A melhor
pessoa do mundo é a primeira pessoa do plural: nós. O teatro é a arte do
encontro – sei que algo parecido já foi literatizado. É uma arte coletiva,
feita de partes, de pares. Teatro é o
conjunto, a união, a tessitura e o todo. Tenho o privilégio de trabalhar com
Jorge e Cláudio. De Katia já falei aqui. Atores íntegros, comprometidos,
conscientes. Seres que transformam um coletivo em algo que excede o agrupamento
de artistas com objetivos comuns. Amigos, por excelência. Essas características
peculiares da nossa reunião reverberam na totalidade da obra, porque os ensaios
são a espinha dorsal do nosso processo, do que se pretende, da energia e força
para buscar o que se quer. É no ensaio que tudo se apresenta, se desenha, se
efetiva ou apodrece. Qualquer preconcepção vira argila nas mãos das personagens.
Ideias flutuam para outras concretudes,
problemas viram verdadeiras epifanias, tornando as pedras do caminho matéria-prima
para a construção do que se quer. Os ensaios de Velhos Caem do Céu como
Canivetes não podiam estar melhores: vida pulsante na sala de ensaio da nova
sede. Vigor, disposição, foco. Claro que o início da Terceira Jornada não nos
possibilita arremessar ao longe um resultado, mas vejo o Ser Humano e o Ser
Alado habitando a sala de ensaios, povoando nosso imaginário, construindo o elo
com o espectador, dimensionando o conflito entre personagens ímpares. Ainda não
sabemos bem onde estão ou como são, mas sabemos que estão lá. Sejam bem-vindos.
domingo, 30 de junho de 2013
sexta-feira, 28 de junho de 2013
Perfil
Foto de Marcelo F. |
Quando selecionamos o antagônico-guia para a personagem e a partir de então nos exercitamos nessa opção, o corpo vai se moldando de acordo com as exigências da escolha. Esse corpo modelado chamamos de perfil. Assim, estamos na fase de modelagem do perfil, em que o antagônico-guia é exigido a provar se é forte o suficiente para as situações/movimentos que as outras dramaturgias exigem. Quanto mais o tempo passa, mais constato que o perfil se formaliza no movimento, que mesmo com o corpo em não-movimento, a sensação da energia no espaço permanece. O corpo é inteligente e vai se formalizando, alterando o seu estado. Corpo expressivo, extra-cotidiano, pulsante, vivo, acrescentando significados, modificando formas. Momento de criação. Se o ator está disponível funciona como uma grande brincadeira, um jogo em que as regras mais ampliam do que limitam. Há prazer no que fazemos.
domingo, 23 de junho de 2013
Condição ou profissão?
O
querido amigo virtual Alberto Júnior me tuitou perguntando (pois é, tenho Twitter
e você nem sabia): ser artista é uma condição ou profissão? A resposta
imediata que me veio à cabeça foi: uma condição que exige profissão. Uma
condição porque ser artista vai muito além do ofício. A visceralidade da arte
rompe a barreira do tempo, do ponto, do horário, do protocolo social, da
equação entre desempenho e remuneração, da hierarquia, da jornada de trabalho, dessa
série de fatores organizacionais que qualquer profissão demanda e que vão de
encontro ao caos criativo necessário para a produção artística. No entanto,
para ser artista, a contemporaneidade exige um profissionalismo capital que
demanda, do romântico modelo marginal de artistas do passado, um enquadramento e
rigor de produção, sob pena de ser massacrado pela produção medíocre, porém,
abundante do melhor artista da semana.
Foto de Katia Lopes, média de Marcelo Flecha |
domingo, 16 de junho de 2013
Manifesto antropomórfico
Fazer
teatro é fazer política. É entender e questionar, ao mesmo tempo, o mundo em
que se vive, seus abismos e fronteiras. Sim, porque se não há um abismo que
impeça nossa passagem haverá uma fronteira para nos impedir. O teatro não deve
pedir passagem, ele deve arrombar as porteiras e destruir os muros da
intolerância, do preconceito, da pasteurização, da condescendência com a
mediocridade, do cinismo, da desilusão. Veja que o verbo usado é “dever”, e
não “poder”. O teatro não pode se dar ao
luxo de escolher se agora ou daqui a pouco, ele deve ser sempre o instrumento
transgressor que todo conservador abomina. Estou cansado de ver o teatro ser
usado como instrumento multiplicador dessas mesmas coisas que deveria combater. Política. Mesmo que você não
saiba, se você está fazendo teatro está fazendo política. Está tomando uma
posição, mesmo sem saber. Está construindo ou destruindo, mesmo sem ter
consciência disso. Se você faz teatro você está dizendo se a miséria é uma
provação de deus ou se é escrotidão humana. Se você faz teatro você está dizendo
se homo sapiens, homossexual, homonímia ou homofóbico. Se você faz teatro você
está marcando um posicionamento perante a sociedade, desqualificando o
inqualificável ou desobedecendo a métrica. Se você faz teatro você está, mesmo
que não tenha o menor conhecimento disso, discutindo religião, arte, futebol, gênero,
economia, opressão ou o sexo dos anjos. Portanto, tenha mais cuidado com a
forma como você trata o teatro.
sexta-feira, 14 de junho de 2013
É só impressão
Foto de André Lucap |
De certo que nada existe de novo, de inédito. Tentamos remendar, reorganizar o pensamento e as coisas. Assim é o mundo a partir de nossa insatisfação.
