sexta-feira, 30 de maio de 2014

V(ai)(er)dades e mentiras


Para compreendermos as coisas, estabelecemos parâmetros de comparação. Em nossa sociedade tudo é dual; forças antagônicas que nos fazem posicionar entre pois pontos equidistantes: bem e mal; claro e escuro; vida e morte; verdade e mentira.

O teatro envolve a ambos. É ficção, mas espelha sua diegese, suas dramaturgias, na realidade; tem que ser verossímil. 

Alguém disse uma vez que as verdades são ditas quando as pessoas que as ouvem, estão dispostas a ouvi-las. Traduzo como maturidade, a ponto de saber ouvir o que não se quer ouvir. O Teatro caminha por aí em duas vertentes, acho. Uma delas é sua forma e conteúdo que atraem ou repelem o espectador. Gostar ou não gostar tem a ver com esse princípio: não se convencem de que era uma verdade; não a compram como tal. Uma história mal contada. Uma mentira. Comumente queremos ouvir verdades; convencionou-se que as mentiras fazem mal. Então, mentir é ruim e não mentir é bom. E quando mentimos para nós mesmos quando comentamos sobre algo que achamos bom, sendo que achamos ruim? Mentiras contadas permanentemente, acabam se transformando em verdades. Daí minha conclusão que quando mentimos para os outros, também mentimos para nós mesmos. A necessidade de verdade no teatro não se restringe aos que estão em cena, mas também aos que espectam. A maturidade necessária para se ouvir a verdade é alicerce para o fortalecimento do movimento teatral num dado espaço e tempo. Quem faz teatro precisa ser criticado, precisa querer ouvir. Quem vê teatro precisa criticar, precisa ser autêntico e menos apaziguador. 

Desistir também é uma alternativa.

domingo, 25 de maio de 2014

O prazer de ser autônomo

Hoje acordei às 6h10 da manhã – os poucos que conhecem minha rotina sabem o quanto isso é improvável. Levantei e fui trabalhar. De casa ao trabalho são dois lances de escadas, para cima ou para baixo. Trabalhei. Quando o relógio mecânico marcava 8h20, o biológico anunciou que o meu sono voltara. Fiz o trajeto de vinda e voltei para a cama. Simples assim. Não há nada mais delicioso que a autonomia de trabalhar, acordar, comer, namorar, dormir, correr, em qualquer ordem, hora ou dia. Foi a arte que me proporcionou esse privilégio. O teatro. Enquanto fazia algo do que fiz enquanto acordado, pensava no quão romântico continuo sendo. Faço teatro porque gosto. A única motivação que me levou a traçar a minha trajetória foi gostar de fazer o que faço. Se em algum momento da vida tivesse pensado em sobrevivência, o teatro teria me largado. Irresponsavelmente, nunca pensei no que é necessário para viver: livros, comida, água, roupa, luz, telefone, yerba, internet. Tudo sempre veio a reboque de um desejo, de uma vontade, de uma necessidade de expressão que só encontrava guarida no teatro. Irresponsavelmente romântico. Nem o tempo, que promove aquele implacável vergamento do ser, fazendo-o observar atento o chão que pisa sem poder alçar o voo libertário em busca do céu, conseguiu aplacar essa irresponsabilidade. Um romântico irresponsável. Um homem nessa condição não tem direito de protestar – se esse homem só enxerga seu umbigo e não vê a miséria que o circunda. A propósito, Velhos caem do céu como canivetes trata dessa miséria que você finge não ver. Não quer dar pelo menos uma espiadinha? Segunda-feira tem apresentação, às 19h, em uma Pequena Companhia de Teatro perto de você – e bem mais perto de mim.

P.S.: E antes que algum gaiato venha contestar qualquer coisa que eu tenha dito ou contradito, não se esqueçam do principal: eu sou uma ficção.

