Tento traduzir duas frases que ouvi em
Buenos Aires, apesar de saber que toda tradução é uma traição. Uma, dita pelo
querido amigo Eduardo, e cunhadas por um jogador de golfe, dizia: quanto mais eu
treino mais sorte tenho. A outra, proferida por Doña Nidya, e creio ser de
autor anônimo, sentenciava: que a inspiração me encontre trabalhando. Estes
aforismos me fizeram refletir sobre a relevância que costumo dar à sorte que a
Pequena Companhia de Teatro vem tendo nos últimos anos. De fato, se somássemos
os anos de trabalho dos membros da Pequena, beiraríamos o século (risos). Experiências, frustrações, ações, apostas,
desafios, labor, labuta – batalhas que não podem ser desprezadas no momento de
contabilizar os resultados. Nossa sorte é amante do nosso empenho. Uma amante
exigente, quase latina. Quanto mais dá, mais esforço demanda. Vagarosamente,
começo a (re)conhecer as sementes enterradas na caminhada e a recolher os
frutos com menor acanhamento. Até porque, um incrédulo falando de sorte é tão
cômico quanto um artista esperando a inspiração.
sábado, 29 de dezembro de 2012
sexta-feira, 28 de dezembro de 2012
Ano sai; ano entra
O que esperar do próximo ano se não o inesperado? Tudo está
esquematizado. Agendas batidas, compromissos feitos. Comida garantida à mesa,
mudanças, início de processo, projetos aprovados a serem executados. Se não há
o inesperado, passemos logo para 2014, pois o que sei de 2013 já é o
suficiente.
Então, esse inesperado estará na efetivação das ações planejadas,
qual personagem serei na nova montagem e o resultado da composição, se o que produzirei
em xilogravuras durante os cursos será digno de nota, se terei momentos
memoráveis na nova casa, se as viagens me trarão novas ideias para novos
processos/projetos.
Gosto de ficar acomodado na cama vendo filmes. Muitas coisas
se repetem na minha vida, mas são como as apresentações de teatro: sempre o
mesmo espetáculo, os mesmos atores, mas é diferente, mutável. Engano-me em
dizer que tudo está planejado. Pode até ser, mas me esqueço que a vida se faz
no fluxo, no pulsar do corpo e no respirar das gentes. Tudo está por ser feito.
quinta-feira, 20 de dezembro de 2012
Deus é Fidel
Movimento, classe, gente de teatro. Quem são e o que fazem
no Maranhão? Tenho percebido insistentemente uma necessidade de articulação da
classe teatral no Maranhão em fóruns, palestras, mesas-redondas. Todas as
atividades com pouquíssima frequência e fico a refletir sobre essa pretensa
necessidade que poucos percebem e pela ausência de representatividade nos
fóruns quando acontecem. Faço algumas considerações a partir dessa constatação,
só para polemizar.
Quando priorizamos algo ele torna-se fundamental à nossa
sobrevivência enquanto ser: comer, vestir, trabalhar, amar. Quem prioriza o
teatro em sua vida, no Maranhão, contamos nos dedos. Conheço poucos.
São Luís não é Maranhão. Quem faz teatro em São Luís se esquece
que existem outras cidades no estado tanto que não conhecem a realidade da cena
teatral nelas, por isso excluem-nas de seus discursos.
Teatro de grupo ou teatro de elenco? Como contar com alguém
que sei que está comigo por tempo determinado, como articular com ele uma
reflexão sobre as políticas públicas de cultura se só há espaço para ensaios?
Como se produz conhecimento se não há espaço para o diálogo,
para a reflexão e a crítica? Tudo o que vemos tem que ser lindo e maravilhoso;
que continuem assim. Política da boa vizinhança que dificulta o crescimento e a
reflexão crítica.
Dizem por aí que essa mediocridade não é característica
exclusiva do teatro; as universidades estão cheias de gente que não pensa, não
reflete, não questiona, se ressente, se esconde, se enruste e que se sente
satisfeita com uns trocados, com uns aplausos e alguns tapinhas nas costas.
Nossa, que angústia!
terça-feira, 11 de dezembro de 2012
Velhos buenos aires
As
postagens estão em ritmo de férias. Atrasos e ausências. O ócio nos imprime um
estado letárgico e a mente não responde aos chamados. Eu, em Buenos Aires, vestido
de turista, penso menos que pouco. Faz bem. O descanso mental abre o espectro
para outas sensações que não são menos vitais do que o pensar. Hoje sentia a
tarde portenha com uma particular desesperança. Acabava de visitar o Museu
Evita e revisitar lutas por direitos que hoje parecem ficção, como o voto
feminino. A desesperança surge ao constatar o quão pouco a humanidade avançou. Preconceito,
fome, injustiça. Parecemos fadados a lidar como essas realidades ad infinitum. O ser humano continua surpreendendo.
Menos para bem do que para mal. Velhos tratará um pouco disso. Como se o teatro
tivesse o poder de dar cabo de algum assunto. A pretensão da arte consegue ser
mais patética que a própria realidade.
domingo, 2 de dezembro de 2012
O estrangeiro
Estamos
prestes a embarcar para Buenos Aires, minha cidade natal. Meia companhia, Katia
e eu. Ainda não é com Pai & Filho, mas será, espero que em breve. Férias,
depois de um ano produtivo. Tempo para rever parentes, amigos e oportunidade
para estreitar laços teatrais. A possibilidade de retorno sempre me provoca
certo desconforto. Depois de trinta e cinco anos, a cidade não me pertence
mais. A sensação de pertencimento sempre me foi dificultada pela precoce saída de
um país para o outro. É a impressão de ser estrangeiro em qualquer parte. A
reflexão em forma de poema que segue trata do assunto.
