domingo, 7 de setembro de 2014

Espectando o espectador

Foto de André Lucap
O espectador da Pequena Companhia de Teatro passa por uma experiência diferente de qualquer outro espectador de teatro. Este que vos escreve, tem por prática, acompanhar o desempenho do espectador enquanto a sessão acontece. Espécie de voyeur de luxo, essa mania acentuou-se a partir do espetáculo O Acompanhamento, e me acompanha até hoje. Sim, eu vejo cada cochilo, riso, suspiro, bocejo, choro ou ronco seu. Sentiu-se constrangido? Acontece que o teatro tem transgredido a relação entre palco e plateia, e isso acarreta uma presença muito mais efetiva do espectador, exigindo dele uma prontidão maior. Sim, assim como o espectador tem se tornado cada vez mais exigente com o artista, o artista tem se tornado cada vez mais exigente com o espectador, para que o diálogo se fortaleça, e favoreça a construção de um teatro mais inteiro, dinâmico e contracultural. Meu prazer está em espectar você, e avaliar de que maneira esses atores (você e o espetáculo) dialogam e constroem a significação do que a companhia propõe para reflexão. Não, não tem nada a ver com um modismo de público participativo, anônimo em cima do palco ou personagens invadindo a plateia, apenas eu, dissimuladamente, vendo você. Claro que você não percebe, porque as montagens sempre seguem uma configuração que possibilite a prática sem que seu incômodo aconteça, contudo, eu estou lá, observando... Analisando... Avaliando... Sentiu um frio na barriga? É isso mesmo. Saiba que a exigência, aqui, não está apenas para o ator. No nosso caso, o encontro teatral também serve para refletir sobre o espectador – esse cidadão, que é um ser sócio-político-cultural sobremodo transformador (ou não) do seu entorno. Você, na sua cadeira, é tão importante quanto o ator que representa, por isso, a sua responsabilidade é tão integradora quanto a do artista que você observa. Nossa exigência avança na busca do diálogo com o espectador disposto, atento, presente, pensante. Quer pipoca e refrigerante? Vá a uma lanchonete. Quer sacudir a cabeça? Vá a uma boate. Quer gritar? Vá a um parque de diversões. Quer acreditar na torpe utopia de mudar o mundo? As portas da Pequena Companhia de Teatro estarão sempre abertas. Exigentes, porém, abertas.

9 comentários:

Unknown disse...

Bom, muito bom!

TonySilvaAtriz disse...

E eu espectado você...kkk .Não sei o que o texto está falando,sei que estou com muita saudades..."A saudade mata a gente,moreno,a saudade mata a gente,morena..."

Marcelo Flecha disse...

Você é uma graça, Tony! Saudades mil! Estou esperando você!

Pryscilla Carvalho disse...

"O que em última instância, alem de outra possíveis linhas de análise possibilita-nos afirmar o seguinte:se a atuação do espectador precisa ser tomada a partir de uma perspectiva artística, precisa-se também afirmar a necessidade de formação desse espectador. Ou seja, se a capacidade de analisar uma peça teatral não é somente um talento natural, mas uma conquista cultural, quer dizer que esta capacidade pode e precisa ser cultivada, desenvolvida. Tal como os criadores da cena, os espectadores também precisam aprender a aprimorar o seu fazer artístico." (DESGRANGES, 2006, p.37-38)

Parabéns, Flecha, a Pequena vem fazendo um excelente trabalho para o aprimoramento do fazer artístico do espectador maranhense. Que continuemos assim. Um abraço!

Marcelo Flecha disse...

Grande, Pryscilla! Obrigado pelo recorte, belo diálogo com a postagem! Apareça mais!

Flávia Teixeira disse...

...é nego o trabalho é ardo! Tanto para nós atores (espectadores de nós mesmos nessa pesquisa infinita de ser o que não se é para cada vez mais descobrir o que somos) quanto nesse abismo que existe entre o nosso trabalho, a cena, a dita experiência teatral e o espectador. Cada vez mais também desejo uma arte que exija além da mera contemplação. O trabalho existe e é deliciosamente ardo por que facilitar o de quem especta? Enfim... rs

Marcelo Flecha disse...

Isso, Flávia. Por que facilitar o de quem especta?

Hamilton disse...

Estou aprendendo a ser espectador de teatro com a Pequena Companhia, desde O Acompanhamento.
Já havia "espectado" outras peças aqui e em outras cidades, mas não havia desfrutado da experiência de "acompanhar" uma agenda de encenações, assistir pela segunda vez, saber da preparação e ansiar pela estreia de uma nova montagem... enfim, minha cultura teatral ainda muito restrita inicia-se, tardiamente, beirando os 40, observando e apreciando o trabalho do quarteto, que me leva a outras peças, outras leituras, outras referências com as quais começo a construir meu patrimônio como espectador.
Acho que começo a entender esse "encontro teatral" do qual tu falas Marcelo.
Na minha última "espectação" de Pai e Filho, quando conversei com Cláudio sobre as mudanças que senti na encenação desde sua temporada de estreia, ele me falou de uma espécie de "diálogo" (talvez o mesmo ao qual tu te referes), às vezes involuntário, que ocorre entre atores e plateia e que incide sobre o desenvolvimento das personagens no tempo. E me deu exemplos de mudanças que ocorrerão no "Pai" a partir desse "diálogo".
Depois de viver angústias e prazeres assistindo às peças da Pequena Companhia, saí do breve bate-papo com Cláudio com a percepção da existência dessas "pontes" pelas quais os espectadores podem incomodar, além de serem incomodados por vocês, podem influir além de serem influenciados.
Vejamos o que essas "pontes" reservam para mim. Quero desfrutar cada descoberta.

Marcelo Flecha disse...

Belo depoimento, Hamilton. Obrigado, amigo!