sexta-feira, 30 de setembro de 2011

Entressafra

Sinto-me assim, esperando o tempo passar, as coisas se resolverem por conta própria, as folhas já amareladas, a árvore seca, o corpo gordo e flácido pela ausência de atividade física, os neurônios inativos. Dois projetos por elaborar, 1 + 1 por executar, 1/2 de um por concluir, roupas sujas e amarrotadas, cama sem ninguém ao lado. 
Atores sempre são trágicos - e a vida é dulcíssima. O desejo de avançar sempre, de ocupar a mente e o corpo, de exigir a vida como se esgotasse o sentido, mero sentido de ser. A ausência do relógio não despreza o tempo, nem cauteriza a ferida. A ansiedade tombou o bonde, a história escrita, o ar inalado. Tudo é motivo para não se dizer preguiçoso e desmascarar a inutilidade da vida. 

Engrenagens, roldanas, cabos. 

Zzzzzzzzzz.

terça-feira, 27 de setembro de 2011

Quando estamos prontos?


Chegamos à metade do projeto de circulação de Pai & Filho contemplado com o prêmio Myriam Muniz de Teatro. Seis cidades (Timon, Teresina, Sobral, Fortaleza, Mossoró e Natal), quatro estados, dezoito apresentações, dezoito debates, cinco oficinas, seis montagens, seis desmontagens, alguns pregos, teatros, hotéis, praias, piscinas, estradas, saunas, mecânicos, restaurantes e o principal: amigos.

Creio que cada um de nós quatro têm impressões e opiniões totalmente diversas quanto às recentes experiências da pequena e seus desdobramentos. No meu caso, a primeira expectativa de pertencer a um coletivo e ver seus espetáculos circulando o pais remonta ao início da década de noventa com O Santo Inquérito do Grupo Ger“Ar-te” de Teatro. O primeiro destino seria São Luís e a peça não passou da primeira apresentação no IV Festival de Teatro Sul-Maranhense. Depois, a serviço do Centro Cultural Ópera Brasil isso se concretizou com óperas e balés viajando pelo Brasil com um número inimaginável de pessoas – mas era uma grande companhia de ópera e não um grupo de teatro. Espetáculos como O Último Discurso, Marat-Sade e Ramanda e Rudá esboçaram a iniciativa, mas este último não passou de Teresina. Trabalhando com uma Cia. irmã – A Máscara – a concretude esboçou contundência e espetáculos como Medeia e Deus Danado ganharam estrada. Somente com a consolidação da pequena é que o fato começou a se formalizar para mim como membro de um grupo e a nossa lógica de circulação começou a ganhar metodologia com viagens de O Acompanhamento e Entrelaços pelo interior do Maranhão. Agora, Pai & Filho nos oferece alguns caminhos, muitas estradas, inúmeras dúvidas, vários festivais, diversas inquietações, alguns prêmios e pouco tempo para avaliar o que conquistamos. Como veem, sonhos demoram a se realizar e demandam uma dedicação que nem todos estão dispostos a pagar: isto separa os artistas de todos os outros loucos que habitam o mundo.
A foto foi tirada por meu primo Fábio Flecha no debate em Mossoró. Apesar do cansaço e das rugas, a expressão não esconde a satisfação de um velho diretor de teatro.

sábado, 24 de setembro de 2011

Jornada vai; jornada vem

Chegamos de uma pequena-longa-jornada com Pai & Filho, através do Prêmio Myriam Muniz de Teatro (Funarte/MinC/Governo Federal). Algumas dores no corpo, alguns desejos sublimados, outros guardados, ideias, impressões, tudo que uma viagem sempre mostra por detrás das janelas, das pessoas, das situações e circunstâncias.
Mossoró - apresentação especial para o elenco do Auto da Liberdade

Meu corpo necessitou de massagem, sauna, piscina, descanso. Tentei acompanhar a oficina em Mossoró, mas o corpo rejeitou a ideia no primeiro dia. Senti falta da musculação. Essas jornadas diárias de espetáculos intercalados por descolamentos exigem força e vigor do corpo. Se está despreparado, repercute em cena.
Natal - o barracão sem os clowns e com os pequenos

Misturam-se nesses instantes um prazer sem igual, uma desilusão descomunal, deslizes, sadismos, masoquismos, rupturas, aceitação, revolta, culpa. Do que se fez ao que se fará e os prazeres que ainda virão. O que temos, conquistamos e merecemos. O que ainda está por vir demanda um certo esforço e razão de ser. Outras jornadas à mostra, e com elas a experiência de viajar nesses últimos dias reencontrando amigos, fazendo outros, conversando sobre teatro, mostrando o nosso dizer. Motivações para o viver ainda nos sobram. 