Passagem
para onde meus restos?
desabitado estarei
entregue à sorte
sem país ou povo
neste exílio eterno
a sete palmos do fogo
vestindo madeira
sob mármore dado
privado do mínimo
imóvel à distância
instalado em ossos
ocupando lugar
repatriado pro nada
desterrado e morto
estorvando os outros
distante dos meus
deixados pra sempre
nos ventres negados
nas vagas do mundo
albergue transitório
onde o passo afasta
a paisagem vasta
do que chamam lar
o andar castrado
os cabelos presos
unhas sobre a pele
caixão de matéria
sem destino exato
transcendência turva
em poemas parcos
digitais sem nome
falsa intensidade
no varal errante
devendo calar
pobre na miséria
os dentes cariados
homem racionado
tapete de mágoas
sem rumo sem guia
dividido em lascas
pouca identidade
nunca tive pátria
negado por todos
não vi minha terra
sobrou este corpo
quem quer enterrar?
sexta-feira, 30 de novembro de 2012
Uma novidade
Não gosto de estreias. De qualquer tipo. Tanto como espectador quanto ator. Várias motivações. Uma delas é ter a plena convicção de que muita coisa vai falhar. E, quando isso ocorre, é perceptível a quem observa. Sensação de incapacidade. Para Denise Stoklos, o teatro, quando se achar pronto, deve deixar de ser apresentado. Comungo disso. Mas, há uma assustadora diferença que pesa na comparação entre a estreia e a 50ª apresentação: a maturidade do elenco, a consistência da fala do texto e a presença/reação dos expectadores. Não gosto de estreias. Em São Luís há uma prática que potencializa a efemeridade do teatro e fragiliza sua consistência: poucas apresentações; curta temporada. As justificativas são muitas. Eu desisti de assistir. Teatro que é teatro deve se sustentar além de algumas apresentações. Assim, fico sem ver um apanhado de alguma coisa que fica entre o teatro, a intervenção, a performance, o experimento. Cansa ver coisa ruim. Meu estômago não aguenta tanta injustiça cometida contra o teatro. Quando estou no palco, estreando um espetáculo, entrego-me por completo; íntegro e inteiro. O diretor tem as convicções dele que a obra está pronta para ser vista. Sou ator. Meu ofício é outro. Deixo que o público sentencie - se bem que o público de São Luís é generoso, caridoso demais. A novidade talvez se resida na permanência de alguns espetáculos em cartaz, circulando. Isso é novo na ilha de praias contaminadas. A novidade para por aí.
domingo, 25 de novembro de 2012
Exílio & êxito
Nosso próximo projeto de montagem não
é nenhuma novidade: Velhos caem do céu como canivetes, livremente inspirado no
conto "Un señor muy viejo con una alas enormes", de Gabriel García Márquez. A novidade requentada é que, agora, temos
prazos e cronograma a cumprir, após a aprovação do projeto no Prêmio Funarte
de Teatro Myriam Muniz. O processo iniciará depois do nosso recesso de fim/início
de ano, período onde nos encarregaremos de colocar a nova sede em condições de
receber nossa rotina diária de ensaios, estudos, produções, confecções etc.
Enquanto isso, finalizo o esqueleto dramatúrgico para o início do processo
atoral. O dilema/enigma/conflito que essa tarefa me apresenta é referente ao
motivo para o exílio do Ser Alado, tema que me é caro. Lembro-me do filme O Exílio de Gardel, quando cada uma das personagens que procurava dar cabo do tema
literalmente desmantelava. É como estou me sentindo. A ideia do exílio remete à
antiguidade, e séculos se passaram sem que a humanidade conseguisse mensurar os
efeitos psicossociais provocados no exilado. De alguma maneira o assunto perpassa
a temática do espetáculo solo de Cláudio, tornando os processos mais fecundos. O
todo, outro, caminha bem. Miséria, fé, diferenças. O Ser Humano robustecido
pela crueza do ser e o Ser Alado robustecendo o ideal utópico. Herói e
anti-herói, confrontados. Xeque!
@marceloflech
Um dos tantos livros que pretendo publicar
na vida se chama “Mínimas, pequenas e outras menores”, com miniensaios, micro-reflexões
que venho produzindo e copilando no decorrer do último ano. Estou usando o
Twitter para expor algumas e convido vocês para uma breve leitura. É só seguir
@marceloflech e perder seu tempo. A surpresa estará no formato da publicação
impressa, que, obviamente, não vou revelar aqui. O título do livro ainda é
provisório, como os tantos títulos provisórios da minha vida que se permanentizaram. Lá também twitto
algumas coleções de fotos que venho tirando no decorrer dos anos e que não
servem para coisa alguma. A foto é da coleção "Cúpulas de Buenos Aires". Com veem, sou um verdadeiro fabricante de
inutilidades.
quarta-feira, 21 de novembro de 2012
De onde você é?
Estou em processo de aprendizado acerca do viver e ele sempre me surpreende. A aridez da solidão sem rumos, a incerteza da companhia e a perenidade da vida. Vamos morrer. Conosco, um acúmulo de coisas que nos fazem diferentes uns dos outros. Reafirmamos nos filhos que criamos, nos livros que escrevemos, no teatro que fazemos. Compartilhar e compor sua identidade, ocupar os espaços, viver rodeado de gentes, e com elas outros mundos, outras incertezas, outros sexos.
