sexta-feira, 30 de março de 2012

Nós e os outros


Quais os nossos limites, os dos nossos amigos e os dos outros? Como equalizamos nossa arte a partir das dificuldades ou outras necessidades que não as nossas, previamente determinadas? Como vemos isso nos amigos e nos demais? Qual a medida?

Sempre percebi uma certa diferença de comportamento e atitude - de minha parte, claro -, quando vejo um espetáculo de amigos e quando vejo espetáculos de outros. O nível de exigência para os primeiros é menor do que para os segundos.

Alguns editais não se encaixam com os nossos propósitos, com a nossa forma e conteúdo de fazer arte, mas somos exigidos a nos enquadrar para conseguir financiamento. Quando o fazemos, diluímos isso na urina. Quando são os desafetos, prostitutos.

Ontem assisti a uma montagem de Otelo em que usavam uma luz mais desenhada, com lanternas inclusive, só que em espaço aberto (não era em uma sala escura) e às 15h. Certamente aquela apresentação que vi não era 10% do espetáculo que eles se propuseram a fazer. 

Como nos relacionamos com nossa exigências dentro de um tempo? A nossa arte sempre vai querer ser imutável, mas nós, os artistas, não podemos comportar essa adjetivação. Conviver com esse dilema pode ter relação direta com o sucesso ou o fracasso. 

Do que falo ainda estou por perceber.

domingo, 25 de março de 2012

Nós e os outros


A atualidade nos revela um sintoma constrangedor: a falta de tempo para o outro. Ensimesmados, apaixonados pelo nosso umbigo, não temos mais paciência com o outro. Fui ao show de André Lucap, mas quem estava lá interessado em ouvi-lo? Bruno Azevedo esteve no Jô, porém, além dos parabéns, quem se deteve para ler sua obra? Eu mesmo, distribuí gratuitamente trezentos livros meus e jamais perguntei a nenhum dos “felizardos” se já o lera, para evitar o constrangimento (risos). Se a peça de teatro for interativa, espere para ver o show dos que vão direto para a primeira fila, esperando ser a bola da vez. Hoje, o espectador, o leitor, o ouvinte, quer mais atenção do que a própria obra que deveria fruir. Queremos visibilidade. Não ouvimos mais os outros. Os diálogos são monólogos camuflados. Quando uma discussão termina, mal sabemos do que o outro falava, mas temos na ponta da língua cada uma das nossas geniais respostas. Tudo é festa. Tudo é besta. Tudo é fresta. Tudo é funesta tentativa de chamar a atenção. Gritando, o miserável (oprimido pela esmagadora vida cotidiana de trabalhar, comer e dormir) quer dizer: eu também estou aqui!

Você sabia que...


... a pequena companhia de teatro vai ministrar a oficina “O Quadro de Antagônicos como instrumento de treinamento para o ator” na VII Semana do Teatro no Maranhão? A atividade de formação acontecerá de 26 a 28 de março, das 14h às 18h, na sala de dança do Teatro Arthur Azevedo. Esta oficina foi contemplada pelo Prêmio Myriam Muniz de Teatro e foi realizada em doze cidades de seis estados do norte e nordeste do país, e será a principal atividade de formação da companhia durante toda a circulação do projeto Palco Giratório – SESC.

quinta-feira, 22 de março de 2012

Eu, brasileiro, confesso

Escrever diariamente não é tarefa fácil. Precisa-se de muita obstinação e apego, força de vontade e desejo. 

Meu propósito sempre foi o de articular minha prática teatral com a teoria, formulando assim novo conhecimento, nova observação, novo apontamento - mesmo sabendo que nada é novo, que as coisas são cíclicas; se repetem.

Vamos iniciar outra etapa de circulação com Pai & Filho e essa será mais consistente em termos de horas de voo e tempo distante do abraço do amado. Não sinto saudades. Sinto desejos e vontade de tentar sempre o que me arruína: escrever diariamente deve ser o hábito do ator em processo de leitura, de ensaio, de apresentações. Essa lacuna é minha sentença. O que fazer com isso, ainda sofro de dúvidas entre publicar e em qual espaço e com que frequência. Sei que retomei meu perfil na rede social (sic) Facebook. Parece ser uma mudança se avizinhando, ou é o desespero de não se repetir. Estou aceitando sugestões.

