sábado, 27 de fevereiro de 2010

Deixe que digam, que pensem, que falem - 2

Lapso de memória. Alex Palhano publicou em seu sítio na internet uma nota do espetáculo, ainda no início do processo, em 16 de janeiro de 2010. Clique aqui para ver a nota na íntegra, ou a transcrição abaixo.


TEMPO DE ENSAIO

O diretor Marcelo Flecha já começou os ensaios de sua mais nova produção teatral, Pai e Filho, inspirada na obra Carta ao Pai, de Kafka.

Dividirão a cena os atores Cláudio Marconcine (que esteve no elenco da última produção do diretor, Entre-Laços, em 2009) e Jorge Choairy; que volta aos palcos após seu trabalho em O Acompanhamento, de 2007, também de Marcelo.

A produção fica a cargo da Pequena Companhia, e a estreia acontece nos próximos meses.

quinta-feira, 25 de fevereiro de 2010

Modulando

Dia desses – não tão distante assim – conheci um homem. Tomamos juçara no Mercado da Praia Grande - São Luís, Maranhão, Brasil. Dia também de ensaio, me fiz presente. O processo se estabeleceu como de costume: alongamento, rito de chegada, aquecimento... Todo esse trilhar para conseguirmos uma recuperação da energia desprendida nos dias anteriores, fazendo com que a personagem se estabeleça viva, orgânica e estável. 

O processo criador do ator está nas entrelinhas

Stanislávski, em a Criação de um Papel, fala sobre o primeiro contato com o texto: “As primeiras impressões têm um frescor virginal. São os melhores estímulos possíveis para o entusiasmo e o fervor artístico, duas condições de enorme importância no processo criador.

Para registrar essas primeiras impressões, é preciso que os atores estejam com uma disposição de espírito receptiva, com um estado interior adequado. Precisam ter a concentração emocional sem a qual nenhum processo criador é possível. Temos que escolher o local e a hora. A ocasião deve ser acompanhada de certa cerimônia já que vamos convidar nossa alma para a euforia”. Foi assim que me preparei para o Mercado. Foi assim que me senti à mesa sorvendo a juçara. Como, então, nos ensaios, desligar uma espécie de disjuntor do que ocorrera com minha alma, tentando recuperar uma energia anterior ao encontro?

Logo a angústia teve que dar espaço para uma solução racional: Energias são voláteis. Teatro é efêmero. Ator é humano. Quer trindade mais decadente que essa? Sequer perde para o triângulo do desperdício do Decadentismo. Personagens também mudam de humor. Evidente que quando se trabalha com uma dramaturgia de autor, analisamos o texto, cada frase, cada mudança de situação, o que motiva o conflito. Entretanto, o momento da atuação é do ator.

Gosto de menosprezar o texto escrito. É que ele só terá vida se o ator soprar o vento da criação entre as linhas. Imaginemos que o pai e o filho estão atrás da porta que abre para entrarem em cena. O pai chega exaurido do trabalho que cotidianamente se repete. Qual sua motivação para entrar em casa? E se pisou em fezes de cão durante o caminho? E se naquele dia, uma bela donzela o olhou de soslaio? E se ele vendeu mais do que o dia anterior? A motivação inicial permanece, mas o ator deve ter suas próprias, enquanto ser, para dar o brilho no olhar que falta à cena. Quem não reconhece um bailarino quando vê um pelas ruas? Quem não reconhece, em cena, um ator que tem uma técnica específica, que odeia teatro físico, que trabalha a dramaturgia do ator em detrimento da do autor?

O ator sempre estará em cena. Com ele, sua ancestralidade.

Não há exaustão físico-energética, nem estabilidade nela. Se assim não fosse, não seria energia.

