segunda-feira, 28 de outubro de 2013

Nem que chova canivete

A estreia de "Velhos caem do céu como canivetes" em São Luís encerrou ontem, com a nossa participação na 8ª Aldeia SESC Guajajara de Artes. Agora nos preparamos para sair da ilha. O desafio a se encarar nas cidades que compõem a temporada de estreia estadual patrocinada pela FUNARTE, através do prêmio Myriam Muniz, é perceber como o espetáculo se comporta fora do espaço onde foi criado. Claro que a nossa política de montar peças que se adaptem a qualquer espaço físico (seja palco italiano ou alternativo) permanece, assim como reproduzir a estética das encenações de maneira idêntica, independentemente de espaço, mas, os detalhes, só podem ser verificados in loco. Apresentaremos em dois espaços alternativos (Caxias e Fortaleza dos Nogueiras) e dois teatros convencionais (Balsas e Imperatriz). A principal preocupação cênica é a dispensa da caixa preta nos espaços alternativos, assim como ocorre com Pai & Filho. O receio é que nesta encenação a atmosfera dependa mais desse fechamento, e a interferência do exterior possa comprometer a ambiência. Não acredito nisso, porque o entorno reforçaria o caos, mas me preocupo. A jornada de estreia estadual será de carro, com o reboque transportando o cenário, como costuma acontecer quando as apresentações são próximas (?) e possibilitam uma sequência de deslocamento. Antes, um breve intervalo para a conclusão do Viagem Teatral do SESI, quando nos apresentaremos em Piracicaba (31/10 e 01/11) e Campinas (02 e 03/11) com Pai & Filho. Como diria Riobaldo “O diabo na rua, no meio do redemoinho...”.
 

sexta-feira, 25 de outubro de 2013

A carreira e o reconhecimento

Foto de Ayrton Valle
No mesmo caminho de Pai & Filho, Velhos Caem do Céu Como Canivestes participará da 8ª Aldeia Sesc Guajajara de Artes, na sede da Pequena Companhia, domingo, dia 27, às 19h, com distribuição gratuita de ingressos a partir das 18h.

Da mesma maneira, circularemos por algumas das cidades do interior do estado, concluindo assim a temporada de estreia do espetáculo. Depois, ainda nos restará participar da Semana de Teatro do Maranhão. Além disso, o mundo.

Esse reconhecimento reforma uma ideia antiga da necessidade da aceitação dos outros, que conjugada ao desejo de compartilhar o nosso fazer/dizer, faz do nosso tempo um tempo de colheita. A safra será recorde, pois cremos estar no caminho adequado à nossa proposta.

Entre o desejo e a obrigação, o público acolhe, reconhece, se diverte e fortalece o teatro produzido no estado. Não dá para ficar indiferente.

quarta-feira, 23 de outubro de 2013

Pequena máscara


As parcerias são um importante mecanismo para o surgimento, amadurecimento e consolidação de coletivos teatrais. Na estreia de “Velhos caem do céu como canivetes” tivemos a grata surpresa de receber a Cia. A Máscara de Teatro e alguns integrantes da Cia. Pão Doce, ambas de Mossoró. A Máscara é uma velha parceira nossa, para ela dirigi Medeia e Deus Danado, espetáculos que já se apresentaram em Imperatriz e São Luís, respectivamente.  A parceria se estabeleceu pela espontânea empatia com seus membros atuais – Tony, Luciana Jeyzon e Damásio – e outros parceiros que trilharam caminhos diferentes. Intercâmbio entre amigos que tem o amor como alicerce. Estabelecido o vínculo, os ecos de qualquer parceria permanecerão reverberando ad infinitum. Não foi diferente nesta fabulosa visita. Junto com a surpresa – parece que fui o único verdadeiramente surpreendido, pois Katia, Morgana e Neto conspiravam sob minhas narinas, e Jorge e Cláudio desconfiavam da visita – veio a notícia de que A Máscara está em processo de montagem do espetáculo “Dois”, texto meu que consta na dramaturgia reunida disponível para a venda neste blog. Esse mesmo texto já havia sido objeto de uma leitura dramática para um projeto dos queridos Clowns de Shakespeare. Será o segundo texto meu encenado por outra Cia. – o primeiro é “Memórias de um mau-caráter”, com César Boaes, que consta no repertório da Santa Ignorância Cia. de Artes. Parceiros, companheiros de luta, amigos. Encontros são o alimento do fazer teatral. Artistas que se retroalimentam para fortalecer a teimosa decisão de continuar criando. Aproveitando o centenário: a vida é a arte do encontro, embora haja tanto desencontro pela vida.
 