Aqui é o fim do mundo.

quarta-feira, 21 de março de 2012

Lado B

Você sabe o que é comprar a melhor música de um álbum sem precisar levar as outras onze que são uma porcaria? Você sabe o que é ver um filme esloveno sem precisar ir à Eslovênia? Você sabe o que é comprar tudo no mesmo lugar ou nem sair de casa para comprar de tudo, com apenas um clique? Você sabe o que é Google? Jornal on-line? Você sabe quantos e-books cabem em um GB? Você sabe quantas cores tem em um refletor de LED?  Você sabe o que é LED, e-book, GB? Você sabe o que é escrever, apagar, reescrever, apagar de novo, escrever mais uma vez, sem fazer nenhum borrão e escolhendo entre vinte mil fontes? Você sabe o que é falar à distância com um amigo olhando para ele e não pagar nada por isso? Ou jogar qualquer tipo de jogo com seu primo mais querido, sendo que, enquanto você está atacando em Beirute ele está defendendo em Pequim? Se não sabe, não me venha com saudosismos.

domingo, 18 de março de 2012

Tablet ou laptop?

Você sabe o que é comprar um LP e voltar para casa lendo o encarte? Você sabe o que é ir ao cinema e esperar a cortina abrir para ver o filme? Você sabe o que é secar a tinta do papel com um secante? Você sabe o que é ir à quitanda e pedir para por na conta? Você sabe o que é gravar uma fita cassete com as melhores lentas? Você sabe o que é abrir um dicionário? Uma enciclopédia? Abrir um jornal e ler uma coluna? Você sabe o que é acariciar, cheirar, ler um livro? Você sabe o que é fazer um refletor com lata de leite Ninho? Você sabe o que é escrever numa Remington ouvindo a trilha dos toques? Você sabe o que é receber uma carta perfumada? Você sabe o que é caderno de caligrafia, aula de retórica, comer manga em cima do pé? Você sabe como se joga xadrez? Se não sabe, não me venha com modernices.

sábado, 17 de março de 2012

Sonhos

Gosto de sonhar, de todas as formas e maneiras. Quando dormindo é sempre meio onírico. Acordado, dá a sensação de potência. Sempre sonho. Andando de bicicleta, estou à mercê do tráfego das coisas fugidias. Quando a pé, desconheço qualquer indivíduo ao meu derredor. Para a cabeça, não há restrições. 

Ontem sonhei assistindo a um espetáculo do grupo Bagaceira de Teatro na sede da Pequena Companhia (ops!). Revisitavam Shakespeare à moda dos Clowns. Vinham em cortejo e usavam meia-máscara. Era um ator de meia idade que eu acompanhava. Vez por outra ficava a observar não só a técnica que ele detinha, mas a maneira como ele fitava as pessoas. Hipnotizava-me. Ao final, eu não era mais um à meia-luz ou na multidão que se acotovelava nas escadarias do casarão (ops!). Conversávamos sobre teatro, sobre a beleza de se contemplar o desconhecido e sobre a ousadia da aproximação e do encontro. Éramos uno no fazer, no demonstrar e no sentir. 

Ontem sonhei em percorrer caminhos ainda não trilhados e ousar mais, cada vez mais e sempre.

Hoje, fiquei a pensar sobre me esquecer da quinta, da sexta, e só me lembrar do sábado. Pensei no curta do Serge em que a persona entrava em uma padaria, se aproximava da estufa e perguntava à atendente: "-Tem sonho?". E ela sentenciava: "- O sonho acabou". Subia os créditos.

domingo, 11 de março de 2012

Somos nós no espelho?

Sou um artista intuitivo. Estudo. Gosto de estudar, contudo, quando o momento aparece, não sei estruturar formalmente as soluções necessárias. “As sortes” vêm do conhecimento empírico, das percepções, das lucubrações solitárias, das discussões com meus pares, das explosões sensórias do espectador profissional que sou. Isso me aflige, porque gosto dos argumentos teóricos, das dissertações, dos nomes próprios, das referências. Sinto-me menor, claudicante, embusteiro. Sou sincero, verdadeiro, mas esta certeza não ameniza a imagem que creio que os outros têm de mim quando opero distante dos cânones. Não faço isso premeditadamente. Para mim, o momento criativo é vulcânico, e carrego comigo as influências de todos os fantasmas que me forjaram, mas não me detenho para entendê-los. No momento da criação não me interessa entendê-los. Não sei criar catalogando, referindo, comparando, consultando. O estudo vem antes e depois, nunca durante. Isso provoca na construção da obra um estado movediço, frágil e modelável como argila no torno. Rigidez, desprezada. Certezas, abandonadas. Concretudes, esfareladas. Pronta, a obra se reinventa e vejo tudo claramente: teoricamente, tecnicamente, formalmente. Tudo está lá. Límpido e cristalino. Na maioria das vezes consigo até enxergá-lo. Mas, a inferioridade, permanece. Coisa de matuto.

quinta-feira, 8 de março de 2012

Tempo de preparação; tempo de ensaio

Que ator sou eu? Que ator eu vejo em cena? 

