domingo, 2 de dezembro de 2012

O estrangeiro

Estamos prestes a embarcar para Buenos Aires, minha cidade natal. Meia companhia, Katia e eu. Ainda não é com Pai & Filho, mas será, espero que em breve. Férias, depois de um ano produtivo. Tempo para rever parentes, amigos e oportunidade para estreitar laços teatrais. A possibilidade de retorno sempre me provoca certo desconforto. Depois de trinta e cinco anos, a cidade não me pertence mais. A sensação de pertencimento sempre me foi dificultada pela precoce saída de um país para o outro. É a impressão de ser estrangeiro em qualquer parte. A reflexão em forma de poema que segue trata do assunto.
 
 
Passagem
 
para onde meus restos?
 
desabitado estarei
entregue à sorte
sem país ou povo
neste exílio eterno
a sete palmos do fogo
vestindo madeira
sob mármore dado
privado do mínimo
imóvel à distância
instalado em ossos
ocupando lugar
 
repatriado pro nada
desterrado e morto
estorvando os outros
distante dos meus
deixados pra sempre
nos ventres negados
nas vagas do mundo
albergue transitório
onde o passo afasta
a paisagem vasta
do que chamam lar
 
o andar castrado
os cabelos presos
unhas sobre a pele
caixão de matéria
sem destino exato
transcendência turva
em poemas parcos
digitais sem nome
falsa intensidade
no varal errante
devendo calar
 
pobre na miséria
os dentes cariados
homem racionado
tapete de mágoas
sem rumo sem guia
dividido em lascas
pouca identidade
nunca tive pátria
negado por todos
não vi minha terra
sobrou este corpo
  
quem quer enterrar?

4 comentários:

André disse...

Não é poeta? Sei... ;)

Sandro Fortes disse...

É poeta e dos bons.

Hamilton disse...

Vixe! Tu é poeta mesmo cara! Que coisa funesta e linda!

Marcelo Flecha disse...

Sim, sim, como é bom ter amigos (risos)...