Ainda adolescente, ou nem tanto,
quando passava por algum bloqueio criativo, entrava debaixo de uma grande mesa
que havia na pizzaria Tutti Frutti – local onde amassava e assava pizzas
enquanto pensava em Kantor e Grotowski. Essa mudança
inusitada de posição, de perspectiva, de olhar, me auxiliava a ver as coisas de
outra maneira, subverter o ponto de vista, deslocar a estruturação do
pensamento, colapsar o raciocínio lógico. Funcionava. Com o passar do tempo, as
estratégias foram mudando, sempre no intuito de oxigenar a criatividade,
matéria-prima do meu ofício. A arte teatral, como expressão artística, é mais
desafiadora do que qualquer outra. Tudo o que se cria se esvai com a morte do
espetáculo e o que fica não supera uma amena lembrança. O golpe criativo de um
cineasta perpetua-se. Mesmo sendo medíocre, bastará um único lampejo, que o
eleve à condição de realizar um filme significativo, para consagrá-lo. A
revolução criativa de um escritor será lida por séculos. Se o autor não for
genial, ainda assim, sua obra será "não lida" por séculos. Todavia, nenhum jovem
espectador poderá dizer que respirou a genialidade de Victor García, no máximo ouviu falar
ou contemplou algumas estáticas imagens fotográficas. No teatro, a criatividade
sempre será exigida quantitativamente, porque uma peça nada mais é do que a
anterior à próxima, demandando do artista um vigor criativo
continuado. Para manter o frescor inventivo, sempre me dispus, mesmo que
fosse debaixo de uma mesa. Sei que, entre os leitores, há alguns jovens teatreiros com
opiniões inexoráveis. Estejam atentos à ruptura, à mudança de rota, aos
desafios de se reinventar, de surpreender a si. Mantenham-se fecundos para
poder permanecer produzindo sempre, senão padecerão no inferno do esquecimento
ou no purgatório da lembrança, contudo, padecerão. No teatro, só atinge o céu
quem caminha permanentemente.
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2 comentários:
Eu ainda tô pelejando pra ser criativo, mas tá difícil.
Beijos.
Saudades, tô sempre lendo esse cantinho.
Xico Cruz
Variando um pouco o assunto dentro do que foi abordado, e pensando na arte musical, a gravação em disco criou a possibilidade de congelar momentos performáticos para a posteridade... alguns artistas são ouvidos assim: "o Gilberto Gil da década de 1970".. É quase outra pessoa, outro ele mesmo... essa situação é mais paradoxal quando se trata dos registros de "ao vivo". Ao contrário do estúdio, o palco (ou o estúdio de gravações ao vivo) proporciona situações irrepetíveis, mas reprodutíveis pela gravação... por sabermos que são momentos únicos, essas gravações de performances ao vivo tornam-se valiosíssimas em nossa cultura... particularmente quando se trata de artistas que surpreendem a todos em cada nova performance, como Charles Mingus no álbum Mingus Dynasty: exemplo de experiência irrepetível, mas pelo menos de registro reprodutível...
Mas na música, para certos artístas, e creio que para certo público também, a experiência única e efêmera é mais envolvente do que qualquer outra...
Ainda em pleno vigor produtivo, Mingus adoeceu e ficou numa cadeira de rodas e sem poder tocar seus instrumentos... ô castigo. Imagina o quanto ele ainda poderia caminhar (como você diz Marcelo)...
Felizmente, para ele, não era um homem de teatro, restaram os discos.
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