quinta-feira, 28 de novembro de 2013

Um outra experiência

Bate-papo na sede d'A Outra... (SSA-BA)

Faço parte da Pequena Companhia de Teatro há 4-5 anos. Preconizamos o Quadro de Antagônicos como ferramenta de preparação para o ator, e é ele que norteia a pesquisa que fazemos. Somos um grupo de teatro que pesquisa, e os espetáculos são o resultado disso.

Sentencio que, gente de teatro se conhece, se entende, se reencontra, se celebra e se constrói, juntos, a identidade do teatro na contemporaneidade; múltiplos teatros, formas de fazer, maneiras de articular. Quando nos profissionalizamos, acabamos por nos distanciar de algumas práticas por questões financeiras e de agenda. Articulação, debates e partilhas deixaram de existir em detrimento de montagens, de circulação, de apresentações, do ofício. Nossas ações se colam e se plastificam através de editais – públicos ou privados. Se fugirmos disso, seremos sentenciados ao fracasso, à mudez dos palcos, à surdez das plateias. Teatro de grupo, hoje, existe pelo querer fazer e pela busca incessante de recursos que esses editais disponibilizam.

Assim, tivemos a oportunidade de conhecer A Outra Companhia de Teatro a ponto de criar vínculos, estreitar relações. Crescemos e produzimos conhecimento a partir do diálogo. Em Salvador não foi diferente. A oportunidade de reencontro para compartilhar o nosso fazer, conjugado ao fazer dos outros, recupera o entendimento que tenho do corpo formalizado que temos a partir dos nossos processos. É nessa perspectiva que o corpo precisa de outras alternativas e possibilidades para se desconstruir e se ressignificar permanentemente. O corpo deve se arriscar a encontrar outros percursos além do que segue confiante.

O projeto aprovado pela A Outra Companhia de Teatro, o Troca-troca Nordeste, através do Programa BNB/BNDES de Cultura, possibilitou a privilegiados grupos de teatro sediados na região Nordeste do Brasil um espaço de mostragem de suas técnicas/formas e modos de fazer; partilha de processos de organização; formação em outros procedimentos que não os habituais utilizados pelas companhias/grupos de teatro participantes.

Sou daqueles que, movidos pela urgência das coisas, contamina e deixa-se contaminar. É que a entrega é pré-requisito para a aceitação, compreensão e diálogo com outros fazeres e outros pares. Secularmente estamos ilhados pelo fracasso das conquistas; é que no Maranhão a riqueza é para poucos e as desventuras para os que sobram – e esses são muitos. Há um exílio forçado pela conjuntura político-financeira que é quebrada com ações de generosidade e troca entre gentes que se afinam – um exemplo é a proposta d’A Outra...

Um discurso recorrente é que as dificuldades encontradas para a manutenção das atividades de um grupo são semelhantes quer de um existente em São Paulo, quer de um das Alagoas. Não deixa de ser verdade, mas as maneiras de driblar essas armadilhas são inúmeras e fenomenalmente diferentes. São esses diálogos que dão lampejos de sensatez para situações típicas de um grupo de teatro que ama o que se faz e busca imprimir sua identidade nos espetáculos que monta e apresenta. Mas, objetivamente, a troca, a compra, a observação, o diálogo, ele é referenciado comumente quando se tem um foco específico para tal, e aqui não pertine em se tratando da Pequena Companhia de Teatro, mas sim do ator que se fez presente. A escolha de meu nome pelos meus pares (Katia Lopes, Jorge Choairy e Marcelo Flecha) se deu pela minha afetiva aproximação com a mímica corporal dramática, de Etienne Decroux, que dialoga com a proposta de formação da etapa na qual eu participaria (biomecânica de Meyerhold), e também por estar em processo de pesquisa para a montagem de um espetáculo-solo para as ruas.

Minha compreensão acerca das influências sofridas são mais amplificadas, e assim, tudo o que fazemos ou deixamos de fazer influi e influencia nas nossas vidas e na vida da comunidade. Presença ou ausência repercutem, sempre. Enquanto ator, quando em processo, as informações e transformações pela qual o corpo passou, vai reverberar na composição, na cena. O senso comum não conseguirá identificar, mas a plateia especializada, certamente o fará. Conseguirá perceber na ação da personagem, a formação do ator, as influências que sofreu durante sua jornada, que não se esgota, mesmo com a chegada da “indesejada das gentes”.

