Como membro
da Pequena Companhia de Teatro, estou sempre a matutar sobre as maneiras de exceder
as fronteiras da província. A incredulidade gerada pelo fato de nossa Cia.
ser sediada no estado mais pobre da federação brasileira se apresenta como uma
das principais barreiras para a nacionalização das nossas
ações – fator fundamental para a sustentabilidade do nosso grupo. Nos últimos
anos participamos de festivais pelo Brasil afora, circulamos através de
projetos nacionais, ganhamos prêmios federais, contudo, não estamos integrados
ao país; estamos encerrados em um estado de miséria, atraso, descaso, descuido
e desatenção. Certamente, ninguém se lembra de nós. A referência não se
estabelece, por maior qualidade que você imprima à sua obra. A pergunta mais
recorrente será: que aporte pode dar ao nosso projeto uma Cia. vinda de um
estado desses? Ouvimos isso com frequência em nossas viagens: da surpresa com a
qualidade artística das nossas atividades por sermos do Maranhão. Mas a
surpresa não serve, porque vem posterior ao fato. Preconceito? Não, realidade. Sem
o estofo de um estado produtor, com políticas culturais eficientes, uma
produção contundente e gestores públicos sérios, não será possível se integrar
ao Brasil, estar presente no inconsciente coletivo dos atores que comandam os
destinos culturais deste país (mote para uma reflexão futura). O curador, o
parecerista, o crítico, o conselheiro, o produtor, o selecionador, jamais
atribuirá um valor prévio endossado pelo entorno produtivo e criativo do nosso
estado; nos olhará sempre
com desconfiança e indagará: do-ma-ra-nhão? Soma-se
ao fato, a incapacidade “lobística” dos membros da Pequena Companhia de Teatro.
Fora do nosso estado, temos algumas poucas e sinceras amizades que nos auxiliam
na oxigenação do nosso fazer, porém, não temos a habilidade necessária para a
articulação. Falando em primeira pessoa do singular, escolhi a arte por
acreditar que estaria isento de certos males que assolam o mundo, dentre eles,
a influência, a negociata, os interesses, a adulação. Ledo engano. Como todos,
o meio artístico é habitado por humanos e, como tais, dedicam-se aos conchavos,
acertos e toda sorte de idiossincrasias que extrapolam o interesse artístico e
que não fazem parte da minha formação. Não é a regra, nem a exceção. Careço
desse tipo de habilidade e o meu estomago não digere qualquer situação que não
seja espontânea, orgânica ou fortuita. Pois é, um romântico. Em minha defesa
posso dizer que comecei fazendo teatro amador nos anos 80, no interior do
Maranhão. Apesar de a miséria ser a mesma, o espírito era diferente. As coisas
eram simples, bonitas e honestas. Hoje,
creio ser a obra de arte o que menos importa. Não é a exceção, nem a regra.
domingo, 29 de dezembro de 2013
domingo, 15 de dezembro de 2013
Os números não vendem
Enquanto
aguardamos o encerramento da estreia estadual de Velhos caem do céu como
canivetes, que acontecerá nesta terça (18h30 e 20h30) e quarta (19h), em Imperatriz
(Teatro Ferreira Gullar), faço um exercício matemático e apresento os números de Pai & Filho, após o encerrarmos do
projeto Viagem Teatral, do SESI, que visitou as cidades de São Bernardo do
Campo, Botucatu, Rio Claro, Franca, Marília, Piracicaba e Campinas, no estado
de São Paulo.