Aprovei um projeto de espetáculo-solo para as ruas no edital
público do Governo Federal “Prêmio Funarte Artes na Rua (Circo, Dança e Teatro)
- 2012”. Serão 48 apresentações do espetáculo a ser montado – Extrato de Nós –
nos espaços abertos e possíveis na cidade de São Luís. Com ele quero sentenciar
a necessidade de pertencer e ser pertencido, ocupar e ser ocupado por um espaço
que escolhi para residir e continuar a construir o que me identifica, o que me
pertence, compartilhando com os outros essa impressão de que tudo está por ser
feito, e que é sempre mais prazeroso fazer em conjunto.
A partir da coleta de memórias de outras pessoas, conhecidas
e desconhecidas, o espetáculo surgirá. A integridade com que me envolvo neste
projeto é característico de quem se mostra expondo as vísceras: a praça é palco
para os corajosos. Sinto-me fraco, e é com essa fragilidade que me envolvo.
domingo, 18 de novembro de 2012
A ótica da Pequena
As experiências
do Palco Giratório e do Myriam Muniz possibilitaram avaliar as duas atividades
de formação que ministramos durante nossas andanças, avaliação preparatória
para o projeto A Ótica da Pequena, patrocinado pelo Programa BNB/BNDES de
Cultura, que propõe realizar nossas três oficinas na sede da Pequena Companhia
de Teatro.
A oficina O Quadro de Antagônicos como instrumento de treinamento para o ator foi aplicada
em dezessetes cidades de oito estados, para clientelas das mais diversas possíveis,
totalizando um número aproximando de duzentos e cinquenta participantes. Foi
essa diversidade o principal desafio, por se tratar de uma oficina para atores
ou alunos de teatro de nível técnico ou superior. Contudo, pude observar que,
adequados os procedimentos de exposição e demonstração, ora usando a terminologia
técnica ora instruindo de maneira mais didática, a aproximação com a
metodologia aplicada por nosso grupo para o treinamento de seus atores se
efetivou e as avaliações finais realizadas com cada turma demonstraram esses
resultados.
A oficina Do épico ao dramático: a transposição de gêneros como instrumento de confecção de dramaturgia foi aplicada em sete cidades de seis estados. Umas oitenta pessoas
participaram da atividade. É uma formação com foco em dramaturgos iniciantes e,
nesse caso, a condução da clientela para alunos de segundo grau com aptidão
para escrita do gênero teve alguns inconvenientes. Pese aos bons
resultados práticos catalogados, percebi que a formação nas instituições de
ensino de nível médio não contempla uma efetiva diferenciação entre gêneros
literários. Nesse caso, a correção de clientela para alunos dos cursos de
Letras se faz necessária para o melhor rendimento.
De modo
geral, atividades de formação são um excelente caminho para o aperfeiçoamento
técnico, porém, percebo que, independentemente da qualidade do aperfeiçoamento,
essas atividades são importantes instrumentos de sensibilização e, ao viabilizar
conteúdos e práticas concentrados, elucidam os caminhos do fazer teatral. Agora
é esperar para ver como as oficinas repercutem em São Luís.
terça-feira, 13 de novembro de 2012
Você sabia que...
... A
Pequena Companhia de Teatro acaba de aprovar projeto de circulação no edital de
chamamento 2013 para seleção de projetos culturais do SESI? O edital ViagemTeatral: Montagens Não-Inéditas selecionou vinte e oito espetáculos para compor o quadro
anual de apresentações no Circuito SESI-SP de Teatros. Pai & Filho é o único espetáculo selecionado que não faz parte do eixo
Rio-São Paulo. O
programa pretende oferecer uma intensa e variada programação, apresentando um panorama da
produção cênica contemporânea, proporcionando ao público os mais variados
gêneros e modalidades de espetáculos. Soma-se a essa boa notícia, o Prêmio FUNARTE de Teatro Myriam Muniz, recebido semana passada, para montagem do espetáculo Velhos Caem do Céu como Canivetes, que terá estreia estadual em São Luís, Balsas, Imperatriz,
Caxias e Itapecuru-Mirim. O ano de 2013 se apresenta sem deixar desfazer as
malas...
domingo, 11 de novembro de 2012
Balanço geral de Pai & Filho
Chegamos
ao final da circulação pela Rede SESC de Difusão e Intercâmbio das Artes
Cênicas. Momento para fazer um balanço do espetáculo até aqui. Entre Myriam
Muniz, Festivais, Mostras e Palco Giratório o espetáculo computa números
significativos. Estreou em abril de 2010, permanecendo em cartaz por 2 anos e 8
meses. Fez 91 apresentações em 49 cidades de 19 estados brasileiros (AP, RO, PA,
TO, MA, PI, CE, RN, PE, AL, BA, MT, MG, ES, RJ, SP, PR, SC e RS). Participou de
29 festivais e mostras de teatro. Suas apresentações aconteceram em 38 teatros
e 16 espaços alternativos. Foi visto por um público de 6.849 pessoas. 78
récitas foram gratuitas. Ganhou 10 prêmios e foi indicado a outros 8. Agora, São
Luís. Enquanto montamos Velhos Caem do Céu como Canivetes – o projeto ganhou o
Prêmio FUNARTE de Teatro Myriam Muniz 2012 para montagem – Pai & Filho
ficará em cartaz semanalmente na sede da Pequena. Tenho uma personagem que diz:
“Não me preocupo com eles [os números], algarismos são desenhos ordenados.
