domingo, 30 de setembro de 2012

A nova sede da Pequena Companhia de Teatro

 

“O problema da herança em vida é testemunhar o mau uso dos herdeiros”. Enquanto cunhava a frase, pensava no momento mais importante da minha carreira. A foto do prédio aí em cima é a nova sede da Pequena Companhia de Teatro. Em janeiro completo quarenta e cinco anos. Mais de vinte e cinco dedicados ao teatro. Com pouco menos dessa idade, meu pai chegava a Balsas, oriundo de Buenos Aires. De lá para cá ele soma mais de trinta e cinco anos de trabalho. Tenho outra frase que diz, “É uma relação de amor e ódio. Tudo o que tenho foi o teatro que me deu, porém, tudo o que não tenho também foi o teatro que me deu”. Agora, tenho tudo o que o teatro me deu, e o que o teatro não me deu, meu pai se encarregou de dar. Segundo ele, é de direito, por todos os anos dedicados de sacrifício e de trabalho. Papo para boi dormir. Minha contribuição para esse patrimônio soma alguns períodos na frente de um forno, uns dias atrás de uma plantadeira ou perseguindo uma colheitadeira, um frango vendido aqui, um boi perdido acolá (piada interna). Talvez, a principal contribuição tenha sido não consumir nada desse patrimônio nestes últimos dezessete anos vividos exclusivamente de teatro. Hoje, a recompensa, que, para mim, nada mais é do que o maior presente que um pai pode dar para um filho: a realização de um sonho. Apesar da jocosa frase que abre esta postagem, vejo no semblante do meu pai uma profunda e sincera alegria. Mesmo sabendo que, para ele, o melhor destino para o prédio seria uma bela pizzaria!

sexta-feira, 28 de setembro de 2012

Beckett? Artaud? Extracotidiano?


Quem sentencia a dor é o corpo. Quem relembra a dor é a facilidade da lembrança do corpo ou da mente. Construímos nosso registro a partir do que experienciamos e não dá para fugir disso. O que fazemos, executamos, não se inventa. Constrói-se a partir do nosso repertório. Ninguém inventa nada. O que apresentamos é o resultado de algo que ficou, plasmou-se em nós. Quando dos debates após as apresentações, ligo os pontos. Tudo faz um sentido enorme nas falas dos espectadores. O que eles decodificam é parte do que viveram e parte daquilo que expomos. A felicidade se reside nos pequenos momentos que percebo e me reconheço no outro.

domingo, 23 de setembro de 2012

Realidade & Ficção


Estou propenso a crer que a verdade do artista só se efetiva se falar daquilo que o sangra. Singrar por oceanos embevecidos da própria vida. O olhar exterior, analítico, diz sobre a coisa, mas não é a própria. Falar do que não nos toca pode ser útil, todavia, pouco crível. Essa reflexão surgiu com a montagem de Pai & Filho e, hoje, reverbera. Apesar da ficção, a obra se interliga nevralgicamente comigo. Em Velhos caem do céu como canivetes a sensação se assemelha. Seremos, nós, os narradores? Indagava Gilberto, no nosso último encontro. Suspeito que sim. Sempre (?). Mesmo sem querer admitir, para parecermos mais inventivos. Não falo de (auto) biografismos. Digo da sutil tessitura da escrita artística. Uma obra, mesmo que arrancada das mãos, guarda as digitais do autor. Depois da obra lançada, o artista pouco importa, contudo, engana-se o público ao acreditar na pureza da ficção? Sempre recusei a comparação entre vida e obra, por estar na ficção o fascínio da arte – apesar de a experiência artística sempre me oportunizar a chance de pensar sobre. Não devia tocar no assunto, pois carece de uma reflexão mais aguçada. Perdoem-me o hermetismo da abordagem, às vezes é inevitável... Reflexão em processo.

quinta-feira, 20 de setembro de 2012

O fazer; o ver; o rever

Faço teatro. Fiz teatro. Vi e vejo espetáculos. Conheci e revejo pessoas. O teatro é espaço de encontro. E de reencontros. Nada de desencontros. Quem faz teatro nunca está só. Não há despedidas. Rever amigos que moram distantes de nós é privilégio de poucos. Sei que faço teatro porque revejo amigos em cena e fora dela, mas sempre gente de teatro. Incluo aí também os espectadores. Mesmo sendo poucos, essa "pouquidão" é efetiva e existe. Encontra-se espalhada pelo país, fora dele, e que nunca morre. A cada reencontro a certeza do que se faz. Nesses momentos sinto orgulho de mim. Momento meu em que o reconhecimento torna-se merecido. Mereço os encontros e reencontros que tenho, as pessoas que povoam minha vida. Este ano é particularmente significativo nesse aspecto. Circular é celebrar a vida.

