domingo, 24 de agosto de 2014

Parabolicamente falho

- Sim, o  conhecimento, de nada te serve?
Não sou antenado. Me inquieta precisar saber, entender e falar de tudo e de todos. Essa habilidade de anedota, diz respeito a uma demanda contemporânea de inclusão e pertencimento, potencializada pela individuação e isolamento pela qual padece o homem contemporâneo. Creio no pertencimento a partir da interação natural com o entorno. Viver o que nos rodeia, sem que o raio dessa circunferência extrapole a lógica do nosso interesse: é mesmo importante saber quem é Anita? Não sei o significado de MC para a música, nem conheço o grande vanguardista do teatro contemporâneo do mês passado. Polissemias e polifonias confundem o meu raciocínio, contudo, procuro não confundir informação com conhecimento – aqui confundi-los-ei, propositadamente. Prefiro a calmaria da busca pelo conhecimento necessário à tempestade da informação me buscando. A calmaria é seletiva e permite a degustação, a tempestade é invasiva e pode provocar afogamento.  Quando grito para o meu desajustado cérebro, buscando algum conteúdo, e este dá de ombros, como dizendo – te vira, respiro fundo e respondo para o meu interlocutor – não sei. De uns tempos para cá, essa sentença tem se repetido com maior frequência, por compreender que, certas coisas que outrora pensava saber, eram apenas simulacros de conhecimento. Quando jovem é mais difícil dizer – não sei, pois, a necessidade de autoafirmação, nos obriga a saber de tudo, mesmo sem ter ciência de coisa alguma. Com o passar do tempo, percebemos que não somos obrigados a estar informados sobre tudo, e que não saber pode ser divertido, pois, te obriga a estudar. Em verdade vos digo: é bom não saber demasiadamente e melhor ainda é não ser o rei da informação. Ameniza a ansiedade, alivia o estresse, e desonera o coitado do seu interlocutor, que não terá mais que ouvir o quanto você é antenado. O tempo pode não ser o melhor remédio, porém, é o melhor companheiro.  Hoje sei que não sei muita coisa, só não sei se nada sei.
 
P.S.: Só não confunda sábio com sabido.
 
 

9 comentários:

Rodrigo França disse...

Mas no ruído branco de algum canal em estática sempre captamos algo. Tudo depende de para onde nossa parabólica aponta e se estamos disposto a ajusta-la. Conhecer sempre é bom, mas ser obrigado a tal é brochante!!!! Texto excelente!!

Unknown disse...

Viva a Flecha do Marcelo!

Que belo arco tens às mãos, amigo.
Comungo de tuas idéias e aplaudo a tua exposição.

Viva a Flecha do Marcelo!
João Marcelino

Marcelo Flecha disse...

Queridos Rodrigo e João, são suas atentas leituras que justificam essa nossa teimosa prática. Mantenha-se por aqui, para que tudo continue a fazer sentido.

Alberto Júnior disse...

O texto é de 24 de agosto. Você me cutuca a curiosidade hoje, 18 de setembro. Estou gripado desde ontem (17), e, por conta disso, pude ver o programa da Leda Nagle. Em certo momento, ela pergunta para o escritor Lauro César Muniz o que era mais fácil escrever: novela, peça de teatro ou livro. Ele diz que ao escrever novela, produz em torno de 120 páginas em dois dias para atender a todos – público, diretor, ator, etc e tal, com resposta imediata do ibope; quando escreve peça de teatro, ele pensa no público e tem a resposta da plateia; no caso do livro, onde ele pensa um texto mais enxuto e reflexivo, ele fica com o diabo da curiosidade sem saber a resposta.

Estou escrevendo tudo isso por vários motivos que respondem tanto a esta sua publicação, quanto a última vez que te encontrei no teatro. Eu sempre gostei da forma como Leda Nagle trata da informação num programa de televisão. Ela não aprofunda porque existe um tempo determinado (Walter Benjamim odiaria). Ela também lida com convidados e pessoas de diferentes áreas e perfis (Oswald de Andrade acharia maravilhoso). Quando ela está com boa vontade, esmiúça coisas interessantes do entrevistado a serem ditas. Quando não, ela deixa até mesmo que outros convidados façam perguntas bobas para outros convidados. Mas, foi no programa da Leda, à tarde, na hora do chazinho das senhoras inglesas, que vi depoimentos fortes.

Vi o Ney Matogrosso uma vez falando de sexualidade e inquietação criativa. Vi outra vez a Marina Colasanti declamando os versos “em todo lugar sou estrangeiro, menos na minha casa”. Vi o Renato Braz cantando os mesmos versos com uma voz doce e bonita. Vi o Gil filosofando sobre deus, sobre vida e morte, sobre o pertencimento, essa mesma palavra que você citou, de um jeito que deu vontade de adotá-lo como avô, só pra eu ter a oportunidade de conversar com ele aos poentes.

Enfim, escrevi tudo isso, exageradamente, de forma intencional. Leda Nagle talvez seja a metáfora do que penso sobre sua questão entre conhecimento e informação. Todas as vezes em que meu espírito esteve no mais profundo dilema existencial ou sem saber onde encontrar a resposta para chegar ao tal autoconhecimento, foi numa conversa com pessoas mais simples de sabedoria intuitiva que me deram a resposta. Para esse mistério, nem a ciência, nem a literatura dão conta. Eu gosto do que chamo de “antropologia das nuvens”, a experiência em interpretar sentidos nas formas que se diluem e vão seguindo em suspensão.

Volto a dizer. Veja o filme “Violette”. Ali também tem outra resposta. Sobre o “para quê” ou “para quem” escrever, falar ou produzir. Isso é melhor que ser intelectual.
Abração

Marcelo Flecha disse...

Alberto! Só te cutuquei agora porque pensava que você já tinha lido! Tinha a esperança de que você fosse meu único leitor! Agora, complicou... Contudo, vou mostrar seu comentário para a Katia, só assisto a Lêda por causa dela. Ela tem uma relação com o programa muito parecida com a sua. Aproveite a gripe para ler tudo o que você anda perdendo por aqui, é uma coisa fabulosa! ( risos) e apareça!

Flávia Teixeira disse...

Boa reflexão...sobretudo as dicas do Alberto! Vou youtubezar mais a Leda Nagle e ver o filme Violette! rs

Ah tanta coisa pra ver, ler e ouvir... vamos que a vida pensada desse viés é muito curta! Só uma imersão no blog e já se foram horas...rs

Marcelo Flecha disse...

É só passar uma vez por semana, assim não acumula!

Anônimo disse...

As coisas são lidas quando devem ser lidas, hoje eu vi. Resolvi fuçar o blog porque estava aqui desocupada e queria me entreter haha. Daí me deparo com esse texto justamente na semana em que o tema informação x conhecimento vem me ocupando os pensamentos, rascunhos e blocos de notas. E numa coisa concordamos: não somos obrigados a estar informados sobre tudo.

Belo texto, Marcelo. Grata!

Marcelo Flecha disse...

É para isso que serve o "lixo eletrônico", Rute! (Risos)