O espetáculo
sustenta 3 anos e 8 meses de trajetória desde sua estreia em abril de
2010. Prêmio FUNARTE de Teatro Myriam Muniz 2009 e 2010, Palco Giratório 2012/SESC
e Viagem Teatral 2013/SESI. Foram 109 apresentações e seus respectivos debates para
um público de 8.001 pessoas. 56 cidades visitadas de 19 estados brasileiros – MA,
PI, CE, RN, PE, AL, BA, AP, PA, TO, MT, ES, RJ, SP, RS, SC, PR, MG, RO. Estados
como Alagoas (4 cidades), São Paulo (10 cidades), Santa Catarina (7 cidades) e
Rio Grande do Sul (5 cidades) foram percorridos com maior intensidade e
profundidade, além do Maranhão (8 cidades), claro. Atenção produtores de
plantão: ainda faltam Amazonas, Sergipe, Paraíba, Goiás, Mato Grosso do Sul,
Roraima, Acre e o Distrito Federal. Participamos de 30 festivais ou mostras de
teatro. Atenção curadores de plantão: ainda faltam um monte! O espetáculo se
apresentou em 44 teatros e 17 espaços alternativos e 97 récitas foram
gratuitas. Em 2014 Pai & Filho retornará à sua terra natal e fará temporada
regular na sede da Pequena Companhia de Teatro para que o espectador ludovicense
possa prestigiá-lo – das 109 apresentações, apenas 5 aconteceram em São
Luís. As apresentações farão parte da programação do projeto TETRALIDADES,
Prêmio Myriam Muniz 2013, que contempla temporada regular do repertório,
oficinas, leituras dramáticas, fóruns etc. O que me leva à indagação final: não
fosse a trajetória nacional de Pai & Filho, haveriam 8.001 espectadores em
São Luís dispostos a assisti-lo ou o espetáculo morreria na estreia? Respondam durante
as apresentações que faremos em 2014.
domingo, 1 de dezembro de 2013
Não, querido, não se voa colocando aspas no verbo "voar"
Fotos de Ayrton Valle |
Crítica de Igor Nascimento
Convém-se que
a Tragédia é a derrota do Homem diante da vontade divina. Não se luta contra o
que foi preestabelecido pelos “Céus”.
Por mais cruel que o destino possa parecer, o Homem é regido por estas
convenções de ordem divina e/ou social e deve respeitá-las. O ato que vai de
encontro àquilo que lhe foi conferido pelos deuses ou/e pela sociedade
culminará em um terrível fim. Seu caráter transgressor, que parecia sua maior
qualidade, será o responsável por sua queda. Mesmo arrependido, continuará
caindo até se chocar contra um sólido fundo trágico...
Nós, do lado
de cá, sentindo terror e piedade, nos purgamos daquele defeito de caráter que
parecia tentador em um primeiro momento, pois deu ao Herói toda glória que
possuía; mas, depois, tornou-se indigesto, daí a purgação. Essa é a catarse,
grosseiramente resumida e efetivamente útil quando se trata de adaptar o
sujeito às convenções:
Em Velhos
Caem do Céu como Canivetes, da Pequena Companhia de Teatro, temos uma montagem que
vai de encontro a todo esse sistema coercitivo que é denunciado por Augusto
Boal em Teatro do Oprimido. A Tragédia é posta ao avesso. O que sim vemos é um
drama com ares trágicos, ou, uma “antitragédia”. Já explico...
O “Ser Alado”
(Jorge Choairy) desce na Terra e encontra o “Ser Humano” (Claúdio Marconcine).
Quando as luzes acendem, o cenário é um ambiente caótico, onde tudo parece
desconexo. A unidade desses objetos em desordem se dá na movimentação do Ser
Humano: sua rotina, aparentemente, é pôr tudo em ordem para, depois, tudo
desfazer. Aquele terreno é um produto de suas ações sob a natureza. Não temos
uma ligação com a ação-texto. Não se opta por um texto dito com nuances bem
definidas. Parece que tudo que se fala é amortizado por esta natureza
solidificada pelos elementos dispostos em cena e pelas ações-físicas que
fazem com que os personagens interajam com os objetos e entre si. Seus corpos
são anormais. O andar, a postura e a voz fogem do corpo cotidiano. O
contraponto é este: um corpo fora do padrão executando ações que revelam um
determinado padrão (determinado): o Extracotidiano Vs Cotidiano vivendo num
espaço mínimo. No primeiro encontro entre os dois personagens esse jogo logo se
revela: o estranhamento causado pela insólita visita não se dá pelo encanto, ou
pela admiração de ver um ser de asas. É, antes, um “que diabo é isso...”.