Naquele dia foi o ser que se apresentou à minha alma. Noutro dia, meu pé direito dolorido. Em um outro, a fisgada muscular que me deprimiu. Cada dia um encanto ou dissabor. É assim que o teatro carrega a vida para o palco. Ele continua a não se repetir porque o ator não se repete. Ele capta o cotidiano e o transforma em material de trabalho. A personagem ganha vida, o ator se angustia e o espectador insiste em se ausentar, achando que não é sua seara, mas o teatro, esse sim permanece.

quarta-feira, 24 de fevereiro de 2010

Deixe que digam, que pensem, que falem - 1

Publicado no dia 23/02/2010. Leia a matéria na versão virtual clicando aqui, ou a transcrição abaixo.

Pai e Filho
Espetáculo baseado na obra Carta ao Pai
Uma relação avassaladora recheada de conflitos e dilemas que separam e unem duas gerações em uma relação. Este é o ponto de partida do espetáculo.

Samartony Martins
samartonymartins@ma.dabr.com.br

Uma relação avassaladora recheada de conflitos e dilemas que separam e unem ao mesmo tempo duas gerações em uma relação. Este é o ponto de partida para o espetáculo Pai e Filho da Pequena Companhia de Teatro que tem estreia marcada para acontecer no início do mês de abril.


A peça que tem a direção geral de Marcelo Flecha foi a única montagem teatral do Maranhão, a ser contemplada com o prêmio Miryam Muniz 2009/Funarte. O elenco é formado pelos atores Cláudio Marconcine e Jorge Choairy e a produção é de Kátia Lopes.


Baseado na obra Carta ao Pai de Franz Kafka, escrita em 1919, o texto Pai e Filho lança um olhar sobre os diversos sentimentos que se desenvolve em uma relação paterna. “O que pretendemos discutir é de que forma se dá a relação universal entre pai e filho.


Pegando essa idéia central mais arquetípica desta relação. Como não estamos fazendo uma adaptação fiel do texto, aproveitamos para jogar tudo isso para dentro do espetáculo. São aflições que permeiam as relações de poder patriarcal que querendo ou não repercutem na relação de poder com a sociedade”, explicou Flecha.  


Ensaios
Para trabalhar os personagens, os atores estão enfrentando uma rotina de quatro horas de ensaios diários que começou desde janeiro. “Estamos trabalhando muito a questão física onde o ator é exigido ao máximo. A partir desta exaustão seguimos para o conflito proposto pelo texto onde moldamos o perfil de cada um em cena”, frisou o encenador.


Marcelo Flecha ressalta que o monólogo talvez fosse o caminho mais fácil para encenar o espetáculo Pai e Filho, mas o diretor preferiu ir na contramão do óbvio. “Ousamos imaginar como seria não o Kafka com o pai e suas insatisfações, mas sim a relação de todos os pais e filhos. Partimos do campo da ficção para ver como seria este conflito na realidade”, adianta Marcelo Flecha.


Em Pai e Filho, o público vai se deparar com situações cotidianas que muitas das vezes passam aos olhos de forma despercebida. “Haverá momentos cruéis. Pontuamos o texto por temas importantes como o estudo, a independência econômica, o apoio de uma relação amorosa, a opção por viver uma vida artística ou não, a insatisfação com o trabalho entre outras questões que optamos em transcrever e jogar com estes conflitos”, ressaltou, Marcelo Flecha. Todos os passos do processo de montagem do espetáculo pode ser acompanhado pela internet pelo endereço virtual www.pequenacompanhiadeteatro.blogspot.com


SERVIÇO :
O quê? espetáculo Pai e Filho
Quando? 09, 10 e 11 de abril
Onde? no Teatro Artur Azevedo
Quanto? Entrada Franca

