domingo, 8 de agosto de 2010

Davi e Golias

Um grande filósofo amigo meu, em um momento de intimidade crua, me disse: a sociedade vai nos domando. E vai. Nossa rebeldia vai cedendo. Nossa violência vai se contendo. Nosso anarquismo vai se civilizando. Nosso poder de confronto vai amolecendo. Usando seus três principais instrumentos – a família, a propriedade privada e o amor – a sociedade vai nos domando como cordeirinhos para dentro do quadro formal da vida. Para o artista, esse adestramento é mais terrível ainda. Como conseguir escapar desse aplanamento civilizatório quando se tem que pensar na conta de telefone, no colégio dos filhos, no presente de natal? Resistindo. Para o artista a luta contra o consenso é muito mais brutal e desafiadora. Somos um bando de loucos de fora do mundo tentando convencer o mundo que somos deste mundo mas que queremos um mundo melhor para poder morar. Ao artista é exigido um mínimo de coerência entre o discurso e a prática e isso nos custa abdicar de contratos ou cargos que não se alinhem com o nosso dizer, embora soframos as consequências desse posicionamento na hora de botar a mão no bolso para que o neto possa ir ao shopping. Mas essa pressão não nos abranda. Na verdade nossa resistência vai mudando o tom. Com o tempo, com as rugas e com o reumatismo, começamos a usar menos a força e mais a forma. Menos a faca e mais a pena. Menos o grito e mais o silêncio. Menos o verbo e mais a ação. Mas resistimos. Resistimos porque acreditamos que a vida pode ser melhor. O mundo pode ser melhor. A única alegria que nos resta é a certeza de que o cabresto, no artista, é bem mais difícil de botar. Podem até botar, mas a peleja é grande... Por que a foto de Ayrton Vale? Pai & Filho também trata disso.

4 comentários:

tonyatriz disse...

Aprovo todos os seus comentarios quando diz que vamos nos moldando ao que a sociedade nos impoem,mas voce sabe que o artista e um bicho esquisito que se modela a todas as situações sempre com um pe atras,procurando sempre uma forma de modificar os pensamentos e situações onde se encontram.Sera que e por isso que os poderes constituidos tem tanto medo das nossas reações. Eles não sabem o que estamos pensando,a qualquer momento podemos trasgridir as regras e nos beneficiarmos delas.Mas so acontece quando entendemos o que estamos fazendo.Esse filosofo pensava longe,pois e melhor um artista so do dois pensando.Voce não acha.E o amadurecimento do ser hunamo traz o pensamento que nos faz analizar as oportunidades e como reverte-la.Beijos saudades muitas.

André Lucap disse...

adeus, mundo cruel.

André Lucap disse...

davi matou golias na unha.

Desertos disse...

Poema dramático em um ato


Anos atrás eu sonhei com a sua certeza:
construir de novo o mundo.
E para maior clareza
Pensei colocar a certeza
No fio de uma espada
E sonhei com as cabeças decepadas
De todos os putos da terra.
E quanto mais eu sonhava
Com essa justiça final
Mais trivial o ato de retalhar homens
Se apresentava.
E me vi exercer com prazer esse oficio
De caçador, juiz e executor.
Foi quando ouvi rosnar dentro de mim
Um lobo enlouquecido
E minha frágil aparência humana
Tornou-se um ventre intumescido.
E tive medo da fera que, de mim,
Eu mesma, começava a parir.

"Maior que o mundo, a alma humana é universo. Por mais que os anos cavem rugas em nosso rosto. A vida é gosto, a morte é sempre prematura." Guerra Santa - Luís Alberto de Abreu