Aprecio suas formas e evito que entrem sinais negativos à frente de qualquer
saldo”. Nosso saldo é positivo. Diferentemente da personagem, esse tipo de
número me afaga. É que passei anos contando os dias para que tudo isso acontecesse.
Tornei-me mestre em estatísticas... Por fim, em imagens, detalhes de Pai &
Filho que você não viu...
sexta-feira, 9 de novembro de 2012
Ciclos
Aprecio projetos, pois têm princípio e fim. Última viagem da
Pequena Companhia de Teatro com o espetáculo Pai & Filho dentro do Palco
Giratório 2012: Caxias e Itapecuru Mirim. Ainda hoje estaremos retornando a São
Luís.
Este ano, relacionado a trabalho, se encerra aqui. O próximo,
planejamento para os projetos já aprovados a serem executados e expectativa
para os que ainda não foram divulgados. Queremos um que nos encha os olhos.
As
conquistas deste ano foram significativas para nossa Companhia e para o teatro
produzido no Maranhão. Muita coisa ainda está por vir, já que o desejo não se esgota nos que apreciam viver intensamente. A experiência que
nos aguarda é a sede a ser ocupada com nosso trabalho: oficinas, apresentação
de repertório e montagem de novos espetáculos já estão agendadas.
Como o ano de 2013 já está garantido, só me resta viver.
domingo, 4 de novembro de 2012
Pecado capital
Não sei se você sabe, mas, apesar da
minha eterna lamúria, nosso blog é um sucesso, uma coisa impressionante
(risos). Digo isso para entrar no tema. Há algum tempo postei sobre a elite econômia ludovicense, e me chamou atenção o quanto o assunto foi ignorado. É
como se a postagem não tivesse existido, não fossem os comentários de três
queridos amigos. Como sei? Claro que eu acompanho as visitas ao blog, as
estatísticas, os seguidores, os comentários, sou o nosso maior fã (risos)! Isso
me inquietou. Fiquei pensando se seria um sinal. Se a postagem era mesmo
irrelevante, o autor um comunista, e o tema não se prestavam para o debate. Se
nossa elite é uma ferrenha apreciadora de arte e eu moro na China. Se estaríamos
reféns dela, impossibilitados de nos expressar. Se há subserviência porque
precisamos do dindin. Se houve por parte do leitor um consentimento tácito. Qual
é a nossa relação com o poder econômico? Quão corrompida está nossa produção
artística? Qual é o nosso nível de comprometimento? Se a iniciativa privada não
é apreciadora de arte como podemos esperar disposição do capital para
investimentos em cultura? Vale ressalvar as ações culturais do SESC, mas,
lembremos que também há recursos públicos envolvidos. De que me servem leis de
renúncia fiscal municipal e estadual se o empresariado maranhense não sabe a
diferença entre performance, happening e intervenção
urbana? [Não se assuste, nem eu sei direito (risos)] O único instrumento que o
artista tem para combater o alienamento provocado pela indiferença com que o capital
trata a cultura é o enfrentamento. Estejamos atentos, vigilantes, para sabermos
avaliar o quanto da nossa integridade artística está comprometida. E quem fala
aqui não é nenhum comedor de criancinhas (risos).
quinta-feira, 1 de novembro de 2012
Ah, o teatro
Cresci ouvindo que teatro era coisa de viado, maconheiro e
prostituta. Fernanda Montenegro tinha uma carteirinha de prostituta, diziam.
Fumei meu primeiro baseado no teatro e perdi minha virgindade com alguém dele. Aconteceu
comigo, minha experiência e ponto. Generalizar é assumir a mediocridade da
turba.
Acho o teatro chato como fruição, cerebral e com muitos
signos. Gosto mais do cinema - qualquer que seja ele. Eu determino as pausas, o
cansaço, o descanso. E pelo ritmo do cotidiano, a diversão que me sobraria
seria a televisão, mas desisti dela porque não quero ser mais i(n)gnorante do
que sou. Aprendi que a televisão emburrece, sempre, independente do conteúdo.
Assumi isso como uma de minhas verdades e a aboli da minha vida. Aboli também as
reflexões desnecessárias. Não sou determinista, mas gosto de me utilizar de uma
frase de vez em quando, mas sem, contudo verbalizá-la. Meio retórica: é assim e
pronto. Algumas coisas são assim e pronto, não podemos mudar. Aprendi, também,
que, para não malhar em ferro frio, é preciso fazer uma espécie de diagnóstico
antes de entrar em uma empreitada, para não desistir no meio do caminho: a)
você tem poder (tempo, recursos, desejo, habilidade, competência) para fazer o
que quer? Se não tem esse poder tem o apoio necessário de quem o tem?; b) é uma
de suas prioridades?; c) é um desejo somente seu ou outros também estão envolvidos
neste desejo? De posse de minhas respostas, desisto ou planejo minha batalha. Outra
coisa que aprendi é: quais relações são possíveis de se ter com as pessoas: a)
enfrentamento; b) cooptação; c) cooperação; d) convencimento; e) distanciamento;
f) indiferença.
Assim, melhor me calar oralmente em determinadas situações.
