domingo, 21 de setembro de 2014

Leve e ligeiro, meu balanço do FNT.


O Festival Nordestino de Teatro de Guaramiranga é daqueles eventos em que você se sente em casa. A cidade, os organizadores, o vinho, o papo, o frio. Uma semana subindo e descendo as escadas do mosteiro dos capuchinhos para ver e fazer teatro. As análises da Mostra Nordeste ficaram a cargo de Luis Alonso Aude, Wilson Coêlho e Makarios Maia Barbosa – provocadores contumazes. O espetáculo Velhos caem do céu como canivetes conseguiu se apertar no aconchegante Teatrinho Rachel de Queiroz, e tivemos uma apresentação integra, para um público que entupiu a casa, e riu muito além da conta colhida nas vinte e oito apresentações anteriores. A ovação final é suspeita, porque o público de Guaramiranga é sempre generoso com os espetáculos que por lá passam. Contudo, nos encheu de alegria e satisfação, pois confirmamos que o diálogo entre espetáculo e plateia também se estabelece fora do Maranhão. O debate aconteceu logo após a apresentação, porque Jorge e Cláudio retornariam na manhã seguinte, horário do debate. O fato, não permitindo que os debatedores tivessem a chance de se debruçar, como vinha acontecendo anteriormente, gerou comentários espontâneos e virginais. Vivências: o encontro com Abimaelsom, Dane, Pryscilla, Henrique, Silmara, Bruna, Rogério, Carlos; conhecer Quitéria, Adriano, Tiago, Vanéssia, Felipe, Astier; assistir a Fogo, Jacy e BR Trans; rir com a parada de rua; comer chocolate. Sou um homem de teatro, gosto disso. Gosto de imaginar que algo no mundo se mexe quando artistas se reúnem. Pretensão? Se vocês vissem e ouvissem o que eu vi e ouvi durante essa semana, tenho certeza que pensariam o mesmo.

Gabo no palco


Especial para o Jornal da Paraíba
Por Tiago Germano
13/09/2014

Na quinta-feira, o JORNAL DA PARAÍBA assistiu à montagem de Velhos Caem do Céu Como Canivetes, espetáculo da Pequena Companhia de Teatro, de São Luís do Maranhão. O espetáculo tem direção de Marcelo Flecha e é livremente adaptado do conto ‘Um senhor muito velho com umas asas enormes’, de Gabriel García Márquez, escritor que morreu no mês de abril.

Na peça, um misterioso Ser Alado cai no quintal de um Ser Humano, um catador de lixo que se instrui lendo os livros que encontra entre os resíduos deixados pelas outras pessoas. Impressiona a atuação de Jorge Choairy e sobretudo de Cláudio Marconcine, que se transfigura no papel deste Ser Humano, um homem que abandona as artes plásticas e vive na miséria, cercado pelas invenções engenhosamente inúteis que passa a produzir.

O desempenho corporal dos atores é fruto de uma metodologia desenvolvida pelo grupo chamada de Quadro de Antagônicos, no qual a oposição física entre os atores vai definindo, lendo e regendo as partituras físicas de cada um. O cenário, produzido artesanalmente, pelos próprios integrantes da companhia, é dominado por uma torre erguida no centro por latinhas do Guaraná Jesus.

Astier Basílio
Especial para o Correio da Paraíba
13/09/2014

 
Um ser humano confinado em um lugar ermo, revirando o lixo. Despenca em seu quintal um ser alado. É em torno deste episódio, e de seus desdobramentos, que se desenvolve o espetáculo Velhos Caem do Céu como Canivetes, montagem da Pequena Companhia de Teatro, do Maranhão, apresentada quinta no Festival Nordestino de Teatro, em Guaramiranga. No cenário, uma imensa torre composta por latinhas de guaraná Jesus foi um dos pontos de discussão entre os debatedores. “Eu não consigo ver o lixo aí tal o nível de organização da cena”, pontuou Makários Maia, encenador do Rio Grande do Norte e convidado como debatedor do evento. Numa discussão filosófica, o ser humano e o ser alado falam sobre fé. “Você não coloca a dúvida em cena, mas a descrença”, avaliou Makários. “É um espetáculo de perspectiva niilista”, observou Wilson Coelho, tradutor, diretor e dramaturgo do Espírito Santo, também integrante da banca de debatedores. Além do embate sobre a existência, numa encenação que conciliou tanto o corpo dos atores, trazendo-os dilatados, a montagem, numa composição repleta de objetos que mais parecem instalações, assume uma exuberância e a linguagem também é evidenciada como falência da comunicação – a torre de latinhas é evocada como um símbolo da Torre de Babel, de onde decorreu o castigo divino na multiplicação das línguas para impossibilitar, pela incomunicação, a chegada dos humanos aos céus.


domingo, 7 de setembro de 2014

Espectando o espectador

Foto de André Lucap
O espectador da Pequena Companhia de Teatro passa por uma experiência diferente de qualquer outro espectador de teatro. Este que vos escreve, tem por prática, acompanhar o desempenho do espectador enquanto a sessão acontece. Espécie de voyeur de luxo, essa mania acentuou-se a partir do espetáculo O Acompanhamento, e me acompanha até hoje. Sim, eu vejo cada cochilo, riso, suspiro, bocejo, choro ou ronco seu. Sentiu-se constrangido? Acontece que o teatro tem transgredido a relação entre palco e plateia, e isso acarreta uma presença muito mais efetiva do espectador, exigindo dele uma prontidão maior. Sim, assim como o espectador tem se tornado cada vez mais exigente com o artista, o artista tem se tornado cada vez mais exigente com o espectador, para que o diálogo se fortaleça, e favoreça a construção de um teatro mais inteiro, dinâmico e contracultural. Meu prazer está em espectar você, e avaliar de que maneira esses atores (você e o espetáculo) dialogam e constroem a significação do que a companhia propõe para reflexão. Não, não tem nada a ver com um modismo de público participativo, anônimo em cima do palco ou personagens invadindo a plateia, apenas eu, dissimuladamente, vendo você. Claro que você não percebe, porque as montagens sempre seguem uma configuração que possibilite a prática sem que seu incômodo aconteça, contudo, eu estou lá, observando... Analisando... Avaliando... Sentiu um frio na barriga? É isso mesmo. Saiba que a exigência, aqui, não está apenas para o ator. No nosso caso, o encontro teatral também serve para refletir sobre o espectador – esse cidadão, que é um ser sócio-político-cultural sobremodo transformador (ou não) do seu entorno. Você, na sua cadeira, é tão importante quanto o ator que representa, por isso, a sua responsabilidade é tão integradora quanto a do artista que você observa. Nossa exigência avança na busca do diálogo com o espectador disposto, atento, presente, pensante. Quer pipoca e refrigerante? Vá a uma lanchonete. Quer sacudir a cabeça? Vá a uma boate. Quer gritar? Vá a um parque de diversões. Quer acreditar na torpe utopia de mudar o mundo? As portas da Pequena Companhia de Teatro estarão sempre abertas. Exigentes, porém, abertas.