domingo, 21 de fevereiro de 2010

Outra aplicação

Além de ser um instrumento para orientar o perfil das personagems o ator pode utilizar o Quadro de Antagônicos como reforço dramático para a cena. Através do treinamento pré-expressivo o ator “plasma” no corpo esse instrumento para utilizá-lo de acordo com a exigência da ação. Isso gera maior repertório para a personagem, alternando o ritmo e a forma, cena a cena, transformando a personagem num ser “vivo”, apto a surpreender e a manipular a “argila” do seu perfil para não torná-lo previsível.
Tomo como exemplo uma cena de Pai e Filho onde as personagens manipulam barbantes de costura enquanto dialogam: se o filho utiliza na ação o antagônico “velocidade” e o pai o antagônico “dilatação” de maneira fisicamente consciente (independentemente dos guias e contaminadores definidos no treinamento para o pai e para o filho), teremos uma modulação na energia sequencial das cenas, gerando um efeito criativo inesperado para a rotina rítmica do leitor/espectador que começava a se habitual com o porvir das personagens.
O exemplo da cena é meramente ilustrativo. O conceito pode se aplicar durante todas as cenas onde, cinestesicamente, se identifiquem outros antagônicos, sempre e quando haja motivação cênica para reforçar o dizer em questão – se for oral; ou para “significar” o dizer – se for uma cena sem verbo.
Nesse caso, o treinamento pré-expressivo como rotina anual de um grupo de atores-pesquisadores é fundamental para poder plasmar no corpo esse instrumento. Em trabalhos com prazo de validade, como a montagem de um espetáculo, é mais difícil efetivar sua aplicação além do guia e seus contaminadores, independentemente do período de ensaios. No caso de Pai e Filho as experiências anteriores de Cláudio em Entre Laço e Jorge no estudo sobre Clausura vêm facilitando essa aplicação.

quinta-feira, 18 de fevereiro de 2010

Os antagônicos do pai

O trabalho pré-expressivo preconizado pela Pequena Companhia de Teatro, intitulado "Quadro de Antagônicos", dá ao ator um acervo de matrizes a serem utilizadas em sua composição na cena. Um tempo exaustivo, onde o ator deve estar preparado e disposto fisicamente para exigir do corpo uma postura equilibrada de cada antagônico. Assim, quando vamos para o jogo, o corpo recupera os antagônicos em sua potência. Ao ator cabe começar a selecionar aqueles que podem ser utilizados para a construção da personagem. 

Num dado momento, quando Jorge Choairy já tinha bem definido o antagônico matriz/guia e seus contaminadores, eu ainda perambulava pela trilha dos perdidos, sem ter alguma definição consistente para a personagem e isso me angustiava, sobremodo. É que de quando em quando tudo me parece urgente, e essa urgência pode provocar uma certa angústia - eufemismo - no que toco.

Peso e Força - o ator e sua dramaturgia

Como tudo na vida de um ator é mais dramático do que o convencional, não durou muito é lá estava o "peso" determinando uma matriz/guia e a "força" como contaminadora. Se paro para refletir um pouco mais, vou perceber que a personagem carrega em si, também, traços dos antagônicos "tensão", "lentidão", "mínimo" e "dilatação". É que, se se toma o "peso" como referência de totalidade (100%) e modula-se essa referência em 50 ou 70%, inevitavelmente teremos que ocupar esse espaço deixado com outros antagônicos. 

A insatisfação vai permanecer, em um grau menor ou maior, naquele que detém 41 dos 19 anos que imagina ter.

segunda-feira, 15 de fevereiro de 2010

É carnaval

Meu teatro é impopular. Não busco atalhos. Não uso atalhos. A trajetória deve ser completa. O caminhar íntegro mostra a verdade, mesmo que doa. Passo a passo o espaço se faz. No espaço a forma. Na forma o conteúdo. No conteúdo, dois seres, pai e filho, sem a equivocada ideia do amor paterno & filial – incondicional? natural? familiar? obrigado? Obrigado. Não sei dizer o que o espectador quer ouvir, mesmo que a opção seja menos dolorosa. Não sei escrever o que você quer ler, mesmo que seja o único leitor. É. Hoje estou assim... assim. É o carnaval.

quinta-feira, 11 de fevereiro de 2010

O que estimula. O que sufoca. O que ordena.