P.S.: Os detalhes sobre a montagem de "Dois" (direção, elenco etc.) você pode ler nos comentários que a Cia. deverá escrever nesta postagem, pois não tenho informações suficientes. Escrevam, amigos!

quinta-feira, 17 de outubro de 2013

Sobre o velho

Foto de Ayrton Valle
Ensaios, estreia e algumas apresentações para concluir mais um projeto. O terceiro que monto com direção de Marcelo F., utilizando o Quadro de Antagônicos como procedimento metodológico para composição de personagens. Algumas lições e muitas dúvidas e inquietações. É que o ser não se esgota, e a construção do conhecimento passa por uma série de ações em sequência. E quando não se está satisfeito com o seu trabalho enquanto ator? Qual é a medida? Talvez a percepção que temos do nosso trabalho carrega um acentuado "quê" de exigência desnecessária que acaba por minar as relações internas. 

Sempre gostei de projetos porque eles têm começo, meio e fim. Só que o ser permanece, e mais um processo se avizinha. Ofício, prazer, desejo, sentido de existir, disciplina do método, foco. 

E tudo recai sobre o dia e a noite e a ilusão de que tudo vai bem. Caminhamos em direção à morte e no percurso simulamos o gozo. Ator, aluno, pesquisador (sic), voluntário para a vida. Síndrome de final de ano que chega mais cedo ou resquícios de uma noite mal dormida? Madrugada, percorreremos mais algumas horas de voo para fazermos o que gostamos: teatro. 

Foucaut me aguarda.

domingo, 13 de outubro de 2013

Anjos destroçados entre sonhos de salvação

Foto de Ayrton Valle

Por Sandro Fortes
 
A peça "Velhos caem do céu como canivetes", de Marcelo Flecha, que vi recentemente encenada por Jorge Choairy e Cláudio Marconcine, esses enormes atores no palco da Pequena Companhia de Teatro, toca em tantos temas atuais que se torna uma metáfora singular, e incontornável, a respeito de nós mesmos e de nossa época.
A peça se inspira, com ampla liberdade, num conto de Gabriel Garcia Marquez, e mostra basicamente a dicotomia entre duas personagens antagônicas num cenário arruinado que me lembrou a terra devastada do famoso poema de T. S. Eliot, pano de fundo escolhido para sugerir a tenebrosa miséria humana que será exibida em cena, e tanto a peça quanto aquele poema mostram-nos um mundo em que a cultura humanista da nossa civilização cedeu lugar ao vazio existencial da barbárie contemporânea na qual sobrevivemos sabe Deus como. Um detalhe curioso sobre este cenário de cacarecos e de restos empilhados é que quase tudo nele sutilmente sugere o formato de asas.
Pois asas são aquilo que um dos personagens deseja recuperar. Trata-se de uma figura patética que desabou na terra (como um canivete?) e boa parte da peça desenrola-se sobre a dúvida que a sua figura desperta (é um anjo? um pássaro? um super-homem? Um pobre-diabo?) ao dialogar com outro personagem patético, igualmente decaído, um homem que se afastou da chamada civilização, um ex-artista, que se tornou um esfarrapado faminto remexendo no lixo e que se alimenta de caranguejos ou do que mais aparecer na sua frente. Os questionamentos existenciais das personagens são endereçados também aos distintos membros da plateia e a miséria ali mostrada é, também ela, legítima cosa nostra.
O tema principal é o da queda, em todos os sentidos. Da degradação espiritual, econômica, social, pessoal, civilizatória. Tanto o homem quanto o "anjo" ali expostos são seres que chegaram ao fundo do poço. Anjos caídos, na tradição gnóstica, ou na literatura de um John Milton (Paraíso Perdido), ou num filme como Asas do Desejo, de Wim Wenders, não são mais anjos coisa nenhuma, ou são demônios ou agora meros homens.
E homens, o que somos? Seríamos nós anjos caídos também, vivendo na terra uma condição infernal de degradação material e espiritual, como uma cena de sonambulismo do personagem "humano" sugere? Tais questionamentos parecem ser o propósito das várias hipóteses levantadas e descartadas com muita ironia no jogo travado entre as duas personagens.
Anjos aparecem para nos salvar ou, como escreveu Rilke, "todo anjo é terrível"? Mas que tipo de salvação é possível num mundo dominado pela fome, pela miséria, pela brutalidade, que perdeu toda conexão com o sagrado? Sobreviver em meio à penúria total, junto com a mulher e os filhos, que receberam o legado de nossa miséria? Salvação aqui é escapar da morte de fome.
Neste sentido, a peça de Marcelo Flecha se situa quase como uma alegoria da "morte em vida" nordestina (ou antes, da vida e morte severina), apesar de ser uma obra que aspira ao universal, o autor toca com as duas mãos no regional: sua peça é cara e clara demais como metáfora da penúria própria de quem vive em terras devastadas pela miséria, uma gente como a maranhense, que há tempos amarga as esperanças de melhorias (políticas, econômicas, sociais), mas que ainda sonha, tem fé, aspira à salvação, o que a torna presa fácil do oportunismo político messiânico de alguns, enquanto é assolada e acossada pela precariedade e pela fome de viver.
"Velhos Caem do Céu Como Canivetes" é incisiva e fere fundo ao mostrar a existência como uma queda, um rebaixamento do humano. Como reagiremos, se é que reagiremos, é a grande questão que deixa no ar.