domingo, 16 de setembro de 2012

4ª Jornada – Porto Velho/RO


Jornada de tiro curto. Três dias fora, e já estamos de volta. Mais tempo viajando que aproveitando a acolhedora capital rondoniense. Muitos realces para poucos dias. O Teatro 1, do SESC Esplanada, uma espécie de sala multiuso que comporta duzentas e cinquenta pessoas, foi generoso e abrigou em todas as escadas, no mínimo, outros quarenta espectadores.  O Palco Giratório nos oferece a experiência de casas lotadas, um perigo para quem deverá se readaptar às nossas fiéis plateias de quinze ou vinte pessoas (risos) – Pai & Filho vem aí com temporada regular em São Luís. Um público entusiasmado e franco. Assim como no Teatro Laura Alvim, no Rio, riram muito (?). Reações curiosas, que variam de plateia para plateia, apresentando uma oscilação assustadora. Inevitável refletir sobre a possibilidade de o espetáculo variar tanto quanto as plateias. Não percebo assim, mas estou atento. A apresentação foi sólida, desfrutada, e revelou alguns nuances no conflito/jogo/duelo entre as personagens que até então não haviam aparecido, auxiliando na robustez da cena. É intrigante perceber como, apesar do rigor formal, ainda é possível amadurecer e melhorar um espetáculo que passa das oitenta apresentações. O mimo da jornada ficou a cargo da Cia. de Teatro Mosaico, da qual faz parte o queridíssimo Sandro Lucose. Tivemos a oportunidade de ver Anjo Negro, de Nelson Rodrigues, que também circula pela Rede SESC de Difusão e Intercâmbio das Artes Cênicas. Um espetáculo corajoso e instigante. Tão bom quanto o espetáculo, a possibilidade de conversar-discutir-refletir-analisar a vida teatrista, em esbarradas curtas e informais, típicas de duas Cia. que se cruzam no pleno exercício do seu ofício. Alegrias múltiplas para dias contados. Continuo grato à sorte, eu, um incrédulo.

sexta-feira, 14 de setembro de 2012

Velho jargão

Andaime Cia. de TeatroHá Teatro de Grupo aos borbotões. Estou conhecendo alguns tantos por causa da circulação de Pai & Filho. Cada um deles tem uma composição particular. Poucos se sustentam financeiramente com o teatro - somente e tão somente. Os que mantêm uma pesquisa permanente de linguagem e os que experimentam. Gosto de dizer que teatro é ofício, e que os artistas são profissionais como quaisquer outros quando se propõem a viver exclusivamente com a sua arte/ofício. Sindicalizar-se é dar a arte um outro status. Tenho um amigo que conseguia dividir o que era ofício e o que era arte, processo, projeto sério, que de fato queria fazer - isso nas artes visuais. O que se aproximaria disso nas artes cênicas, no teatro especificamente? Quando nos corrompemos? Acho que estou ficando doente.

domingo, 9 de setembro de 2012

Apressado come mais

Há muito tempo ultrapassei a metade da minha vida. Nem o mais otimista dos amigos, que olhasse meu corpo decrépito, poderia pressagiar minha chegada aos oitenta e oito anos, portanto, a descendente já me acompanha há quase uma década – se o otimista agora não sou eu, pretendendo galgar os setenta. No ponto em que me encontro, só consigo ruminar o que me falta fazer. Lembro-me de um poema que tratava do que  o poeta não fizera – já resignado. Diferentemente do poeta, minha anciã ansiedade me apresenta espaços, lapsos e promessas. Angustia-me o tempo, e minha pressa não contempla um centésimo dos desejos. Ainda não me tornei cantor de tango. Falta escrever o quíntuplo do que produzi até hoje. Não conheci Cuba. O que encenei é uma piada de mau gosto para a presunção de um ser que se autoproclama homem de teatro. Até que idade é possível ser um toureiro? Não vou falar de livros, morrerei sem ler noventa e nove por cento do que gostaria. Não corri da polícia, ou corri? Preciso urgentemente comer um foie gras. Nunca fui ao Louvre... Como alguém pode se satisfazer com um livro, um filho e uma árvore? Envelheço e mereço. Adoro o preço. A única desvantagem é a redução do tempo para realizar o que falta. Prometi para Katia não me vangloriar mais da minha vetustez. Depois desta crônica, pararei. Inocentemente, nunca percebi que, ao enaltecer a velhice, carregava minha companheira comigo: que mulher pode almejar isso? Como ela costuma dizer: velho é você, não me leve junto!

domingo, 2 de setembro de 2012

Olho no livro


Levei um soco da tese de doutorado do amigo Gilberto Freire de Santana. Injusto, pois eu já lera o escrito. Um soco. Literalmente. O livro caiu de cima da estante direto no meu olho. Inchou. O soco metafórico aconteceu bem antes, enquanto lia cada capítulo que o autor me mandava em doses homeopáticas. Dentre as coisas que mais gosto de fazer na vida estão: ler e pensar. Logo, o fato não passou despercebido. Fiquei me questionando: não estaria na hora de toda a literatura impressa do mundo se rebelar contra os homens? Se cada livro que você deixa, por anos, estacionado em uma prateleira, esperando uma leitura, se arremessasse ferozmente contra o seu corpo, talvez ele tivesse uma chance. Na primeira vez, poderia parecer acidente. Na segunda, você duvidaria. Na terceira, correria de casa assustado ou pararia para lhe dar a devida atenção. Não consigo mensurar o quanto a vida pode ser insuportável sem uma boa leitura. Por que o mundo se distancia do livro? Hoje sei quem são os culpados. Eles. Os livros! Sua passividade, paciência, perseverança. Eles esperam, e só. Deveriam se rebelar! Pular das estantes! Perseguir seus leitores! Uma revolução livreira! A antiga revolução silenciosa provocada pela abertura de um livro – revolução que tanto transformou este mundo – não funciona mais! Cabe aos livros arregimentar seus leitores na marra! Portanto, se você passar por uma estante repleta de publicações e permanecer imune, mantenha distância. Um livro pode querer a sua atenção, e a consequência pode ser um olho roxo.