quinta-feira, 12 de janeiro de 2012

Sou ator e trabalho na estiva

Teatro profissional. Ator: chegar duas horas antes, fazer alongamento, aquecimento, figurino, maquiagem, palco, aplausos. Teatro amador. Ator: chegar meia hora antes, figurino, palco, aplausos. Ops, esqueci o detalhe da estiva. Carregar, montar e desmontar cenários, subir escadas, enrolar fios. Maratona dentro de um carro, em territórios de passagem ou avião, hotel, trânsito, estradas. Menos tempo para a cena. Parece que vicia essa vida, ou nos adaptamos. Quando alguém se aproxima com a intenção de ajudar, a gente meio que deseja o vício da estiva e nega a gentileza: quer sofrer sozinho a dor da carga, das opções que escolheu - e mesmo com a existência dos estivadores  já ocorreu meio que um exame na consciência... é meu papel enquanto ator carregar carga. Imagino que quanto mais se envolve em um ato, mais prazer se tem. É como se divertir num parque ao invés de ficar observando-o à distância, ou ainda montar a própria cama que servirá de descanso por décadas. Relação de pertencimento, talvez, ou o desejo de querer ter o controle de tudo, ter o máximo de prazer para si e não para os outros. Somos egoístas ou tolos. E seguimos fazendo teatro, carregando pesos, exaurindo energias, recriando relações. O conflito reside em nós. Termino recuperando a ideia de Saussure: enquanto ator, sei que sou, pois me travisto no palco. Agora, preciso de uma indumentária para a parte da estiva.

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