sábado, 26 de maio de 2012

O gênio detrás da máscara


Por detrás das nossas máscaras, que se expõem nas apresentações, nos debates, nas oficinas, nas entrevistas, nas postagens e fotos deste blog, há uma pessoa desprovida de vaidade artística, que pouco aparece, e que segura todas as nossas rebordoses com paciência de Jô. É membro fundador da pequena companhia de teatro, mesmo sem nunca ter pretendido pisar num palco. Uma figura que acredita mais que todos nós – muito antes do espetáculo Pai & Filho ser defendido no Palco Giratório ela já o dava por contemplado. Única mulher numa trinca de homens chatos, marrentos, maníacos, mimados e machistas – qualidades não necessariamente cabíveis aos três simultaneamente. Com serenidade, ela mata um leão, desossa a carne para o lanche e faz da pele um belíssimo casaco, sem desmanchar o penteado. Convivo com ela há dezesseis anos e jamais me negou uma resposta, mesmo que a pergunta laboral ocorresse na cama, às quatro da manhã, depois de já estar dormindo. Quando digo que o quadro da nossa companhia é um dos mais perfeitos é porque contém uma produtora competente. Sou suspeito para falar, mas falo porque, coincidentemente, estamos no Rio de Janeiro, cidade que viu esta pessoa crescer e onde se encontra parte da sua estimada família. É para isso, para que essa família possa sentir orgulho dessa mulher que põe nos trilhos esta pequena máquina de sonhos. Seu nome é Katia Lopes – como se vocês não soubessem (risos).

sexta-feira, 25 de maio de 2012

Primeira bateria


Oh, que belos companheiros! Como brincam tão ligeiros. Se és covarde, saias da mesa, que a unidade é popular. Primeira bateria: companheiro, vira! Vira, vira, vira, virou!

E termina a primeira jornada do Palco Giratório do Sesc. Retorno a São Luís para uma semana numa cidade que está parada. Vamos engordar o coro dos grevistas, desfazer as malas, limpar a poeira, dormir, namorar, festejar, celebrar. 

Muitas inquietações, nenhuma dúvida, angústias anestesiadas. O tempo está ótimo para fecundar a terra. Pronto para o gozo.

domingo, 20 de maio de 2012

Oito estados, dezesseis cidades e uma certeza


O fim da primeira jornada pelo Palco Giratório se aproxima. O interior do Rio Grande do Sul deixou sua marca em nossos corações – o clima, a comida, a gentiliza das pessoas, as boas apresentações, os teatros. Em Cuiabá, o encontro com o amigo Sandro Lucose que nos levou ao Choppão: a inédita experiência de comer sopa até não poder mais. Feira de Santana foi a única baiana. Em Recife a hilária descoberta de André Macambira, e o Murilo nos apresenta um Brennand monumental e provocador. Vitória vem à mente no abraço de Jadna, Marcelo e Matheus e a possibilidade de mostrar Pai & Filho para amigos distantes. Em Jacarepaguá uma plateia surpreendentemente madura formada por alunos do ESEM. Macapá e o primeiro encontro com o gigante Amazonas – um rio que é um mar. Das Alagoas e de Fortaleza já falei antes, não com menor atenção. Oficinas, pensamentos, espetáculos, debates, detalhes. Detalhes muitos, que ficam. A caótica rotina de circular me seduz, me agrada, me encanta. Tudo é existência. Ermitão que sou, em viagem tudo muda. Me transformo sem querer me transformar. É desejo de ser. É o que sou. Artista. Um artista. Sou artista. É o que escrevo no meu check-in.

Montagem do cenário da peça Pai & Filho em Recife, Pernambuco. Projeto Palco Giratório 2012. Teatro Marco Camarotti - SESC Santo Amaro

sexta-feira, 18 de maio de 2012

Tudo é novidade

Contrariando a máxima do eterno retorno, ultimamente tenho me encontrado em estado de novidade permanente: teatros, público, sentimentos de saudade, desejo, solidão, aeroportos, ritmo, comidas, ausência de determinados tipos de comida. 