Meu corpo recupera o que minha memória acata. Quando não, os espasmos incompreensíveis podem dar sustentação a uma ação cênica. Não sei, mas está aí; apareceu, mas não sei sua gênese – e funciona. O que fica tem autoridade para tal. O que quer ir, a gente deixa o vento levar. Assim são as coisas.

domingo, 24 de novembro de 2013

Velhos caem, nós também.


Plateia em Balsas
A proposta de interiorização das ações da Pequena Companhia de Teatro no estado do Maranhão existe desde sua origem, e sempre representou um posicionamento político. De 2005 para cá, O Acompanhamento, Entre Laços, Pai & Filho, Velhos caem do céu como canivetes, e ainda, Medéia e Deus Danado – espetáculos da eterna parceira, Cia A Máscara de Teatro –, tiveram passagem por cidades do interior, assim como oficinas, performances literárias, lançamento de livros, participação em fóruns, palestras, debates, organização de mostras de teatro; tudo com a convicção de estar contribuindo de alguma maneira para o desenvolvimento sociopolítico-cultural do estado mais pobre da federação brasileira, e sensibilizando o poder publico municipal para a importância dessas ações. Balsas, Imperatriz, Bacabal, Caxias, Santa Inês, Riachão, São José de Ribamar, Timon, São Bento, Fortaleza dos Nogueiras, Itapecuru-mirim. Mais de cinquenta apresentações de espetáculos, todas gratuitas (não podemos pretender que comunidades que não te acesso a teatro tenham a sensibilidade e predisposição de pagar por ele nas pouquíssimas vezes em que a oportunidade aparece), e seus respectivos debates. e, em todos, o reconhecimento e a cobrança dos espectadores quanto à importância dessas iniciativas.
 
Oficina em Caxias
Nessa trajetória conseguimos sensibilizar o poder publico municipal? Não. Todos os projetos de circulação realizados pela Pequena Companhia de Teatro foram patrocinados pelo Governo Federal ou pelo SESC, com o apoio cultural local de pizzarias, amigos, universidades, parentes, colégios, restaurantes, ou a intervenção de amigos-secretários de cultura/presidentes de fundações. Nas poucas ocasiões em que as prefeituras se sensibilizaram com nossas ações, o apoio cultural se restringiu a uma hospedagem aqui, uma refeição acolá, mas jamais qualquer prefeitura maranhense desembolsou um centavo com qualquer despesa mais significativa. Depois de oito anos de ações ininterruptas, nunca recebemos por parte de nenhuma prefeitura o convite espontâneo para a realização de algum tipo de atividade cultural que demandasse do município o desembolso de recursos para pagamento de cachê, transporte de cenário e equipe, compra de livros etc. – nosso último projeto já distribuiu gratuitamente mais de cinquenta livros. O que sim vimos foi o quanto as prefeituras buscam capitalizar politicamente nossas ações. Nosso único retorno vem sempre do público. Nos depoimentos constantes, cortantes e emocionados dos espectadores que reforçam a importância dessas ações. Será suficiente? Com um diagnóstico desses fica muito difícil convencer os pares quanto à efetiva necessidade da interiorização, porque o reconhecimento merecido vem de quem frui, mas nunca vem de quem deveria ajudar a pagar a conta com políticas públicas culturais efetivas que desvinculassem suas ações do óbvio e árido calendário carnaval-São João-verão-pátria-natal-férias. Sou do interior do estado. Depois de vinte e tantos anos de labuta, nada mudou. O público merece nosso esforço, só não sei se a ranhetice da velhice que se assoma respeitará nossa vontade.
 
Debate em Fortaleza dos Nogueiras
 
 

quinta-feira, 21 de novembro de 2013

Em cena


Li, dia desses, uma matéria que tratava sobre um bate-boca na plateia de uma apresentação teatral do Marco Nanini. Noutro, vi uma tratando acerca de celulares atendidos em plateias de teatro.

Ator não é mentiroso e as pessoas confundem. Manifestação artística é uma coisa. Vida real é outra. Lembro-me de dois casos, sendo que um eu presenciei e outro ouvi dizer: dois atores pararam o espetáculo. Um deles desistiu da apresentação não se sentindo capaz de continuar. O outro, para calar a boca dos que insistentemente atrapalhavam a cena. 