Ambos são
apresentados. Conhecem-se. Interpelam-se. Coabitam. Convivem. O Ser Alado tem
uma missão: fazer com que o Ser Humano acredite em algo para além daquele plano
terreno (questão que fica em aberto), mas, em suma, significa que ele quer
persuadir o homem a se mover, evoluir, a sair dali, daquele jogo repetitivo. O
Ser Humano, contudo, é imóvel. Ele se atém às necessidades da vida. Luta, mesmo
que de forma parcimoniosa, contra fome e contra a sede. Ao mesmo tempo, ele
cria engenhocas para passar o tempo, inventando outras necessidades - necessidades
fabricadas - como a de ficar tonto através de um pequeno aparelho feito com a
peça central de um ventilador de teto. O Ser Alado tenta se adaptar, construir
uma rotina dentro daquele plano, enquanto “convence”, inutilmente o Ser Humano
a se mover. Seu gesto, que antes se baseava na ação de mexer os ombros,
repelindo as asas, acaba ganhando os ares daquela rotina. Ele, inclusive, testa
a máquina de ficar tonto e se mostra curioso em relação às engenhocas
produzidas pelo Outro, como o Manifesto à Eletricidade. Há uma mudança em seu
corpo e a dramaturgia do ator ganha um significado na trama e conta algo
também.
Os dois
planos: o que está dentro (a realidade) e o que está fora (o além) se
confrontam através dos corpos dos dois atores encerrados naquele universo
retratado, cenograficamente, com materiais retirados do lixo.
Ao final, o
Ser Alado desiste. Voltaria para o lugar de onde veio, mas eis que vem o golpe
da outra dramaturgia, aquela, do velho dramaturgo, aqui, Marcelo Flecha: o Ser
Humano mata o Ser Alado com uma cacetada! O elemento textual decisivo se revela
através de uma didascalia, provavelmente: Ser Humano defere uma boa e segura
bordoada no Ser Alado, matando-o (sic). A grande catástrofe é um ato físico.
Novamente o corpo e o movimento. Aqui, finalmente, o orgânico, o indeterminado,
o transcendente se junta ao material, ao concreto, ao plano terreno prático,
rotineiro, que fará do Ser Alado a refeição, a galinha do Almoço - o resto é
para Janta.
Onde está a
tragédia? Ou a “antitragédia”, como disse antes? Como um Sistema Coercitivo, como alude
Augusto Boal, a catarse visa purgar o homem de algum defeito que não é adequado
para o Sistema. Normalmente, representado por um oráculo ou pelos deuses, esse
Sistema se apresenta com ares superiores, com as pompas do Além e do Supremo.
Em Velhos Caem do Céu como Canivetes, essa lógica se inverte. Lá, a realidade
pré-estabelecida é a miséria, é a fome, é a vida do homem presa a uma rotina
que gira em torno do material, do imediato, do mecânico. Não há um “fora”, um “macrocosmo”, aquilo é o
tudo. Nesse novo sistema entra o Ser Alado pretendendo a mudança. As asas
significam a possibilidade do livre deslocamento. Não há revolução sem
movimento. E é aqui que o Ser Alado sofre o grande golpe trágico, não dado
pelos deuses ou pelo Estado, mas por um simples mortal e cidadão comum. O fim:
a morte. As luzes: vermelhas. O que era para ser purgação se torna refluxo.
Volta para as tripas, ou seja, para o chão do corpo, para o jogo maçante das
necessidades diárias.
O Destino é,
nesse caso, a sobrevivência. Na tragédia, tudo volta a ser como antes através
do terror e da piedade que sentimos pelo herói - basta não seguirmos o seu
exemplo e não achar precioso o seu defeito (Hamartia), afora isso, tudo está
perfeito. No quadro dramático “antitrágico” de Velhos Caem do Chão como
Canivetes tudo volta a ser como era antes, ou seja: terror e piedade; pois,
apesar da refeição garantida, outros dias de míngua e desumanidade hão de
continuar. Sentimos terror da miséria e piedade daqueles que vivem nessas
situações, tais sentimentos estão em nosso cotidiano - basta assistir aos
jornais e ver que embrulho isso dá. O que há de ser “purgado” aqui é a nossa
ingênua crença de que isso, um dia, pode ser mudado, ou seja, que um dia a
pobreza ganhará asas e sairá voando de nossa realidade.
“É pensando
que a porta é alta que batemos nossa cabeça na parede”
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