Quando fazemos arte, a obra fala por nós.
segunda-feira, 29 de outubro de 2012
São Login
Um dia desses ouvi, não lembro onde,
que o blog Garotas Estúpidas tem uns setenta e cinco mil acessos por dia. O
nosso tem uns setenta e cinco, sem os três zeros finais. Como três zeros sozinhos
não valem nada, empatamos. Pelo que entendi, o blog fala de roupa e maquiagem.
O nosso também fala de roupa e maquiagem. E de cenários,
luzes, cores e gente. Uma pergunta me tomou de assalto. O que lemos atualmente?
Lembro que, no interior do estado, três décadas atrás, quando você apresentava
uma revista para um analfabeto e perguntava se sabia ler, ele respondia: “sei
ler as figuras”. Às vezes tenho a impressão de que no mundo virtual, nas redes
sociais, na blogosfera, estamos “lendo as figuras”. Por muito tempo se defendeu
que a grande rede fomentava a leitura e a escrita. Cheguei a acreditar nisso.
Mas, acreditei em tanta coisa dita por políticos, partido e governos nos
últimos vinte e cinco anos, que minha inocência já ganhou status de ignorância.
Estou fazendo uma avaliação pessoal sobre a informação e desinformação contida
no mundo virtual. O quanto ele favorece meu conhecimento, o quanto retenho da
avalanche de con(ou sem)teúdo. O quê descuido enquanto cuido disso? Convido
você para fazer o mesmo. Temo que estejamos perdendo um tempo que nem São
Longuinho conseguirá recuperar.
domingo, 21 de outubro de 2012
6° Jornada – Rio do Sul, Lages e Chapecó
São Luís → Brasília → São Paulo → Florianópolis
→ Rio do Sul. Depois de quinze horas de viagem chegávamos ao destino, início da
nossa terceira visita a Santa Catarina. Estado que mais vezes recebeu Pai &
Filho: Florianópolis, Blumenau, Itajaí e Tubarão, antes das três cidades desta
jornada. Apenas o Maranhão superará os catarinenses até o final do ano, com
oito municípios visitados. Quando faço essa conta, não falo somente do Palco
Giratório, trato da trajetória geral do espetáculo.
Três apresentações, três debates e uma oficina
de dramaturgia. A cesta básica não alimenta porque carece de teatro. Espetáculo circulando, chegando às pessoas,
oficina e debates como instrumento de aproximação, ações efetivas que provocam
um regozijo incalculável. Esta foi nossa última viagem pelo Palco Giratório
além das fronteiras maranhenses. Restam-nos diversos desafios por superar,
contudo, o principal foi batido: Pai & Filho estreou há mais de dois anos e
meio e continua se apresentando.
sábado, 20 de outubro de 2012
Teatros & públicos
Respeitosamente venho, através desta, informar que existem teatros e públicos bem distintos. A cada um deles é destinado um outro para assisti-lo. Essa diversidade, dizem, é que faz a riqueza (sic) do teatro. Enganam-se. A fortaleza está na continuidade da proposta, em que o tempo se encarrega de amadurecer ou apodrecer o espetáculo, as ações da companhia/grupo. Um espetáculo pode ser instigante. Porém, é a soma de vários trabalhos que farão um tipo de teatro ser prestigiado, valorizado, reconhecido. Cada companhia tem seu teatro e público. Não existe público de teatro, mas sim públicos para teatros. Sou ator e expectador e me dou o direito de não prestigiar certos tipos. Gosto do que faço. Gosto para quem faço. Não me resta mais nada a não ser viver.
domingo, 14 de outubro de 2012
C®iatividade
Ainda adolescente, ou nem tanto,
quando passava por algum bloqueio criativo, entrava debaixo de uma grande mesa
que havia na pizzaria Tutti Frutti – local onde amassava e assava pizzas
enquanto pensava em Kantor e Grotowski. Essa mudança
inusitada de posição, de perspectiva, de olhar, me auxiliava a ver as coisas de
outra maneira, subverter o ponto de vista, deslocar a estruturação do
pensamento, colapsar o raciocínio lógico. Funcionava. Com o passar do tempo, as
estratégias foram mudando, sempre no intuito de oxigenar a criatividade,
matéria-prima do meu ofício. A arte teatral, como expressão artística, é mais
desafiadora do que qualquer outra. Tudo o que se cria se esvai com a morte do
espetáculo e o que fica não supera uma amena lembrança. O golpe criativo de um
cineasta perpetua-se. Mesmo sendo medíocre, bastará um único lampejo, que o
eleve à condição de realizar um filme significativo, para consagrá-lo. A
revolução criativa de um escritor será lida por séculos. Se o autor não for
genial, ainda assim, sua obra será "não lida" por séculos. Todavia, nenhum jovem
espectador poderá dizer que respirou a genialidade de Victor García, no máximo ouviu falar
ou contemplou algumas estáticas imagens fotográficas. No teatro, a criatividade
sempre será exigida quantitativamente, porque uma peça nada mais é do que a
anterior à próxima, demandando do artista um vigor criativo
continuado. Para manter o frescor inventivo, sempre me dispus, mesmo que
fosse debaixo de uma mesa. Sei que, entre os leitores, há alguns jovens teatreiros com
opiniões inexoráveis. Estejam atentos à ruptura, à mudança de rota, aos
desafios de se reinventar, de surpreender a si. Mantenham-se fecundos para
poder permanecer produzindo sempre, senão padecerão no inferno do esquecimento
ou no purgatório da lembrança, contudo, padecerão. No teatro, só atinge o céu
quem caminha permanentemente.
