domingo, 9 de setembro de 2012

Apressado come mais

Há muito tempo ultrapassei a metade da minha vida. Nem o mais otimista dos amigos, que olhasse meu corpo decrépito, poderia pressagiar minha chegada aos oitenta e oito anos, portanto, a descendente já me acompanha há quase uma década – se o otimista agora não sou eu, pretendendo galgar os setenta. No ponto em que me encontro, só consigo ruminar o que me falta fazer. Lembro-me de um poema que tratava do que  o poeta não fizera – já resignado. Diferentemente do poeta, minha anciã ansiedade me apresenta espaços, lapsos e promessas. Angustia-me o tempo, e minha pressa não contempla um centésimo dos desejos. Ainda não me tornei cantor de tango. Falta escrever o quíntuplo do que produzi até hoje. Não conheci Cuba. O que encenei é uma piada de mau gosto para a presunção de um ser que se autoproclama homem de teatro. Até que idade é possível ser um toureiro? Não vou falar de livros, morrerei sem ler noventa e nove por cento do que gostaria. Não corri da polícia, ou corri? Preciso urgentemente comer um foie gras. Nunca fui ao Louvre... Como alguém pode se satisfazer com um livro, um filho e uma árvore? Envelheço e mereço. Adoro o preço. A única desvantagem é a redução do tempo para realizar o que falta. Prometi para Katia não me vangloriar mais da minha vetustez. Depois desta crônica, pararei. Inocentemente, nunca percebi que, ao enaltecer a velhice, carregava minha companheira comigo: que mulher pode almejar isso? Como ela costuma dizer: velho é você, não me leve junto!

3 comentários:

Hamilton disse...

Para cantar tango vai precisar de acompanhamento. Qual é o teu tom?
bjo

Marcelo Flecha disse...

Se eu depender de um baixo, estou lascado!! (Risos)

Hamilton disse...

kkkk... mas olha que um baixo, suave ou enérgico, é inigualavelmente profundo! Quando é que eu vou aí fazer uns arpejos? :)