Para as pequenas...

(Pequena Companhia de Teatro e Petite Mort Teatro).
 
Foto de Ayrton Valle
 
Como dois e dois a teatralidade movimenta a cena local

Como num "tempo de alegria, como dois e dois são quatro, sei que a arte vale a pena, mesmo que o pão seja caro e a liberdade pequena". Com esses versos de Ferreira Gullar, referencio dois acontecimentos, duas estreias, dois atores, dois diretores, dois dramaturgos, duas obras.

Em meio à realização da calorosa e bem sucedida edição da Feira do Livro, 2013, duas grandes estreias marcaram a cena teatral: Dona Derrisão, do Petite Mort Teatro e Velhos Caem do Céu como Canivetes, da Pequena Companhia de Teatro.
Com dramaturgia original, ambas escritas pelos próprios dramaturgos-diretores dos espetáculos, Igor Nascimento e Marcelo Flecha, a temática, falas e diálogos, inspiradas em contos, cotidiano e inspirações diversas, reverberam no público, que reage seja com um sorriso de identificação da causa, seja com associação de imagens mentais que relacionam a voz poética dos atores com fatos reais e luta diária pela sobrevivência, pela valorização da arte, pelo respeito ao outro, pela criação de um sentido para a vida e principalmente, pela aceitação de um fim, de uma inevitável morte como etapa da vida.
Assim compactuam Igor Nascimento e Marcelo Flecha nas suas mais recentes inaugurações. Os dois diretores – dramaturgos colocam em cena dois atores que fazem uso de uma poética do corpo e da voz, através da construção de uma corporeidade teatral fundada nos opostos, contenção e expansão, vigor e suavidade, que na pesquisa da Pequena Companhia segue o caminho dos antagonismos como procedimento criativo e na Petite Mort, dos afastamentos e aproximações.
Dois atores dialogam entre si. Em Velhos Caem do Céu como canivetes, os diálogos concentram-se entre os dois personagens, o humano e o alado, sem falas diretas para a plateia que assiste a tudo pelo “buraco da fechadura”. Em Dona Derrisão, os diálogos são compartilhados com o público, na proposta de aproximação e deslocamento por meio dos personagens variados, velho, pop star, velha, paciente, médico, outro, através do jogo de revezamento do ator narrador.
A plasticidade em cena cria uma justaposição do real com o teatral por meio dos elementos utilizados para compor o cenário nos dois espetáculos, fazendo uso da exploração dos elementos da luz, como cor, direção e intensidade assim como da ressignificação de objetos utilitários, domésticos e cotidianos. O ambiente domiciliar e secreto, no espaço íntimo do mendigo, artista e humano, em Velhos Caem do Céu como Canivetes, se contrapõe ao ambiente público, cheios de interrupções, ruídos e interferências da parada de ônibus, em Dona Derrisão.
Diante da teatralidade visual, textual e expressiva, agradeço a essas companhias (Pequena Companhia de Teatro e Petite Mort Teatro), por movimentar um tempo de alegria, um tempo quando a arte vale a pena, mesmo que o pão seja caro e a liberdade Pequena/Petite.
 Gisele Vasconcelos
 