quinta-feira, 11 de outubro de 2012
Beba Pepsi-Cola
Planejar é tudo – dizem. A partir dele os objetivos são
alcançados, as tentativas de frustrações anuladas, as perspectivas ampliadas, os impactos
dos imprevistos minimizados. Tudo contrário à vida. A falha, a incerteza, a
dúvida, a dor, a perda, a surpresa estão mais relacionados com a essência
humana do que todo o resto. E vivemos a elaborar projetos, ler editais para
subsidiar as produções e nossa arte. Existe uma alma do teatro amador que o
profissional mudou ou perdeu. É que os pais morrem e os filhos ficam. Nadar
contra a corrente tem disso. Meu amigo Lio Ribeiro já dizia: “Você mina sua
vida de atitudes que te fazem assim, infeliz”. Falava acerca das relações
afetivo-amorosas que não passam de uma estação. Gosto de passar fome. Já
pratiquei esse “esporte” em São Paulo, Imperatriz, João Pessoa, Salvador. Vem à
mente o nome de um espetáculo representado por duas de minhas irmãs, no
interior do Pará: Sede de viver... Antes de fechar o pano, a última fala: “Até
o diabo tem sede de viver”. Bonito isso. Gosto da morte em vida, em que cada
dia perece algo (qualquer que seja ele) para dar guarida a outro que chega. E
eu a observar tudo isso. O teatro é o espaço do desvario; da perda e da
conquista.
domingo, 7 de outubro de 2012
Plateias & plateias
Este escritor que vos fala, mais
ensaísta que cronista, enfadonho por opção, tem ouvido comentários, lamentos e
manifestações a respeito da ausência de público para as artes em São Luís. Vou
na contramão do discurso. Sentença: essas são nossas plateias. Inteligentes,
assíduas, ávidas e de dez, cinco, quinze, sete, trinta espectadores. Quem é que
ainda não entendeu isso? Fazemos teatro (música, dança, artes visuais) para essas
pessoas. Há tempos que a Pequena Companhia de Teatro monta espetáculos com
lotação máxima de quarenta, cinquenta espectadores, essencialmente por
conhecer essa realidade. O que fazemos, eu, você, todos nós, não trará
transformações no número de espectadores hoje, nem amanhã, nem depois. Estamos
trabalhando para mudar as coisas a longo prazo, daqui a cinquenta anos. Essa é
nossa função. Esses cinco espectadores não se tornarão cinquenta amanhã, nem
quinhentos depois de amanhã. Mas são nossas ações que viabilizarão as plateias
de quinhentos espectadores para os artistas que virão nas próximas décadas, não
tenho a menor dúvida. Essa é nossa missão. Enquanto “Gaviões” do Forró coloca
sessenta mil espectadores em um único dia, Pai & Filho fez mais de oitenta
apresentações para conseguir seis mil. Benza deus! Porque, com O
Acompanhamento, meia década atrás, nos divertíamos contando plateias de cinco,
três, sete ou nenhuma pessoa. Contudo, essa falta nunca foi problema, só nos
auxiliava a refletir sobre nossa realidade, a reafirmar nosso compromisso. O
que não tem preço é o delicioso retorno qualitativo que esses espectadores nos
dão. É com essas pessoas que dialogamos. São essas pessoas que estão vivas,
pulsantes e comprometidas com essa transformação. São elas que ressignificam
nossa obra. São elas que querem nos ouvir. São elas as responsáveis pela multiplicação
de espectadores no futuro. Aproveitemo-las. A nova sede da Pequena Companhia de
Teatro abrirá suas portas para essa plateia e, novamente, não ultrapassará os
quarenta lugares, portanto, reserve seu ingresso. Esse é o nosso legado. Quem
ainda não entendeu isso, ainda não entendeu seu ofício. O lamento só trará
espectadores por compaixão, e a pena funciona melhor como instrumento de
escrita. Agora, se queremos discutir os motivos sociopolítico-culturais dessa
realidade, aí sim, vale a pena usar a pena, em reflexões, ensaios, tratados ou
na tradicional conversa de boteco.
domingo, 30 de setembro de 2012
A nova sede da Pequena Companhia de Teatro
“O problema da herança em vida é
testemunhar o mau uso dos herdeiros”. Enquanto cunhava a frase, pensava no
momento mais importante da minha carreira. A foto do prédio aí em cima é a nova
sede da Pequena Companhia de Teatro. Em janeiro completo quarenta e cinco anos.
Mais de vinte e cinco dedicados ao teatro. Com pouco menos dessa idade, meu pai
chegava a Balsas, oriundo de Buenos Aires. De lá para cá ele soma mais de trinta
e cinco anos de trabalho. Tenho outra frase que diz, “É uma relação de amor e
ódio. Tudo o que tenho foi o teatro que me deu, porém, tudo o que não tenho
também foi o teatro que me deu”. Agora, tenho tudo o que o teatro me deu, e o
que o teatro não me deu, meu pai se encarregou de dar. Segundo ele, é de
direito, por todos os anos dedicados de sacrifício e de trabalho. Papo para boi
dormir. Minha contribuição para esse patrimônio soma alguns períodos na frente
de um forno, uns dias atrás de uma plantadeira ou perseguindo uma
colheitadeira, um frango vendido aqui, um boi perdido acolá (piada interna).