Quando a história do autor é contada pelos livros, a do pintor o é pelas suas telas - qualquer artista é reconhecido por sua obra.
Conceituar artista e obra o tempo dita. Se se conhece a obra em construção de um artista contemporâneo é porque se gosta e acompanha sua trajetória. O contrário disso é a satisfação ou desapontamento pelo recorte.
Estamos fazendo história quando percebemos que é o segundo espetáculo em que eu e Jorge C. contracenamos. Queremos chegar a um número que satisfaça aos quatro membros da Pequena. Esse é o jogo. O céu continua a ser o limite.
O passo de hoje foi a definição do antagônico-guia das personagens. A partir de segunda seguimos com a jornada dramatúrgica dos atores. Contaremos nossa história para aqueles que quererão acompanhá-la.
domingo, 9 de junho de 2013
Velhos e a estética do feio
A
montagem de Velhos caem do céu como canivetes vem possibilitando o
aprofundamento no que se denominou anteriormente aqui como a estética do feio.
O desafio está em não tornar o feio bonito, e sim, mantê-lo feio e
interessante. Explico: o Ser Humano, anti-herói do novo espetáculo, é um
catador de lixo e pretenso artista plástico, medíocre e frustrado. A qualidade
estética do espetáculo deverá ou deveria acompanhar essa premissa sem
escorregar para um abrandamento estético que dilua seu estranhamento e favoreça
a aceitação visual do olhar padronizado – olhar acostumado à admiração do belo
e à censura do feio. O resultado precisa estar no limiar desse paradigma,
deslocando o olhar do espectador para um lugar novo, onde o visto reverbere no
humano ser, sem o apelo insípido do belo. Contudo, a encenação deve também
oferecer uma unidade estética que potencialize as três dramaturgias que
costumamos chamar de capitais, oriundas do tripé autor → ator ← encenador. Para
tal, a obviedade de um caleidoscópio sujo, gritante e desconexo apresentaria um
resultado meramente estético e de pouco valor dramatológico. Limiar. Essa é a
palavra. O difícil trânsito pelo limite, pela beira, pela borda, pela margem.
Difícil tarefa. Como todas são quando o tratado é o ato teatral. Afinal, teorias e
ladainhas à parte, o que você quer ver é um bom espetáculo.
quinta-feira, 6 de junho de 2013
Bufão
O grande dilema entre o que querem que você seja, o que você é; o que você aceita e o que rejeita, renega.
Do que somos feitos? O que queremos? Os prazeres?
Semana de resguardo em detrimento de mudanças climáticas mundanas. Desfaz-se o jogo e recomeça a vida. A roda da fortuna, diriam. A garganta inflamada lê a notícia de que Michael Douglas nega que atribuiu câncer a sexo. É preciso assistir ao Faroeste Caboclo para me sentir melhor. Uma outra viagem e sem alucinógenos e o corpo distante dos abraços e beijos. Processos são assim. Em dado momento, imersão; em outros, distração.
domingo, 2 de junho de 2013
Procedimento de montagem – As Jornadas
Estamos perto de finalizar a Segunda Jornada do
processo de montagem do espetáculo Velhos Caem do Céu como Canivetes.
Na Primeira Jornada, que chamamos de
Pré-expressiva, utilizamos o Quadro de Antagônicos para o aprimoramento do ator,
visando o alargamento do seu repertório sem nenhum compromisso com a nova
encenação. É um período de investigação e experimentação corpórea,
que não tem por objetivo o desenvolvimento de parâmetros expressivos, e sim a
percepção da totalidade do corpo, seu funcionamento, suas extensões e limites. Momento de treinamento por excelência.
Na Segunda Jornada, que chamamos de Expressiva, nos
valemos do mesmo instrumento, porém, com outro foco, a expressividade. O Quadro
de Antagônicos é operado na busca da construção das personagens, através de
experimentações físico-rítmico-energéticas. Os atores buscam os perfis das
personagens a serem construídas através do experimento e descarte de
antagônicos, como Cláudio tratou aqui. Depois de quarenta ensaios o fim desta
jornada se aproxima com bons sinais de expressividade para o Ser Alado e o Ser Humano.
Das duas jornadas anteriores procede a última, denominada Jornada Dramatúrgica. As personagens
passam a experimentar seus perfis e a aumentar a produção de dramaturgia atoral
– que inclui a construção da cena através da experimentação no espaço
de conflito. Nesta jornada soma-se o texto, que passa a ser inserido
concomitantemente aos experimentos na busca de referências
para a montagem. Aqui é exigida dos atores a maior potência criativa e
creio ser a jornada mais prazerosa de todas, pois é dela que resulta a cena que
você vê. Trocando em miúdos, é mais ou menos isso. Bem mais do que menos, se
levarmos em conta as horas de trabalho, as gotas de suor e a inesgotável fonte
de incertezas que habita qualquer nova encenação.
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