quinta-feira, 10 de outubro de 2013

Ecos espontâneos, caem...


Mais uma surpresa! Só vocês mesmo. Obrigado pelo espetáculo, desde o texto à interpretação dos atores, direção sem comentários e Kátia parabéns também pela produção. Gosto desse barato de entender, achar que entendeu, não entender e depois entender tudo do seu jeito. Muito bom! Quero mais!!!!!!
Laerth Garcez
 
Uma maravilha ver a estreia do novo espetáculo, Flecha! Obrigado pela recepção e parabéns pela plasticidade e pesquisa, evidentes no trabalho! A sede é linda! Abraço à Pequena Companhia de Teatro. EVOÉ!
Raphael Brito
 
Acho que amadureço como espectador, graças a vocês. Tu especialmente foi muito generoso nesta encenação. Mesmo com um grau de dificuldade a mais, a peca permitiu um envolvimento maior de nós por meio de cada personagem...
Hamilton Oliveira
 
Vera Leite resiste às redes sociais, mas me pediu pra transmitir a mensagem de muito obrigado, por ter proporcionado a ela tamanha emoção em assistir seu novo espetáculo.
Vanessa Leite

O olhar de quem nos viu...

Fotos dos debates.

quarta-feira, 9 de outubro de 2013

Ecos espontâneos

por Ayrton Valle

“Assisti no sábado passado ao excelente espetáculo “Velhos caem do céu como canivetes”, nova montagem da Pequena Companhia de Teatro. Com texto e direção de Marcelo Flecha, inspirado no conto de Gabriel García Márquez, Um señor muy viejo con unas alas enormes", a peça aborda temas como o conflito entre a fé, a miséria, o exílio, além da questão das diferenças.
No elenco, Cláudio Marconcine e Jorge Choairy fazem uma performance soberba, onde vivem um ser humano e um ser alado. O cenário é belo e criativo, todo feito de material reciclado e a trilha sonora é suave e envolvente. Vale ressaltar que, não por acaso, a peça ganhou o Prêmio Funarte Myriam Muniz de Teatro.
Outra coisa boa é o surgimento de um novo espaço para pequenas montagens, como esta nova sede da Pequena Companhia de Teatro, Rua do Giz, 295, Praia Grande, Centro.
Grande. Bravo a todos!” 
Márcio Vasconcelos
 
“Parabéns à Pequena Companhia de Teatro, pelas múltiplas sensações, pelo Thaumázein luminoso e das sensações que penetraram minha alma, meio “anoréxica” . Um texto desértico, porque no deserto me encontrei com fome e com sede, onde a dúvida me mantinha viva; perdão, confundi-me com o personagem. A instauração da dúvida, do encontro dúbio, da sonoridade, do grito daquela alma seca, doída. Senti fome, não sei se ele se saciou com o banquete, mas eu o devorei, como comi as imagens que vieram surgindo, com um cenário onde o espaço e o tempo foram sendo descontruídos, onde se externalizou todo o sentido e o não sentido, o véu de maia foi se desvelando mas não queria, eu não queria, mas ele se desfez. O riso, todo o meu riso foi de dor por ver quão miserável somos, carentes de sentimentos, ele quis te tornar mais humano e conseguiu, somos restos de gente, do que sobrou de humanidade. Obrigada pela obra prima, textual e imagética, à qual consegui me transpor. Meus sinceros parabéns!”
Nina Valentina