domingo, 7 de outubro de 2012

Plateias & plateias


Este escritor que vos fala, mais ensaísta que cronista, enfadonho por opção, tem ouvido comentários, lamentos e manifestações a respeito da ausência de público para as artes em São Luís. Vou na contramão do discurso. Sentença: essas são nossas plateias. Inteligentes, assíduas, ávidas e de dez, cinco, quinze, sete, trinta espectadores. Quem é que ainda não entendeu isso? Fazemos teatro (música, dança, artes visuais) para essas pessoas. Há tempos que a Pequena Companhia de Teatro monta espetáculos com lotação máxima de quarenta, cinquenta espectadores, essencialmente por conhecer essa realidade. O que fazemos, eu, você, todos nós, não trará transformações no número de espectadores hoje, nem amanhã, nem depois. Estamos trabalhando para mudar as coisas a longo prazo, daqui a cinquenta anos. Essa é nossa função. Esses cinco espectadores não se tornarão cinquenta amanhã, nem quinhentos depois de amanhã. Mas são nossas ações que viabilizarão as plateias de quinhentos espectadores para os artistas que virão nas próximas décadas, não tenho a menor dúvida. Essa é nossa missão. Enquanto “Gaviões” do Forró coloca sessenta mil espectadores em um único dia, Pai & Filho fez mais de oitenta apresentações para conseguir seis mil. Benza deus! Porque, com O Acompanhamento, meia década atrás, nos divertíamos contando plateias de cinco, três, sete ou nenhuma pessoa. Contudo, essa falta nunca foi problema, só nos auxiliava a refletir sobre nossa realidade, a reafirmar nosso compromisso. O que não tem preço é o delicioso retorno qualitativo que esses espectadores nos dão. É com essas pessoas que dialogamos. São essas pessoas que estão vivas, pulsantes e comprometidas com essa transformação. São elas que ressignificam nossa obra. São elas que querem nos ouvir. São elas as responsáveis pela multiplicação de espectadores no futuro. Aproveitemo-las. A nova sede da Pequena Companhia de Teatro abrirá suas portas para essa plateia e, novamente, não ultrapassará os quarenta lugares, portanto, reserve seu ingresso. Esse é o nosso legado. Quem ainda não entendeu isso, ainda não entendeu seu ofício. O lamento só trará espectadores por compaixão, e a pena funciona melhor como instrumento de escrita. Agora, se queremos discutir os motivos sociopolítico-culturais dessa realidade, aí sim, vale a pena usar a pena, em reflexões, ensaios, tratados ou na tradicional conversa de boteco.

8 comentários:

Hamilton disse...

Marcelo, você foi sumário e definitivo. É isso! Vou ecoar suas palavras por aí...

Marcelo Flecha disse...

Por que você não vem e(s)coar o seu cérebro aqui em casa, que estou com saudades?

Alberto Júnior disse...

Entendamos nossos espaços culturais e públicos aqui no Maranhão.
Não que seja uma questão de eterna falta de público ou público minguado.
O que se espera dos artistas é um comprometimento com sua própria arte.
Artistas têm que ser como pavões: exibirem suas coloridas penas nem que seja para si mesmo. Haverá alguém para aplaudir mesmo que silenciosamente. Arte deve seguir seu curso independente de mercado.
E respeito muito quem leva isso a sério. É questão de vocação

Foi isso que comentei no Facebook, Marcelo.

Abraço

Alberto Júnior

Giba disse...

Meu caro amigo,
Deveras a questão é por demais provocadora de reflexões, papos infindáveis e escritas (que por preguiça) não são efetivadas. Mas vamos lá:

1.O incansável lamento é histórico e, por vezes insuportável. O é, pelo simples fato que, normalmente, quem tanto lamenta é o primeiro a exercer o ofício da ausência. Já se dizia nos cafundós da Paraíba: "Mamar na égua todo mundo quer, mas ser a égua é que o problema".
2. No mercado e de mercadoria a arte, definitivamente, não passa ilesa. Ela foi e continua sendo reflexo do entorno (ora como insurgência ora como cumplicidade). Se antes (e até hoje)era comum afirmar, de forma dolorosa e acusatória: "Temos os políticos que mereceremos"; a substituição 'políticos' por 'artes' não deixa de ter sua validade/questionamento. Porém, um pensar sobre, nos ares dos tempos atuais, é querer transformar um silencioso suspiro em um estrondoso grito. Tudo, tão facilmente, cansa, exaure, entedia; se tornaram meras questões ultrapassadas, diria a grande maioria dos vitimados 'fazedores culturais'.
3. A falta que serve como lamento, dificilmente se impõe como reflexão. Pois, tal ação exige a olhar para as suas próprias feridas/chagas.

O que de fato está sendo produzido e que se denomina como expressão artística/arte não é, na sua grande maioria, um mero petisco para que a arte deixe, definitivamente, de desempenhar o seu papel de transgressora das coisas do mundo?

Até que ponto a autodenominada “arte transgressora”, efetivada nos tempos atuais, não é um mero aperitivo para ‘desfuncionalizar’ a própria arte, torná-la um mero móbile a ser exposto na sala de jantar?

Que sei eu?!

Indignado ainda persisto resistir, pelo menos, no pensar.

Alberto Júnior disse...

aí parece uma classificação das artes: a arte baixa, média e alta.
até um suspiro pode ser transgressor, dependendo do contexto.
então, acho que tudo vale a pena.
em vez de reclamação, vamos de exclamação, não é mesmo?
aquilo lá de vocação, que falei, não é serve como moto-contínuo?

(é que tô ouvindo chico cantando aqui "um homem pode ir ao fundo do fundo do fundo")

não cabe pra arte?

abraços ad infinitum

Vagalume - Literatura, Arte e Cultura disse...

poxa Marcelo Flecha, muito legal ler o seu post. Passamos há pouco tempo por algo bem parecido. Vc já deve ter ouvido falar do BR 135, o projeto de música encabeçado pelo Criolina. Pois sim, ouvi várias vezes: não tem público, não deu ninguém. Mas, em vários shows, às vezes, domingo às 23h, 23h30 da noite estava lá as pessoas aguardando para ver o artista tocar. Claro, que pode não ser a quantidade aguardada, mas acredito que devemos respeitar o público que existe, e não lamentar o que não foi.

Marcelo Flecha disse...

Meus apelos foram ouvidos! Comentários do face migrando para o blog... confesso que carreguei a tinta nas súplicas e, contrariando o post, a migração foi por pura pena (risos)... tendo a ficar com o Gilberto. Alberto, mesmo que o suspiro seja metafórico, não vejo a pujança essencial da arte (quer seja transgressora ou não) em muita coisa que circula por aí. Mas, conforme sinaliza o post, valem as reflexões enquanto as soluções se revelam.

Vagalume - Literatura, Arte e Cultura disse...

hahahaha, não por pena Marcelo, mas por entendimento dos espaços virtuais. No fundo, estamos mesmo nos bitolando no face. Abraços, virei mais.