Estou em contagem regressiva para retornar a São Luís e organizar determinadas coisas, tentar voltar a uma rotina mesmo sabendo que a duração é somente de 7 dias - pensei ser mais - para que retornemos aos ares em mais uma etapa do Palco Giratório.
Não há queixas, só constatação de questões que fluem a partir dessa distância do cotidiano, do conforto das escolhas diárias, mesmo sabendo que tudo não passa de pose e da ausência de sexo.

segunda-feira, 14 de maio de 2012

Ora, ora

“Arte minha, que está nos palcos,
 Santificai o meu nome.
 Venha a mim o vosso reino.
Seja feita a minha vontade
Assim na terra, como no céu.
O teatro meu de cada dia dai-vos hoje:
Celebrai as minhas virtudes,
Assim como tens ignorado meus truques
Em não cair na tentação e em livrar-me do mal.
Amém-me,
Uns e outros.”
Mantra do Antro de Egos. Conhecem?

quinta-feira, 10 de maio de 2012

Rotina

Numa rotina é mister ser religioso: hora para dormir, comer, acordar, fazer atividade física, ler. Quando se viaja essa rotina inexiste: há uma outra dinâmica - além de mudança de fuso horário - que faz o organismo perder suas referências, o que conduz a uma alteração em seu funcionamento: intestino, sistema imunológico, fadiga, cansaço. 
Foto de Paulo Medeiros (aquecimento em Teotônio Vilela - AL)
A condução de nosso processo antes de irmos para a cena exige uma preparação de 2 horas, sendo que a primeira equivale a um alongamento sistematizado por Marcelo F., seguido de um aquecimento por contato, livre, verbalizando todo o texto do espetáculo. Esse aquecimento oscila entre movimentos aeróbios e anaeróbios. 

Com essa sistematização, queremos dar às apresentações um certo caráter de refinamento e apuro, para que a verdade e a organicidade sejam próximas, semelhantes, entre todas as apresentações. Depois desse processo temos o visagismo, a origem das personagens (15 minutos) e a espera por detrás da porta. 

Nas viagens iniciais da Pequena Companhia de Teatro através do Palco Giratório, percebemos que as apresentações têm oscilado muito nessa verdade, nessa organicidade. Nas duas últimas apresentações tenho buscado alterar esse aquecimento, acrescentando alguns exercícios anaeróbios ao final da série. Percebo, nessas circunstâncias atípicas, que o alongamento tão próximo assim das apresentações mais atrapalha que ajuda e acrescentando a minha virose, o resultado beira a catástrofe.

Muitos fatores alteram nossa performance, como o espaço, a entrada do público, a demora em começar a sessão e o ato de ressonar ou não antes da apresentações. 

As pistas estão à mostra. Exigem resposta.

segunda-feira, 7 de maio de 2012

Teatro brasileiro

Dormia. Enquanto dormia pensava. Estou em Cuiabá. Não no sonho, realmente estou na capital do Mato Grosso. Estamos. Na noite anterior haviamos visto o espetáculo Cabaré, da Cia. de Teatro Faces, de Primavera do Leste. Pensava na pluralidade e nas diferenças do nosso teatro. Do Rio Grande do Norte ao Rio Grande do Sul fazemos teatro de maneiras tão diversas e tão distantes que é difícil compreender e organizar tamanhas diferenças em um único país. Sem perceber, vemos espetáculos de outros estados com distanciamento e sem a menor sensação de pertencimento. Esse teatro é nosso, é brasileiro. O teatro feito no Pará ou no Paraná me pertence, é meu, diz do meu país, de um país continental que mal percebe a sua grandeza. É isso que estão lendo: ufanismo puro. Porém, na maioria das vezes, olhamos para muitas produções de outras regiões com desprezo, desdém e preconceito, obstruindo a possibilidade de compreender que fazem parte de nós, de um total brasileiro de somas, de um ser maior e antropologicamente construído de partes. É claro que não há uma unidade, nem deveria. Somos a somatória de nossas diferenças e não estamos imunes. Vemos o que somos, e se vemos com um olhar imperfeito, revelamos toda a nossa imperfeição.

quinta-feira, 3 de maio de 2012

Quebre a perna

Quando estava com Entrelaços, quebrei literalmente a perna em Imperatriz. Tivemos que desistir da apresentação em São Luís, se não me engano, na Mostra Guajajara. Acabamos nos apresentando no ano seguinte. Hoje, estamos em circulação com Pai & Filho pelo Palco Giratório, promovido/realizado pelo Sesc. Como quebrar a perna?
Ator é de carne e osso. Mesmo que detenha uma técnica primorosa, ele é falho porque é humano. Assim, adoeci em Santa Maria - RS - uma virose - e me pus à cena. O resultado foi a insatisfação de perceber-me... humano e... falho. A sensação de dever não cumprido, de incapacidade de fazer o que se sabe e o que se quer e deseja, como se o corpo não quisesse ou pudesse agir conforme os comandos do cérebro era visível e risível. Somos estúpidos em querer a perfeição em algo tão volátil quanto a vida, quanto o teatro. A insatisfação, por vezes, suplanta e sobrepõe-se ao prazer do ofício. Em um universo de competições, perder é sempre mais enriquecedor se comparado ao ganhar. Em um mundo de celebração, o fato de se mostrar como se é já seria garantia de reconhecimento. 

Amanhã, apresentação em Porto... não tão alegre. Muita merda para mim!