São Luís, 23.05.2014 – 13h10



sexta-feira, 23 de maio de 2014

Segundas-feiras


17h30 - Chegada na sede da Pequena Companhia de Teatro. 
  • [Tenho oscilado esse horário. Comumente chego antes para verificar elementos de cena, limpar as cadeiras]


17h45 - Início do alongamento individual e da passada de texto com o Jorge C. 
  • [Ficamos no fundo do cenário, entre a coluna e as pernas. Diferentemente de Pai & Filho, cada um segue um alongamento particular, de acordo com as exigências da personagem e do corpo do ator]


18h - Início do aquecimento, utilizando o Quadro de Antagônicos para tal. A passada de texto continua.
  • [A minha ordem, comumente, é: velocidade/dilatação/retração/agilidade/dureza/máximo/mínimo/gueixa-feminino/samurai-masculino/leveza/peso/tensão/velocidade]


18h15 - Figurino e maquiagem.
  • [Os atores fazem suas próprias caracterizações. Jorge C. me ajuda com a maquiagem das costas e eu o ajudo colocando as asas. Um dia uma delas caiu. eu quis a morte! Percebemos depois que não era minha culpa, minha máxima culpa, mas sim da fita que perdera parte de suas propriedades de aderência]


18h40 - Como uma ou duas maçãs.
  • [Em Pai & Filho comecei a criar o hábito de fazer gargarejo com água morna, vinagre e sal. Um equívoco de minha parte. Sensação de ressecamento das pregas vocais. Depois, mudei para as maçãs. São adstringentes. As massudas não funcionam bem. Mas, quando não tem maçã, o espetáculo acontece assim mesmo. Somos cerimoniosos, mas nem tanto]


18h45 - Origem da personagem.
  • [Há oscilação no horário para a origem. Depende de muitos fatores. Esperamos o contato de Marcelo F. Iniciamos na primeira batida de Molière. Essa origem é para fazer com que o corpo relembre a forma da personagem, a partir dos antagônicos escolhidos por cada um dos atores. Esse procedimento é repetido igualmente antes de cada apresentação. No meu caso: de pé, fecho os olhos, inspiro e expiro 10 vezes, como se meu corpo estivesse buscando um relaxamento proveniente do cansaço exaustivo do corpo. Na última expiração, elevo meus braços acima da cabeça e na última inspiração deixo-as cair em direção ao chão, juntamente com meu tronco. Ainda de olhos fechados, começo a flexionar meu joelhos tentando elevar meu tronco à posição inicial, mas com uma certa dificuldade, proveniente da fraqueza sentida pelo corpo. Com o tronco elevado, já se estabelece um certo equilíbrio precário decorrente da curvatura da coluna, não muito projetada. A cabeça gira 360º para a esquerda e para a direita. A máscara já começa a se consolidar. A coluna um pouco mais curvada. Dou 10 pulos com uma força mínima a ponto de não conseguir retirar ambos os pés do chão. Abro os olhos. Inclino-me para a direita, elevando o pé esquerdo do chão. Uma força mínima e um mínimo de equilíbrio torna essa ação mais efetiva para que o corpo perceba sua fragilidade. Para mim funciona como uma espécie de termômetro. Repito para o outro lado. Pronto, agora posso andar. Ando pelo banheiro compartilhando o espaço com Jorge C. Começo a oralizar parte do texto. Algumas falas se repetem nesse procedimento: "Cobre teu corpo..."; "Meu pai os arrancou..."; "Estou brincando...". Agacho-me de duas a três vezes, repetindo formalizações de cenas do espetáculo. Entre a segunda batida e a terceira, bebo um copo com água previamente deixado sobre a pia. Ressono um pouco mais. Quando ouço a terceira batida, apago as luzes, Jorge C. abre a porta. Saímos e eu a fecho. Ficamos atrás do galinheiro esperando a sonoplastia. Jorge C. vai para a sua marca. Eu continuo, por detrás da coluna, ressonando e andando de um lado para o outro, até o momento de ir à minha marca.


19h - Início do espetáculo.

20h - Término do espetáculo.
  • [Em algum momento volto para casa. Tem noites que feliz, tem noites que triste, tem noite que pensativo. Algumas sensações não são compartilhadas. Há uma necessidade de amadurecimento do sentir, do pensar, a partir da execução a obra. Hoje, as noites de segunda têm estado mais interessantes - como as de quarta-feira. Restam-me alguns dias na semana para eu preenchê-los com arte, com desejo, com ternura]

sexta-feira, 16 de maio de 2014

E como é?

Foto de Gilberto Freire
Ah, os sonhos... Quem não os têm? 