domingo, 18 de setembro de 2011

Amor, amigos, teatro & destempo

Deixamos Mossoró, contudo, Mossoró nunca me deixa deixá-la. Tony, Luciana, Jeyzon, Damásio... nomes de uma Cia. que moldam meu próprio nome a cada encontro. Além das três apresentações de Pai & Filho, sessão extra para os atores do Auto da Liberdade e gente sentada no chão. Noutra, a atenção de Lázaro, representante do SESC, apoio fundamental durante nossa jornada. Melhor do que ter produtor local é ter amigos: e lá estava Mescias para qualquer obra. Oficina, oficineiro e oficiados repletos de disposição. Agora já escrevo desde Natal. Arlindo nos recebe no Barracão dos Clowns e a montagem está concluída. Estou exausto. Poucas horas de sono – evidente despedida d”A Máscara prolongada até as quatro da manhã, algumas horas no volante, subidas e decidas do andaime e uma pousada deliciosa como recompensa... Somos merecedores do amor que recebemos, ou só recebemos para que percebamos quão carentes desse amor somos?

sexta-feira, 16 de setembro de 2011

Em Fortaleza são 13h28. Em Mossoró também

Ontem, primeira apresentação em Fortaleza. Revi Mário Filho. Qualidade em detrimento de quantidade. Bom tudo: debate e apresentação. Satisfeitos, fomos ao jantar nosso de cada dia, na "mesma praça e no mesmo banco". As flores nunca são as mesmas, e com isso o jardim das Oliveiras pode se transformar no dos Santos, dos Silvas. 

Ontem, percebi-me repetindo uma máxima (máximas se repetem, senão seriam mínimas) de que o prazer existente só se sentencia quando o outro orgasma contigo (metaforicamente falando, pois literalmente isso é uma grande bobagem). Exige-se muito do ator para que ele não ejacule antes do espectador. O diretor/encenador é apenas um voyeur nessa relação. 

Hoje as circunstâncias são diferentes e não há nada de novo no front. Diferentemente seria o cotidiano exercer a sua função primeira e repetir a dose do xarope para a tosse. É o desconforto que muda. 
Amanhã, em Mossoró e em Natal os dias serão celebrados diferentemente de todos os dias, mesmo com as repetições existentes. O cotidiano nos engana quase sempre. O ator se reinventa na mesma proporção que a vida se mostra.

quinta-feira, 15 de setembro de 2011

Local das apresentações e oficina em Mossoró

O local das apresentações de Pai & Filho e oficina será no hotel Villa Oeste. Dias 15, 16 e 17 de setembro, às 21h30, no Salão Seridó. A oficina ocorrerá no mesmo lugar, das 14 às 18h. 
Os ingressos - limitados - serão disponibilizados na recepção do Vila Oeste ou no próprio Salão Seridó a partir das 20h30. O link do hotel é http://www.villaoeste.com.br/inicio.html caso não saiba sua localização.

segunda-feira, 12 de setembro de 2011

... e o sol se despiu

Sob o sol de satã, chegamos à metade da jornada. E ele nos aguardava. Satã. Penas e glórias. Récitas em Sobral esgotadas em cinco minutos. Quebra-mola, quebra de mola, quebra-cabeça. Atenção em Fortaleza, digna de reis. Rolamento estourado, orçamento estourado, estouro de boiada. Calma! Ainda não debandou ninguém. Eu disse ainda (risos). Penas e glórias. Mais penas? Mais glórias? Depende de quem vê. Circular com um espetáculo, apresentar-se diariamente, visitar cidades, provar novas plateias, ser recebido dignamente (sabendo que Mossoró nos receberá euforicamente), democratizar nosso processo, é tudo o que um artista de teatro pode querer. Acho que sou o único na companhia que já viveu a experiência com certa regularidade: circulei pelo Brasil afora, e um pouquinho no exterior, com óperas, balés, peças de teatro e musicais, mas agora é diferente. É um processo, uma construção, a consolidação de uma identidade, a concretude de um caminho iniciado por nossa companhia há anos e, no meu caso pessoal, mais de duas décadas atrás. Penas ou glórias? Para quem viveu sua vida pregressa sobre os eixos da Transbrasiliana, dormindo dias, ao relento, à espera da próxima lotação, chegar a destino no mesmo dia é uma dádiva. “Benza, Deus, pra não botar quebrante!”, disse o ateu.

quinta-feira, 8 de setembro de 2011

The show must go on

Hotéis rimam com pastéis e doutores rimam com atores. Tarefa difícil se percebermos que a morte na vida de um profissional de medicina é algo a ser evitada. Difícil é superar quando a "indesejada das gentes" aparece sucumbindo o ofício. Para o ator, a vulnerabilidade na qual se encontra quando em cena é comparável ao médico que retira de seus conhecimentos o esforço para alterar a linha da vida de alguém, tornando-a mais estável ou prolongada. Ele, o ator, detém as técnicas, conhece seu corpo, sabe o que fazer, reconhece o espaço e as marcações, sabe de seu ofício, esmera-se em expor sua virtuose no intuito de agradar a quem o especta suas virtudes profissionais a ponto de perceber que seu trabalho é digno de apreciação, reconhecimento e aplauso. 

