segunda-feira, 19 de abril de 2010

Mudança radical


Depois do processo de montagem de Pai e Filho que levou cinco meses, me encontro em São Paulo fazendo a assistência de direção da ópera Tosca de Puccini dirigida por Fernando Bicudo. É inevitável que comparações aconteçam na minha cabeça. Sempre me inquietou e incomodou o tratamento que a ópera dá à representação ou à interpretação, como preferem os profissionais da área. A música e o canto centralizam a comunicação, o que é normal. Mas o que poderia gerar um grau de modernização e aproximação de um novo público para a ópera seria uma construção dramática mais contundente e convincente das personagens. A formula aplicada hoje é antiga. O fato de não haver escolas de ópera no Brasil faz com que seus intérpretes dediquem longas jornadas a aulas de música e canto e muito pouco tempo ao trabalho dramático. Tudo fica quase intuitivo. Remonta à idéia do teatro em prosa de meados do século passado, quando a boa interpretação dependia somente do talento, do dom, e não do exercício. Uma atenção a esse ponto e teríamos pessoas se aproximando dessa linguagem, que, salvo detalhes, é bela.

Por outro lado a ópera nos ensina. Nós, que fazemos e pesquisamos teatro, lutamos desesperadamente para tentar sistematizar um fazer que nós leve à realização da obra. A ópera faz isso há séculos. Vinte dias. É o tempo de montagem da Tosca em que estou trabalhando. Tudo está sistematizado. Tudo está codificado: canto, música, cena, movimento, partitura, cronogramas de ensaio, tempo, necessidades físicas de repouso para a voz, etc. É claro que não dá para comparar, apesar de estar comparando, mas conseguir um mínimo de aproximação na qualidade de sistematização que a ópera tem tornaria o nosso fazer teatral muito mais sólido, objetivo, seguro... Ouvindo essas três últimas palavras, não sei bem se conseguiríamos conviver tão bem com elas, afinal, nosso fazer sempre beira o abismo.

2 comentários:

Cláudio Marconcine disse...

por mais que o fazer teatral possa ser sistematizado para posterior aprendizagem, ele nunca chegará a uma padronização de formato ou repetição. teatro nunca se repetirá, e essa é a grande sacada.

por vezes nos perdemos em aprimoramento de técnicas sem, contudo, percebermos que o desejo de fazer, a intuição, também é um ingrediente ativo no processo de criação.

alguém me disse uma vez que a técnica é para aquele que não sabe fazer (risos), não nasceu com as bênçãos dos deuses. eu sou humano, e não sei do que os semideuses são capazes.

ainda vai existir teatro com e sem qualidade, independente de técnica ou não.

para assistir, gosto mais de cinema. meu fazer é o teatro.

xico disse...

mas, que teatro é esse? e porque perdemos/ganhamos tanto tempo e suor fazendo-o, será uma tentação dos semideuses ou uma provação divina/humana? vou deixar de pensar, anular-me e fazer, sempre fazer.
beijos a todos da pequena/gigante cia.
xico cruz