Talvez, a principal contribuição tenha sido não consumir nada desse patrimônio
nestes últimos dezessete anos vividos exclusivamente de teatro. Hoje, a recompensa,
que, para mim, nada mais é do que o maior presente que um pai pode dar para um
filho: a realização de um sonho. Apesar da jocosa frase que abre esta postagem,
vejo no semblante do meu pai uma profunda e sincera alegria. Mesmo sabendo que,
para ele, o melhor destino para o prédio seria uma bela pizzaria!
sexta-feira, 28 de setembro de 2012
Beckett? Artaud? Extracotidiano?
Quem sentencia a dor é o corpo. Quem
relembra a dor é a facilidade da lembrança do corpo ou da mente. Construímos
nosso registro a partir do que experienciamos e não dá para fugir disso. O que
fazemos, executamos, não se inventa. Constrói-se a partir do nosso repertório.
Ninguém inventa nada. O que apresentamos é o resultado de algo que ficou,
plasmou-se em nós. Quando dos debates após as apresentações, ligo os pontos.
Tudo faz um sentido enorme nas falas dos espectadores. O que eles decodificam é
parte do que viveram e parte daquilo que expomos. A felicidade se reside nos
pequenos momentos que percebo e me reconheço no outro.
domingo, 23 de setembro de 2012
Realidade & Ficção
Estou propenso a crer que a verdade do
artista só se efetiva se falar daquilo que o sangra. Singrar por oceanos
embevecidos da própria vida. O olhar exterior, analítico, diz sobre a coisa,
mas não é a própria. Falar do que não nos toca pode ser útil, todavia, pouco
crível. Essa reflexão surgiu com a montagem de Pai & Filho e, hoje,
reverbera. Apesar da ficção, a obra se interliga nevralgicamente comigo. Em
Velhos caem do céu como canivetes a sensação se assemelha. Seremos, nós, os narradores? Indagava
Gilberto, no nosso último encontro. Suspeito que sim. Sempre (?). Mesmo sem
querer admitir, para parecermos mais inventivos. Não falo de (auto)
biografismos. Digo da sutil tessitura da escrita artística. Uma obra, mesmo que
arrancada das mãos, guarda as digitais do autor. Depois da obra lançada, o
artista pouco importa, contudo, engana-se o público ao acreditar na pureza da
ficção? Sempre recusei a comparação entre vida e obra, por estar na ficção o
fascínio da arte – apesar de a experiência artística sempre me oportunizar a
chance de pensar sobre. Não devia tocar no assunto, pois carece de uma reflexão
mais aguçada. Perdoem-me o hermetismo da abordagem, às vezes é inevitável... Reflexão
em processo.
quinta-feira, 20 de setembro de 2012
O fazer; o ver; o rever
Faço teatro. Fiz teatro. Vi e vejo espetáculos. Conheci e revejo pessoas. O teatro é espaço de encontro. E de reencontros. Nada de desencontros. Quem faz teatro nunca está só. Não há despedidas. Rever amigos que moram distantes de nós é privilégio de poucos. Sei que faço teatro porque revejo amigos em cena e fora dela, mas sempre gente de teatro. Incluo aí também os espectadores. Mesmo sendo poucos, essa "pouquidão" é efetiva e existe. Encontra-se espalhada pelo país, fora dele, e que nunca morre. A cada reencontro a certeza do que se faz. Nesses momentos sinto orgulho de mim. Momento meu em que o reconhecimento torna-se merecido. Mereço os encontros e reencontros que tenho, as pessoas que povoam minha vida. Este ano é particularmente significativo nesse aspecto. Circular é celebrar a vida.
domingo, 16 de setembro de 2012
4ª Jornada – Porto Velho/RO
Jornada de tiro curto. Três dias fora,
e já estamos de volta. Mais tempo viajando que aproveitando a acolhedora capital
rondoniense. Muitos realces para poucos dias. O Teatro 1, do SESC Esplanada, uma
espécie de sala multiuso que comporta duzentas e cinquenta pessoas, foi generoso e abrigou em todas as escadas, no mínimo, outros quarenta espectadores. O Palco Giratório nos oferece a experiência
de casas lotadas, um perigo para quem deverá se readaptar às nossas fiéis plateias
de quinze ou vinte pessoas (risos) – Pai & Filho vem aí
com temporada regular em São Luís. Um público entusiasmado e franco. Assim como no Teatro Laura Alvim, no Rio, riram muito (?). Reações curiosas, que variam de plateia para
plateia, apresentando uma oscilação assustadora. Inevitável refletir sobre a
possibilidade de o espetáculo variar tanto quanto as plateias. Não percebo
assim, mas estou atento. A apresentação foi sólida, desfrutada, e revelou
alguns nuances no conflito/jogo/duelo entre as personagens que até então não
haviam aparecido, auxiliando na robustez da cena. É intrigante perceber como,
apesar do rigor formal, ainda é possível amadurecer e melhorar um espetáculo
que passa das oitenta apresentações. O mimo da jornada ficou a cargo da Cia. de
Teatro Mosaico, da qual faz parte o queridíssimo Sandro Lucose. Tivemos a
oportunidade de ver Anjo Negro, de Nelson Rodrigues, que também circula pela Rede
SESC de Difusão e Intercâmbio das Artes Cênicas. Um espetáculo corajoso e instigante.
Tão bom quanto o espetáculo, a possibilidade de
conversar-discutir-refletir-analisar a vida teatrista, em esbarradas curtas e
informais, típicas de duas Cia. que se cruzam no pleno exercício do seu ofício.
