públicas eficientes onera o cidadão, que acaba exercendo uma função que deveria ser exclusividade do poder público. Dou um exemplo: nosso eixo curatorial, guiado pela própria produção artística da companhia, oferece um recorte do fazer teatral ancorado na pesquisa. Além de companhias locais que dialoguem com esse recorte, em 2015 provavelmente passarão por aqui o Coletivo Alfenim, A Cia. A Mascara de Teatro, O Grupo Magiluth, a Cia Tabu, etc. Se você quiser fruir desse recorte, você sabe onde encontrar. Ao oferecer um espaço e um calendário para uma forma específica de fazer teatral, a Pequena Companhia de Teatro está criticando a falta de uma política cultural pública eficiente e colaborando para a formação do cidadão capaz de reivindicá-la. Todas as nossas ações são políticas. Oferecer formação é uma forma de revolucionar; o discurso teatral é uma forma de protesto; democratizar o acesso a um bem cultural é uma forma de reivindicação; viver de teatro é uma forma de se posicionar politicamente – você não lembra, mas já tratei disso aqui.  O curioso é que a ausência do estado – falo agora das esferas municipal e estadual – não se dá pela falta de apoio, e sim, no total desconhecimento da existência dessas ações. Os governos municipal e estadual não fazem a menor ideia do que seja uma pequena companhia de teatro. Nunca souberam. Por isso creio que alguns gritos são mudos. Já que somos invisíveis, nossa reivindicação se dá através da ação; fazendo, ininterruptamente, aos trancos e barrancos, como nos últimos dez anos. Quem sabe, um dia, o poder enxergue, e faça seu trabalho, educando. A educação é a única forma de outorgar o poder ao povo.