Quão frágil é o ser quando se percebe nessa situação, como o mar que tem suas características, mas é cíclico em suas marés. O ator e suas personagens estão circunstancialmente velejando em uma nau que oscila sempre. Estar numa corda banda sem seguro de vida é para os fortes ou para os tolos. Sempre me considero um quando estou com a morte lambendo-me por entre o sulco das nádegas. Muito a aprender tenho eu. E por último, Sobral rima com Bacabal.

domingo, 4 de setembro de 2011

Quando um sol se despe


Estamos prestes a embarcar rumo à segunda jornada do projeto de circulação de Pai & Filho, contemplado com o Prêmio Myriam Muniz de Teatro: Sobral, Fortaleza, Mossoró e Natal. Do dia 06 ao dia 23 de setembro, serão quatro montagens, doze espetáculos, doze debates, quatro oficinas, quatro mini-lançamentos, quatro desmontagens e três mil e duzentos quilômetros rodados. Tudo em dezoito dias. 07, 08 e 09, no Teatro da ECOA, em Sobral. 11, 12 e 13, no Teatro Emiliano Queiroz, em Fortaleza. 15, 16 e 17, em Mossoró, em local ainda indefinido. 19, 20 e 21, no Barracão dos Clowns, em Natal. Um Ford Fiesta, um reboque e quatro personagens à procura de um espectador. Sob o sol de satã, estaremos construindo nossa história e quiçá interferindo na história de outros. Espectadores. Quem são eles? Com o olhar nos atravessam, feito um relâmpago, mas nós nunca os vemos verdadeiramente. Deles nada sabemos e para eles expomos e despimos todas as nossas angústias, alegrias, conflitos, dores, desejos e delícias. Seres anônimos e indiferentes ao nosso processo. Para eles nada importa: se a viagem cansou, se a produção falhou, se o galo não cantou, se o demo conspirou. Só importa o espetáculo, objeto fim da nossa caminhada. O que fica? Uma lembrança? Uma sensação? Um panfleto? O que permanece vivo em nós depois de cada espetáculo que assistimos?

sábado, 3 de setembro de 2011

La strada


A partir da iniciativa do governo federal de disponibilizar recursos públicos para montagem e circulação de espetáculos teatrais, companhias puderam amadurecer, conhecer novos grupos, experimentar novas plateias e garantir a sustentabilidade de seus repertórios. Essa realidade plasmou-se na Pequena Companhia de Teatro, através do Prêmio Myriam Muniz de Teatro. Esses recursos viabilizaram a montagem do espetáculo Pai & Filho, em 2010 e, agora, levam a encenação a doze cidades de seis estados diferentes.

Na bagagem, o espetáculo carrega as participações no XVII FENTEPP – Festival Nacional de Teatro de Presidente Prudente, do XVII Festival Nordestino de Guaramiranga, do Festival Agosto de Teatro, em Natal, do 53° FESTA – Festival Santista de Teatro, do 18° Festival de Teatro do Rio, do FestLuso 2011 – Festival de Teatro Lusófono, em Teresina, além da 5ª Mostra SESC Guajajara de Artes e da VI Semana do Teatro no Maranhão, em São Luís.

A trajetória de Pai & Filho confirma a importância de editais, prêmios e fundos de cultura para o fortalecimento dos coletivos teatrais que não regem suas ações pelas demandas do mercado e sim pelo poder transformador que o teatro oferece.

sexta-feira, 2 de setembro de 2011

Definitivamente não é definitivo

Quando estamos um pouco distantes, reencontramo-nos para o que chamamos de manutenção do espetáculo. Ensaios, treinamento. Nossa experiência diz que de 1 a 2 semanas são suficientes para refrescar a memória, redefinir algumas marcações, corrigir outras, dilatar a musculatura, estar pronto para as apresentações que se mostram.

Nessa última viagem, entre Timon e Teresina, experimentamos apresentações em ritmo de ensaios: de segunda a sexta foram seis, sendo que no último dia uma seguida da outra. 
Algumas marcas foram alteradas, percepções de energias diferentes, conflitos reforçados. Tudo ali, como se fossem ensaios. Pego-me a pensar no que comumente acreditamos e verbalizamos que é: a partir da estreia outro espetáculo se forma e a cada apresentação, um novo se faz. Quando nos sentirmos satisfeitos, devemos desistir dele. 
Fica mais fácil compreender a dinâmica do ator nessas condições, como os humores se alteram e como/quando isso interfere na relação com o outro ser, com a outra personagem; que circunstâncias levam-nos a determinados fluxos de energia e não a outros. Nesse turbilhão de ocorrências, as postagens se tornam mais vívidas, mais precisas acerca do fazer. Títulos dizem o que foi feito; ação ocorre e pronto. Somos gente de teatro. Viver na ação é respirar cotidianamente o encontro com o outro.