Alegrias múltiplas para dias contados. Continuo grato à sorte, eu, um
incrédulo.
sexta-feira, 14 de setembro de 2012
Velho jargão
Há Teatro de Grupo aos borbotões. Estou conhecendo alguns tantos por causa da circulação de Pai & Filho. Cada um deles tem uma composição particular. Poucos se sustentam financeiramente com o teatro - somente e tão somente. Os que mantêm uma pesquisa permanente de linguagem e os que experimentam. Gosto de dizer que teatro é ofício, e que os artistas são profissionais como quaisquer outros quando se propõem a viver exclusivamente com a sua arte/ofício. Sindicalizar-se é dar a arte um outro status. Tenho um amigo que conseguia dividir o que era ofício e o que era arte, processo, projeto sério, que de fato queria fazer - isso nas artes visuais. O que se aproximaria disso nas artes cênicas, no teatro especificamente? Quando nos corrompemos? Acho que estou ficando doente.
domingo, 9 de setembro de 2012
Apressado come mais
Há muito tempo ultrapassei a metade da
minha vida. Nem o mais otimista dos amigos, que olhasse meu corpo decrépito,
poderia pressagiar minha chegada aos oitenta e oito anos, portanto, a
descendente já me acompanha há quase uma década – se o otimista agora não sou
eu, pretendendo galgar os setenta. No ponto em que me encontro, só consigo
ruminar o que me falta fazer. Lembro-me de um poema que tratava do
que o poeta não fizera – já resignado. Diferentemente do poeta, minha anciã ansiedade me
apresenta espaços, lapsos e promessas. Angustia-me o tempo, e minha pressa não
contempla um centésimo dos desejos. Ainda não me tornei cantor de tango. Falta
escrever o quíntuplo do que produzi até hoje. Não conheci Cuba. O que encenei é
uma piada de mau gosto para a presunção de um ser que se autoproclama homem de
teatro. Até que idade é possível ser um toureiro? Não vou falar de livros,
morrerei sem ler noventa e nove por cento do que gostaria. Não corri da polícia,
ou corri? Preciso urgentemente comer um foie
gras. Nunca fui ao Louvre... Como alguém pode se satisfazer com um livro,
um filho e uma árvore? Envelheço e mereço. Adoro o preço. A única desvantagem é
a redução do tempo para realizar o que falta. Prometi para Katia não me
vangloriar mais da minha vetustez. Depois desta crônica, pararei. Inocentemente,
nunca percebi que, ao enaltecer a velhice, carregava minha companheira comigo:
que mulher pode almejar isso? Como ela costuma dizer: velho é você, não me leve
junto!
domingo, 2 de setembro de 2012
Olho no livro
Levei um soco da tese de doutorado do
amigo Gilberto Freire de Santana. Injusto, pois eu já lera o escrito. Um soco.
Literalmente. O livro caiu de cima da estante direto no meu olho. Inchou. O
soco metafórico aconteceu bem antes, enquanto lia cada capítulo que o autor me mandava
em doses homeopáticas. Dentre as coisas que mais gosto de fazer na vida estão:
ler e pensar. Logo, o fato não passou despercebido. Fiquei me questionando: não
estaria na hora de toda a literatura impressa do mundo se rebelar contra os
homens? Se cada livro que você deixa, por anos, estacionado em uma prateleira,
esperando uma leitura, se arremessasse ferozmente contra o seu corpo, talvez
ele tivesse uma chance. Na primeira vez, poderia parecer acidente. Na segunda,
você duvidaria. Na terceira, correria de casa assustado ou pararia para lhe dar
a devida atenção. Não consigo mensurar o quanto a vida pode ser insuportável
sem uma boa leitura. Por que o mundo se distancia do livro? Hoje sei quem são
os culpados. Eles. Os livros! Sua passividade, paciência, perseverança. Eles
esperam, e só. Deveriam se rebelar! Pular das estantes! Perseguir seus
leitores! Uma revolução livreira! A antiga revolução silenciosa provocada pela
abertura de um livro – revolução que tanto transformou este mundo – não
funciona mais! Cabe aos livros arregimentar seus leitores na marra! Portanto,
se você passar por uma estante repleta de publicações e permanecer imune,
mantenha distância. Um livro pode querer a sua atenção, e a consequência pode
ser um olho roxo.
quinta-feira, 30 de agosto de 2012
Breviário
Sem computador, sem conexão, sem lenço, sem documentos, sem viagens e com um tempo imenso para elaborar projetos. Época de plantar, fazer a cama. A galáxia tem seu próprio ritmo. Eu tenho o meu. Tudo está se configurando para a continuidade de um projeto que se estabelece cotidianamente. Algumas coisas se recuperam, outras apodrecem. Gosto disso. Perceber que não somos capazes de dar conta de toda a demanda - entendam como a obrigatoriedade de produzir, sempre. Nada mata ninguém - nem a morte. Tudo é ilusão e invenção. Quanto ao teatro, ele existe por si só; ele se sustenta - contradizendo e contrariando os acadêmicos e intelectuais plantonistas.
Hoje brindamos na nova sede. Amanhã, faremos a dança da chuva. Ela se presentificou pouco essa noite.
No próximo mês voltamos a circular com Pai & Filho. O ano está moroso, como os dias que se seguem. Na próxima semana uma postagem mais digna e consistente.
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