quinta-feira, 6 de janeiro de 2011

Um rascunho, um esboço, um vazio

Eu sou ator. Escrevi um texto teatral (não há drama; não há essa intenção). É o segundo, acho. Compartilho.


O ASNO, A CARROÇA E O LONGE

Personagens:

Homem
Mulher
O tempo

O tempo: Se me tens como inimigo, perceberás que a guerra estabelecida não será por mim instituída. Digladiar é para os fortes, assim como a morte está para os fracos filhos de Eva.

Mulher: Tomas a mim, mortal insepulta, como todas de minha espécie. Para de sussurrar a decomposição de si por sobre aqueles que jamais, jamais serão seus aliados.

Homem: Amigo, pousa sobre mim a sua mão. Faça-se aliado dos que buscam a esperança abissal de um esquálido aspargo cultivando em terra infértil. Mate a seiva fácil.

O tempo: Abraço o sim tanto quanto o não é rejeitado. Se calo é porque a sujeição vem funérea e natimorta passível de devorar, incomensuravelmente, o livro das horas. Negue-se à escrita e feneça.

Mulher: Não concebo a guerra de nervos nem a paz coloquial de fétida boca indigesta. Degluto a saliva no vento e giro ponteiros neutralizados pela dor de um hiato submisso.

Homem: Sinto-me confuso entre a retidão da linfa que se mostra e o sangue que ferve em seu esconderijo labiríntico. Minha angústia, mulher, é perceber-me no tempo.

O tempo: Apaguem as lembranças, desacreditem nas projeções, parem de respirar e sintam a fortaleza e a agonia dos ponteiros. Entreguem o pó ao vento e a carne, putrefata, aos vermes. Não tenho domínio de mim.

Mulher: Sou, enfim, liberta de ti. Devoram sofregamente minha seiva e repercute, em mim, a troca natural das cinzas e do pó. Diluo-o no outro que me consome.

Homem: Quero refletir o que fui, debruçar sobre ti as agruras do mundo, sentir a carícia tempestuosa do vento e ver, reflexo no espelho, os olhos da multidão perdida em vasto tempo; sentencio-me em tuas linhas meu encanto.

Fim

Um comentário:

Jorge Choairy disse...

A "esquete" da pequena cia.