Sonhei que queria trabalhar em algo que me desse prazer, se contrapondo à maioria das pessoas que buscam, através do consumo, o motivo para o labor: dinheiro, casa, carro, viagens. Que caminho é esse que escolhemos querendo ser felizes para o resto da vida? Que felicidade é essa que nos faz sucumbir ao cotidiano ou a necessidade de se agitar, executar ações, trabalhar para prover o sustento?

[apaga tudo]

Acordei, como todo os dias. Vontade de ficar em casa. Pensei, por alguns instantes, que precisava me levantar da cama, fazer o que comumente faço e sair de casa, me exercitar. Pensei na virtualidade das redes sociais, no filme Her, nas possibilidades dos equívocos praticados. Pensei muito. Não há porque chegar a conclusões, e hoje é sexta, não quinta. Sou brasileiro, final de semana, descanso.

[reescreva algo]

Editais para ler, projetos para escrever, postagem para redigir. Demandas. Comida no fogo, ração na tigela. 

Professor, ator, animador de festas, palhaço de frente de loja. Alugo meu tempo. 

[ouça mais música, diriam]

É viver lentamente cada momento, como se a vida não tivesse final garantido, e que as escolhas não foram gratuitas, e que a rotina não é rotina. 

O oxigênio se renova, a respiração, mesmo constante, oscila. 

[Ser ator?]


quarta-feira, 14 de maio de 2014

Maio e junho de 2014


MAIO

Dias 02 e 07, das 14 às 17h - O quê o meu corpo tem a dizer? (oficina).
Dia 05, às 19h - Velhos caem do céu como canivetes (espetáculo teatral).
Dias 08 e 09,  das 08 às 12h - Do épico ao dramático: a transposição de gênero como instrumento de confecção de dramaturgia (oficina).
Dia 12, às 19h - Velhos caem do céu como canivetes (espetáculo teatral).
Dias 17 e 18,  das 14 às 18h - Do épico ao dramático: a transposição de gênero como instrumento de confecção de dramaturgia (oficina).
Dia 19, às 19h - Velhos caem do céu como canivetes (espetáculo teatral).
Dias 20, 21 e 22, das 19 às 22h - O quê o meu corpo tem a dizer? (oficina).
Dias 21, 23 e 28, das 14 às 17h - O quê o meu corpo tem a dizer? (oficina).
Dias 24 e 25,  das 14 às 18h - Do épico ao dramático: a transposição de gênero como instrumento de confecção de dramaturgia (oficina).
Dia 26, às 19h - Velhos caem do céu como canivetes (espetáculo teatral).
Dias 27, 28 e 29, das 08 às 12h - O Quadro de Antagônicos como instrumento de treinamento para o ator (oficina).
Dias 27, 29 e 30, das 14 às 18h - O Quadro de Antagônicos como instrumento de treinamento para o ator (oficina).


JUNHO

Dia 02, às 19h - Velhos caem do céu como canivetes (espetáculo teatral).
Dias 03, 04 e 05, das 18h30 às 22h30 -  O Quadro de Antagônicos como instrumento de treinamento para o ator (oficina).
Dias 07 e 08, das 14 às 18h30 - O quê o meu corpo tem a dizer? (oficina).
Dia 09, às 19h - Velhos caem do céu como canivetes (espetáculo teatral).


IMPORTANTE:
Toda a programação ocorrerá na sede da Pequena Companhia de Teatro 
(Rua do Giz, 295, Centro Histórico).
A lotação está restrita a 45 (quarenta e cinco) lugares.
As atividades são gratuitas.
Para agendamento de grupos, gentileza entrar em contato antecipadamente.
Os interessados nas oficinas devem se inscrever antecipadamente aqui.
As dúvidas devem ser sanadas através dos contatos: pequenacompanhiadeteatro@hotmail.com / (98) 3232-6054 / 8133-2172 / 8771-7085.

terça-feira, 13 de maio de 2014

Novos ecos...

 
a desesperança no palco é espelho para a desesperança dentro, ao redor e fora da ilha, mergulhada numa ausência de planos, horizontes, luzes. o espetáculo 'velhos caem do céu como canivetes', que finalmente fomos ver ontem, é dessas experiências que vão com a gente para casa a nos fazer pensar, rever, ressignificar, repensar, reagir... a renúncia à ação, aos projetos, à vida. um deixar-se ficar com ou sem asas. a simbologia do voo atirada no lodo do mangue e da morte. e ao final, luzes acesas, a certeza de que é na arte que estão as asas que nos elevam e nos levam à ação, ao movimento... arte é vontade, desejo, fome de viver e ao mesmo tempo alimento. livremente inspirado no conto 'um senhor muito velho com umas asas enormes', de gabriel garcía márquez, o espetáculo apresenta em cena o grande teatro mínimo a que se dedica a pequena companhia de teatro. palmas para marcelo flecha, jorge choairy, cláudio marconcine e kátia lopes. permanece em cartaz até junho, às segundas-feiras, sempre às 19h, no casarão da companhia (rua do giz). 
Andréa Oliveira