É inegável que quanto mais se ensaia, mais se distancia das imperfeições, dos equívocos, dos deslizes, e nos aproximamos daquilo que queremos. O que esquecemos ou negligenciamos talvez seja o processo anterior ao treinamento, aos ensaios. 

Como o ator se comporta horas antes dos ensaios? Qual a rotina que o ator se exige para estar pronto? Ele defeca, toma banho, limpa os ouvidos, escova os dentes, se hidrata, come algo leve, desliga-se das agruras do dia? Que tipo de leitura faz? Que música ouve? Ejacula com que frequência? Que vida é essa que o ator leva antes de se preparar para um espetáculo? Que tempo ele tem ou necessita para esse feito? Que tipo de teatro ele quer fazer, com quem faz e como faz? 

O ator é irrequieto e propositivo. Desiste do conforto - qualquer que seja ele - e reivindica a autoria e autonomia de seu trabalho. 

A nossa cultura sempre foi do desperdício de tempo, de resultado, de materiais, de gozo, de relações, de beijos, de afagos. Enquanto não sairmos desse conforto, nosso teatro será pobre em suas proposições. 


Nossa arrogância diz o contrário. Pena.

domingo, 4 de março de 2012

Por que viajamos?


Dona de um caráter entranhadamente provinciano, nossa cidade (leia-se: poder público, privado, fomentadores, mecenas e afins) não percebe a necessidade de que suas atividades artísticas dialoguem com o restante do país, circulando com suas obras, discutindo conceitos, participando de debates, oficinas, seminários, mostras, exposições, festivais etc. Esse intercâmbio contribui para o fortalecimento do movimento artístico local, para a reverberação das suas experiências particulares e para a capitalização das consequências socioculturais na cidade geradora desses dizeres.

Não se repensa nossa realidade sem conhecer outras. Não se muda um estado se o estado de consciência da classe provocadora está amordaçado por não conhecer o mundo. Não se revelará vida pulsante nas obras artísticas locais sem construir referenciais e parâmetros que mostrem as reais condições da nossa produção cultural. Precisamos ver o mundo.

A pequena companhia de teatro tem um olho aqui e outro acolá, atenta para não ficar estrábica. A peleja para empurrar o horizonte e abrir fronteiras além do nosso umbigo nos clareou caminhos e nos fez perceber que o centro do mundo e a periferia estão muito mais relacionados ao ponto de onde você olha do que à localização geográfica.

Abrir caminhos para o diálogo entre a produção artística maranhense e a do restante do país favorece o aumento de qualidade das obras de arte e contribui para a reconstrução de uma classe artística mais atenta, mais contestadora, mais reveladora e mais consciente do seu papel transformador.

sábado, 3 de março de 2012

Você sabia que...

  
... a pequena companhia de teatro foi convidada para participar do VI Festival Banco do Nordeste das Artes Cênicas? Pai & Filho se apresentará no dia 30 de março, às 15h e 18h, no Centro Cultural Banco do Nordeste, em Fortaleza – CE. Este é o nono festival onde o espetáculo se apresenta e será a terceira vez que visitará terras cearenses – anteriormente esteve em Fortaleza e Sobral com a circulação do Myriam Muniz e no XVII Festival Nordestino de Teatro de Guaramiranga.

sexta-feira, 2 de março de 2012

É a ferida que cicatriza?

Em mim uma dor corriqueira, cotidiana. Não gosto da vida como se apresenta. Preciso da arte para respirar, para me sentir vivo. Quando do contrário, percebo que o que tenho não me basta. Mais em quantidade e qualidade. O nível de insatisfação surpreende pela força devastadora com que me conduz ao cadafalso. Morrer em vida é meio que isso. Vai corroendo aos poucos e só fica perceptível quando transborda. Preencher esse vazio com sexo é querer cobrir o céu com um véu. A tarefa é reinventar a forma de conduzir as angústias provocadas pela distância de tudo que me fascina. Tarefa fácil, diria minha personagem. A mim, resta expor parte das vísceras e me mostrar humano, saudoso, queixoso, moroso.