 
Alongamento. A musculatura precisa estar pronta e disponível. A energia desprendida não serve para o trabalho criativo, mas azeita o corpo para estar disponível e pronto para a atividade diária do ator, em busca de sua composição para a cena.
A busca da ressonância no quadro de antagônicos. O corpo dilata, a corrente/fluxo de ar se movimenta. Ruídos, silêncios, percepção, ouvidos. O suor escorre motivado pela força/peso pinçados no trabalho pré-expressivo. Curvatura da coluna, pressão sobre a traqueia. Dor.
O esforço exigido. Homem anda com as pernas. Ator mobiliza todo o seu corpo para o deslocamento. Equilíbrio precário para fugir do cotidiano. Extra-cotidiano. Tensão muscular para erigir o tônus. A verdade se faz.

domingo, 7 de fevereiro de 2010

A rotina

Nossa rotina de ensaio obedece normalmente a seguinte ordem:

Rito de chegada: É um momento onde desenvolvemos e utilizamos práticas para focar a energia do ator para o início dos trabalhos.

Alongamento: Utilizamos alongamentos convencionais e/ou estranhos, estes buscando quebrar a rotina muscular do ator.

Aquecimento: Aqui, as práticas são variadas, mas têm como principal instrumento o Quadro de Antagônicos de que falamos na postagem do dia 24 de janeiro.

Trabalho dos quadrantes (aplicação do Quadro de Antagônicos): Dividimos a sala em quatro quadrantes de uma circunferência imaginária, e escolhemos um antagônico para cada quadrante (tensão x relaxamento, dilatação x retração, velocidade x lentidão, força x fraqueza, peso x leveza, agilidade x dureza, etc.) onde o ator, ainda em processo pré-expressivo, experimenta seu corpo migrando de quadrante em quadrante explorando o conceito de oposição para aperfeiçoar seu repertório.

Trabalho experimental na construção das personagens: Aqui o quadro de antagônicos é utilizado como instrumento para a busca de um antagônico-guia para a personagem, e de outros antagônicos que possam contaminar esse guia, definindo um perfil prévio para a prática na cena.

Experimentação na cena e/ou leitura representativa: De posse do repertório desenvolvido e do perfil sinalizado para as personagens, os atores passam a experimentar esse perfil na construção de cenas e/ou representam fisicamente o texto que é inserido gradualmente à medida que as personagens e as cenas se plasmam no corpo do ator.

Em linguagem cibernética, porque dizem que em blog não é legal escrever muito, é assim que estamos trabalhando há cinco semanas. É o máximo de concisão que consegui.

quinta-feira, 4 de fevereiro de 2010

Que filho queremos?

Não tenho filhos. Nunca os terei. Tive um pai; faleceu.

O que sou hoje é reflexo -  obviamente - da educação imposta pela família, pela sociedade, e como eu soube lidar com ela. 

Em mim, os livros que li, os filmes que assisti, os amigos que conquistei e que me toleram. 

Meus pais queriam que eu fosse X e fui Y. A sociedade queria que eu fosse X e eu sou o alfabeto todo.  

Fiz minhas escolhas: viver - plenamente - tudo o que se mostra. Prazer... hedonismo.

Inevitavelmente, quando me deparo com o texto Pai e Filho, proposta de montagem da Pequena Companhia de Teatro, busco em mim informações iniciais para compreender e questionar as ações que fazem com que as personagens do pai e do filho saltem à vista e sejam tão díspares em seus comportamentos, desvios, caminhos.

Filho e pai na mesma mesa: posso caminhar sozinho?

Há uma estupidez em viver a vida dos outros que sempre me espanta. É que ainda me dou ao direito de me surpreender com a humanidade.

Eu não sei o que faz alguém desistir de algo - verdade que sei, mas farei de conta que não - em detrimento de outro. Não sei o que faz alguém se engessar frente aos obstáculos. Sei que o tempo é breve e a vida curtíssima. Isso eu sei.
E assim me respondo um pouco sobre as motivações para eu me predispor a montar este espetáculo. Ele tem sua própria urgência.

A quarta-feira me mostrou que o teatro pode reinventar a vida de um ator em cena.