Ontem fui ver o espetáculo “Velhos Caem do Céu como Canivetes” da Pequena Companhia de Teatro, sai de lá com a certeza de que estão no caminho certo, como trabalho com iluminação, vou tecer elogios para as excelentes soluções encontradas para os momentos, a sincronia perfeita , beleza e leveza das passadas das cenas, tudo num só ritmo, encanto-me ainda pela luz alternativa, a qual venho estudando ultimamente. Obrigado Marcelo Flecha por esse momento, aos atores Claudio Marconcine e Jorge Choairy estão excelentes e a produtora Kátia Lopes que nos recebe como sempre, muito bem. A Pequena Companhia de Teatro merece tudo, que venham mais prêmios e outros incentivos. Aplausos.
Julio Cesar da Hora
 
VELHOS CAEM DO CÉU COMO CANIVETES

Este é o título do espetáculo teatral em cartaz na sede da Pequena Companhia de Teatro, situada na Rua do Giz, quase X com a escola de Música Lilah Lisboa, no centro da cidade (o endereço completo publicarei depois).

Sendo uma adaptação livre do conto “UN SEÑOR MUY VIEJO COM UNAS ALAS ENORMES”, de Gabriel Garcia Marquez, o texto, assinado pelo encenador Marcelo Flexa, tem momentos de rara beleza: de humanidade e de fina ironia.
 
O elenco de dois atores tem um equilíbrio cênico bastante bom. Jorge Choairy, o velho que caiu do céu, com sua atuação quase irrepreensível, faz um perfeito contraponto dramático com a encenação um tanto caricata de Claudio Marconcine, que interpreta o “ser humano” comum. E a carpintaria é sensível e de boa plástica...
 
Bem, isso aqui não é um release, tampouco uma crítica, é apenas um comentário despretensioso de um espectador, que na noite de ontem esteve lá para ver e aplaudir esses bravos rapazes e uma moça, que, antes de tudo, protagonizam uma verdadeira façanha que é fazer teatro de qualidade nesta província onde o folk lore domina as atenções de todos os daqui e dos que vão chegando.
 
(A peça fica em cartaz até o mês de junho, com apresentações todas as segundas, às 19 horas. Eu recomendo fervorosamente!)
 
Luis Mello Neves

 

quinta-feira, 8 de maio de 2014

Formação

Não me sinto seguro, preparado para algumas atividades. Uma delas é atravessar o Canal da Mancha nadando. A outra, é ministrar atividades de formação.

Foto de Marcelo Flecha

A primeira, nunca fiz. A segunda, algumas vezes. Sentia-me despreparado, com uma certa restrição, um certo temor acerca da desnecessidade do ato. 

As mudanças que sempre acometem minha vida não se furtaram em somar as formações a esse rol. Hoje não chega a ser um fardo, mas uma espécie de estufa em que algumas semente são gestadas. Não falo especificamente das pessoas que participam, mas sim do conteúdo adotado por mim, meu processo de elaborar pensamento, articular ideias. 

Nada é inventado. Passa por uma espécie de crivo de recepção e formalização. Reinventa-se o conteúdo e o procedimento. Nada é novo e ao mesmo tempo continua a ser atrativo. Lembro de muita coisa que foi importante e significativa em minha vida. São as importantes que ficam, aquelas que não caducaram, que não envelheceram. E conhecimento é coletivo. Não dá para sentenciar quem é a mãe ou o pai da criança, mesmo sabendo que a identificação do conteúdo e do método é quase automática para alguns.

Outra questão, é pensar que temos o domínio da situação e elocubrar sobre os desdobramentos. Nessa perspectiva, tudo torna-se inútil e desnecessário.

Estou me reinventando nas atitudes, nas situações, nos incômodos, no ofício. Tudo faz sentido.