Na Pequena Companhia de Teatro já tivemos duas situações em que o corpo reagiu às demandas da cena: em Pai & Filho, a porta caiu sobre mim por causa da ruptura parcial dos ligamentos do joelho direito no aquecimento (o diagnóstico só veio posteriormente), e a perfuração da membrana que protege o tímpano da orelha esquerda de Jorge C. em Velhos Caem do Céu como Canivetes. 

A partir dessa última, eu e Jorge C. começamos a brincar o que faria com que a gente interrompesse a apresentação, o que seria profissional ou suicídio diante de determinadas situações, como por exemplo, jogarem um tomate sobre nossas cabeças, falta de energia elétrica...

Esse limite não é determinado pelos cânones. Assim, imagino que o ator seja sacrificado por tomar a iniciativa da contenda entre o planejado e o imprevisto. Depois, vira história.

terça-feira, 19 de novembro de 2013

Ecos espontâneos – Balsas/MA

Imagem da oficina em Caxias
Cheguei há pouco da apresentação teatral “Velhos caem do céu como canivetes”, no auditório do Colégio São Pio X. Numa produção de Kátia Lopes, Atuação de Jorge Choairy e Cláudio Marconcine, encenação, figurino, cenário, iluminação e texto de Marcelo Flecha, a peça traz reflexões, entre tantas, sobre um “eu” ao mesmo tempo coletivo que, apesar de limitado fisicamente por uma situação determinista e... de resistente ao diferente, é ao mesmo tempo exótico, fluido e rende-se aos “estados de coisa” que permeiam a nossa vida; à realização onírica de nossos desejos, enfim, sobre um chão ou céu movediço em que pisamos ou onde voamos. O diálogo, de cunho filosófico, reflete uma profunda preocupação com o homem e com a crise moral e social dos tempos atuais, certamente ocasionada pelas diferenças sociais, pelas mudanças de tempo e pelos tempos de mudança, e satiriza este homem moderno, que se afoga num consumismo desenfreado. A mim, encantou-me mais o fato de a peça ter recuperado a metáfora da Torre de Babel, da criação e da difusão das línguas no mundo, com que sempre trabalho com meus alunos, e a ênfase na relação existente entre a linguagem, a cultura e o pensamento. A Secretaria Municipal de Cultura está de parabéns pela valorização desta modalidade de espetáculo público, o teatro, trabalho artístico criado para instruir sobre certos princípios, valores, e que realmente geram o crescimento intelectual dos jovens.
Maria Célia Dias de Castro
 

quinta-feira, 14 de novembro de 2013

Esqueci

Foto de Ayrton Valle

Estamos circulando com o novo espetáculo "Velhos caem do céu como canivetes", dentro da temporada de estreia, patrocinado pelo Governo Federal, através do Prêmio Myriam Muniz de Teatro, que agrega as cidades de São Luís, Caxias, Balsas, Fortaleza dos Nogueiras e Imperatriz na circulação pelo interior do Maranhão, depois de termos viajado o Brasil inteiro com Pai & Filho pelo SESC (Palco Giratório/2012) e SESI (Viagem Teatral/2013). Lugares diferentes, dificuldades diferentes, prazeres diferentes. Inegável a sensação de conforto dos hotéis existentes no Sudeste, seus teatros equipados, suas plateias atentas e especializadas. Inegável o contraste com o interior de nosso estado. Recupero um dos objetivos primeiros da Pequena Companhia de Teatro que é a interiorização de nossas produções: poucas pessoas, poucos recursos financeiros, iluminação artesanal, cenário passível de montar em espaços alternativos e a certeza da qualidade da obra. O contraste das acomodações e da recepção do público por vezes provoca um ruido no ser humano que, com alguma idade nas costas, começa a se perceber desejoso de um certo conforto, um certo reconhecimento. Proporcionalmente às conquistas, aumenta-se o nível de exigência. Assim, os objetivos primeiros ficam carecendo de reflexão e análise. Gosto da ideia da mutação, da mudança, da falha, da queda, do precipício. 

Ano que vem, teremos o conforto do nosso lar como abrigo, já que estaremos com nosso repertório em cartaz, na sede na Pequena, resultado de mais um Prêmio Myriam Muniz de Teatro da FUNARTE/MINC. Antevejo os rumores desejosos de outras viagens. É que somos assim, eternos insatisfeitos.