domingo, 18 de dezembro de 2011

O Teatro Polidramático – tese inaugural


A postagem de hoje vai entediá-lo – é minha obrigação avisar. Estou versando sobre o Teatro Polidramático. O que é? Nem eu sei direito ainda, no entanto, para melhor entender o nosso fazer, venho refletindo e analisando a presença das outras dramaturgias nos nossos processos e sua relação de interferência com a dramaturgia do ator – centro da nossa pesquisa. Nosso manifesto, postulado original da companhia, já abordava o fato quando dizia não desprezar outras, apenas utilizá-las como instrumentos em benefício do dizer do ator.

Quando cunhamos o termo “Teatro Polidramático”, não foi tentando nomenclaturar, enformar ou formatar nosso fazer, é apenas uma necessidade de compreensão, a busca de um entendimento claro para o desenvolvimento da nossa investigação.

Em uma reunião informal (a maioria das nossas são) Jorge insistia na revisão da dramaturgia do ator como centro. Em outra, Cláudio sugeria uma revisita aos diários de montagens para decupar de maneira mais sistemática se efetivamente a dramaturgia do ator está no centro. Revisão preliminar feita. Penso que está. Estar no centro não significa estar sozinha. O que se percebe é que a centralidade da dramaturgia do ator não anula todos os outros instrumentos discursivos utilizados na construção da dramaturgia final das nossas encenações.

Nós partimos de três dramaturgias capitais: a do ator, do autor e do encenador. Sendo que a do ator é central e essas outras duas circundam esta. Como as três têm grande poder de discurso, há uma relação de interferência viva em sentido recíproco.

As dramaturgias auxiliares – encontradas na maneira dramatúrgica como utilizamos a cenografia, a iluminação, a sonoplastia, a espacialidade etc. – variam em intensidade dependendo da encenação. Têm maior poder polisêmico (roubo a palavra da linguística para usá-la no sentido filosófico) e multissensório, menor capacidade de discurso, mas creio que a ingerência em relação à dramaturgia do ator é menor que às dramaturgias capitais. A do ator sim interfere nelas e reconduz sentidos e sensações. (caso queira, dê uma lida no capítulo A Leitura Transversal, de Demarcy, no livro Semiologia do Teatro, organizado por J. Guinsburg e outros, pela Perspectiva. Não tem a ver, mas tem.)

Podemos dizer que nosso “Teatro Polidramático” tem por características a integração de dramaturgias, sendo que todas são convergentes à do ator; e sua pluralidade favorece a interface entre discurso, sensação e sentido. Refletindo um pouco, esse teatro tem o ator como centro catalisador de dizer. Sua dramaturgia catalisa todas as outras, por isso o “poli”. O termo “dramático” – que no sentido etimológico melhor seria “dramatológico” ou “dramatúrgico” – permanece por uma referência intencionalmente jocosa ao termo pós-dramático.

É claro que esta pretensiosa brincadeira teórica não deve ser levada a sério, até porque, é apenas uma reflexão preliminar que busca a melhor compreensão do nosso fazer. No “Diagrama do Teatro Polidramático” abaixo, tudo fica mais confuso (risos). Divirta-se, se puder.

4 comentários:

O Pessoal do Tarará disse...

Querido Marcelo, como vai?
Adorei a leitura do Teatro Polidramático, a brincadeira, a seriedade. Vibrei quando escreveu "Estar no centro não significa estar sozinha". Lembrei de um texto de Plínio Marcos sobre o ator, e compartilho contigo e com os seus leitores.

Forte abraço,

Dionízio


O Ator – Plínio Marcos

Por mais que as cruentas e inglórias
Batalhas do cotidiano
Tornem um homem duro ou cínico
O suficiente para fazê-lo indiferente
Às desgraças e alegrias coletivas,
Sempre haverá no seu coração,
Por minúsculo que seja,
Um recanto suave
Onde ele guarda ecos dos sons
De algum momento de amor já vivido.
Bendito seja
Quem souber dirigir-se
A esse homem
Que se deixou endurecer,
De forma a atingi-lo
No pequeno porém macio
Núcleo da sua sensibilidade.
E por aí despertá-lo,
Tirá-lo da apatia,
Essa grotesca
Forma de auto-destruição
A que por desencanto
Ou medo se sujeita.
E por aí inquietá-lo
E comovê-lo para
As lutas comuns da libertação.
O ator tem esse dom.
Ele tem o talento de atingir as pessoas
Nos pontos onde não existem defesas.
O ator, não o autor ou o diretor,
Tem esse dom.
Por isso o artista do teatro é o ator.
O público vai ao teatro por causa dele.
O autor e o diretor só são bons na medida
Em que dão margem a grandes interpretações.

Mas o ator deve se conscientizar
De que é um cristo da humanidade:
Seu talento é muito mais
Uma condenação do que uma dádiva.
Ele tem que saber que para ser
Um ator de verdade, vai ter que fazer
Mil e uma renúncias, mil e um sacrifícios.
É preciso coragem,
Muita humildade e, sobretudo,
Um transbordamento de amor fraterno
Para abdicar da própria personalidade
Em favor de seus personagens,
Com a única intenção de fazer
A sociedade entender
Que o ser humano não tem
Instintos e sensibilidades padronizados,
Como pretendem os hipócritas
Com seus códigos de ética.
Amo o ator
Nas suas alucinantes variações de humor,
Nas suas crises de euforia ou depressão.
Amo o ator no desespero de sua insegurança,
Quando ele, como viajor solitário,
Sem a bússola da fé ou da ideologia,
É obrigado a vagar pelos labirintos de sua mente
Procurando, no seu mais secreto íntimo,
Afinidades com as distorções de caráter
De seu personagem.
Amo o ator
Mais ainda quando,
Depois de tantos martírios,
Surge no palco com segurança,
Oferecendo seu corpo, sua voz,
Sua alma, sua sensibilidade
Para expor, sem nenhuma reserva,
Toda a fragilidade do ser humano
Reprimido, violentado.
Amo o ator por se emprestar inteiro
Para expor à platéia
Os aleijões da alma humana,
Com a única finalidade
De que o público
Se compreenda, se fortaleça
E caminhe no rumo
De um mundo melhor,
A ser construído
Pela harmonia e pelo amor.
Amo o ator
Consciente de que
A recompensa possível
Não é o dinheiro, nem o aplauso,
Mas a esperança de poder
Rir todos os risos
E chorar todos os prantos.
Amo o ator consciente de que,
No palco, cada palavra
E cada gesto são efêmeros,
Pois nada registra nem documenta
Sua grandeza.
Amo o ator e por ele amo o teatro.
Sei que é por ele que
O teatro é eterno
E jamais será superado
Por qualquer arte que
Se valha da técnica mecânica.

Marcelo Flecha disse...

Salve, Dionízio! Belo comentário inaugural! Bem-vindo ao blog, querido, e apareça!

Giba disse...

Pensar sobre se faz necessário. A declaração 'bricolada/unidade a partir de partes diversas' é muito mais consistente do que os modismo das meras negações dos 'pós' (e são tantos. Somos e temos história, ser aprisionado por ela é outra história, porém tentar anulá-la é no mínimo insensato (para não dizer outrra coisa).P.S.: Minha conecção internética continua na dependência dos deuses. Eles parecem que estão um tanto cansados, seis dias descansam e um dia resolvem (às vezes) dar às caras.

Cordão de Teatro disse...

AS buscas são necessárias, temos que garimpar os textos, encontrar as dúvidas que nos fazem ser como somos. Gosto de ler esse blog.