sábado, 1 de março de 2014

Uma pergunta


Quem acompanha o nosso blog sabe que frequentemente estamos publicando artigos sobre o Quadro de Antagônicos, que é o principal instrumento da nossa metodologia de trabalho, e sobre o qual tentamos teorizar a mais de uma dezena de anos. Contudo, alguns episódios recentes me trazem à reflexão que desenvolvo hoje e que espero me ajudem a aprofundar. O Prof. Ms. Abimaelson Santos publicou sua tese de mestrado onde um dos exemplos elucidários do seu objeto de estudo é a metodologia supracitada. A revista DRAO, publicada recentemente, contém um artigo de minha autoria que trata da mesma. De férias no Rio dei uma entrevista para a atriz Carlla Amorim para seu pré-projeto de mestrado que visa um aprofundamento mais intenso sobre o Quadro de Antagônicos. Esses três acontecimentos que muito nos honram, e nos levam a acreditar que o nosso fazer contribui para a análise dos caminhos percorridos pela investigação teatral maranhense, também me fazem indagar sobre o alcance e eficiência da teoria na busca de reproduzir uma prática. O que desenvolvo agora tem muito a ver com minha experiência primordial de leitura de livro técnico-teórico, narrada aqui. É possível descrever literalmente uma prática e dar cabo da captura do objeto, seus objetivos, metodologia e problemas? Sempre que li livros técnico-teóricos sem o auxílio de um mediador – mestre, autor, pesquisador, prático etc. – fiquei com a sensação de não chegar nem perto do postulado experimentado por seu criador quando do desenvolvimento de uma teoria a partir de uma experimentação prática. Entendem o que quero dizer? Na verdade, o que faço não é refletir, e sim, perguntar. A escrita pedagógica é capaz de traduzir um gesto, um aceno, um suspiro? Sei que a literatura consegue, e me delicio a cada descrição desenvolvida por cada um dos escritores que construíram meu imaginário literário, entretanto, pergunto: a escritura técnica pode dar cabo da análise objetiva de um objeto carregado de subjetividade como a arte? Continuo a semear indagações. Teoria e prática, eis a questão – uma dentre tantas que perturbam meu juízo.
 
 

6 comentários:

Rodrigo França disse...

hein-hein... A resposta parece óbvia, mas que pergunta capciosa! rsrsrs
Dar a cabo não. Mas, com licença metafórica, é possível construir canoas que facilitem trânsitos e formas de acesso ao subjetivo. Processos intersemióticos são muito complexos e nunca conseguiremos apreender completamente a experiência e sua natureza na dimensão escrita, seja ela técnica, poética, etc. Contudo, acreditar na completa impossibilidade é negar outras formas de experienciar a arte se não pelos sentidos a que foram criadas a priori. Para citar um exemplo, como fazer deficientes visuais fruir a beleza de uma paisagem?

Marcelo Flecha disse...

Negar nunca! Não me leia mal (risos). O que me intriga é que nível de "tradução" a escrita pode conseguir. Indagação que, como homem de escrita artística e técnico-teórica que sou (risos, de novo), fragilizam as expectativas que tenho quando do resultado inteligível ou não de uma obra produzida. Se fracassamos na jornada, o deficiente visual pode se assustar com a paisagem.

Rodrigo França disse...

Quanto a lhe ler mal... Também desejo o mesmo!(rsrs) Só pra vc ver como é que são as coisas. Utilizo-me de uma citação do Heiner Müller que adoro :
"Uma espada pode ser quebrada e um homem/ Também pode ser quebrado, mas as palavras/ Caem na agitação do mundo, irrecuperáveis/ Tornando as coisas reconhecíveis ou irreconhecíveis..." (O Horácio)
Mas... replicando...
Acredito que não existe escala para aferir tal empreitada. O efeito causado, no caso do exemplo citado, o assombro, é algo subjetivo (relativo, talvez?). Intuindo sobre uma autonomia (não sei se completa...) do objeto artístico, a experiência estética é diferenciada de indivíduo para indivíduo. Dessa forma, assustar-se pode ser positivo para alguém (pode ser apenas um) que nunca enxergou formas(rsrs), ou então teremos que acreditar em um processo coincidência sígnica. Acredito que não exite fracasso tal como não existe o sucesso completo... Por que, se não, o que poderíamos dizer de Pai e filho & Kafka (o meu preferido!!!!)? De velhos & García Marquez?
Abraço Meu querido! Adoro suas provocações!

Marcelo Flecha disse...

Imagine se eu lhe leria mal! Meu único leitor! (Não fiquem aqui magoados meus outros únicos leitores.). A frase é fabulosa e o argumento idem. Confesso que amenizaram minha angústia. A sorte de quem dialoga é o permanente alargamento do olhar. Obrigado, querido!

Hamilton disse...

Marcelo tu estás numa enrascada. E a missão que se apresenta é árdua. Mas, acho que não há escapatória. Parece que tudo leva à escrita, se não com finalidade pedagógica (até porque esta tarefa já está sendo assumida, em parte, nas oficinas), uma escrita teórica que incorpora mais a agonia da imprecisão e da especulação, a conclusão inacabada, a síntese em aberto, mas que expõe as entranhas da reflexão, a narrativa do caminho - este é o ponto. A enrascada, é que a empreitada não tem fim depois de iniciada. A obra artística já está em construção: o método. Expressa na escrita multidimensional da encenação teatral. Sua teoria, reflexão nessa prática, já está expressa ali também. Mas parece que é sedutor sistematizá-la em uma escrita bidimensional - suporte acadêmico. E que bom que a elaboração teórica do autor do método é diferente da do pesquisador que objetiva o autor, e é diferente do comentador que observa o autor. Não sei se serve, de algum modo, à arte. Mas, a arte se basta? A arte basta?

Marcelo Flecha disse...

Muitas questões, meu caro amigo, para refletir. Creio que seja necessário uma bela costela suína para auxiliar o raciocínio (piada interna), contudo, as frases finais sintetizam a pluralidade de abordagens possíveis, amenizando (assim como o comentário do Rodrigo) a possível angústia gerada pela pretenção da significação absoluta. Vamos marcar?